Amigos reciclam uniformes em negcio que gera renda e dignidade
"Isso faz a gente se sentir humano de novo, valorizado. Se tivesse 100% de Jonas, o Brasil no estaria nesse caos. E, nas ruas, ningum iria morrer por causa do frio."
A frase, do morador de rua Roberto Carlos Conceio, 38, com So Paulo registrando 9C e sensao trmica de 6C, s 23h, sob a marquise do Pacaembu, mostra como a criatividade do gestor ambiental Jonas Lessa, 25, e do bilogo Lucas Corvacho, 28, capaz de transformar a vida de algum.
Conceio perdeu um amigo na onda de frio do ms de junho na capital paulista, que vitimou pelo menos quatro pessoas. E estava feliz por ter recebido naquela noite uma manta impermevel -foram 1.440 distribudas em parceria com a Entrega por SP-, que pode durar at dois meses.
"Antes, a gente ganhava o cobertor 'Tony Ramos', que nos deixava cheio de pelo, no durava uma semana e, se molhava, no prestava mais."
A ideia da nova manta, produzida por costureiras de cooperativas a partir de retalhos de uniformes e material impermevel descartado, surgiu de uma das parcerias que Lessa e Corvacho firmaram desde o final de 2013, quando criaram juntos a Retalhar.
PARCERIA NO CARNAVAL
Os dois empreendedores se conheceram na infncia, jogando taco na praia de Paba, em So Sebastio (SP). E viram a amizade se fortalecer em 2012, quando encamparam duas misses.
A primeira delas era salvar o Carnaval no litoral. A segunda consistia em resolver um grande problema na empresa de confeces do pai de Corvacho, a Lutha Uniformes.
"Tinha um grupo que tocava no Carnaval de Paba, mas, quando o lder saiu, ningum se motivou a continuar. A gente se uniu mesmo, mobilizamos a comunidade e organizamos tudo. Foi um baita aprendizado", diz Lessa.
A parceria do samba deu to certo que foi levada empresa de confeco.
L, Corvacho, que estava de volta ao pas aps dois anos atuando como pesquisador na Austrlia, j tinha implantado sucessivas melhorias, como horta, composteira, reaproveitamento de gua, reciclagem e biblioteca.
Ele, entretanto, buscava soluo para o descarte correto do resduo txtil gerado pela Lutha, que chegava a 500 kg por ms. "Era um problemo, porque o volume era muito acima do lixo domstico. Tnhamos dificuldade, o coletor no queria pegar", diz o empresrio Oswaldo Corvacho Filho, pai de Corvacho.
Foi quando o bilogo decidiu consultar Lessa: "Voc tem algum amigo interessado em trabalhar com gesto ambiental empresarial?".
poca, Lessa trazia na bagagem influncias de sustentabilidade do pai -o jornalista Savio de Tarso- e a experincia como voluntrio na ONG Teto, alm de cursar gesto ambiental na USP Leste. E, quando respondeu ao amigo, oferecendo-se de imediato para o trabalho, formou-se o primeiro fio da Retalhar.
"A percepo de que tnhamos um negcio se deu quando, numa rede social, uma pessoa da Latam buscava o que a gente oferecia", diz Corvacho. Ele explica que, naquele momento, foi possvel perceber que a questo dos resduos txteis ia alm da Lutha.
"A aplicao da lei no era efetiva, pois, como ns, muitos tinham dificuldade em fazer o descarte correto. E pensamos que isso poderia envolver outras pessoas e agregar muito mais."
NA MEDIDA DA LEI
Assim, ao mesmo tempo em que os dois amigos erguiam o Carnaval no litoral e mergulhavam no conceito de logstica reversa e na lei 12.305, de 2010, que define a Poltica Nacional de Resduos Slidos e exige o descarte adequado de materiais (incluindo o txtil), o samba da Retalhar comeou a dar p.
Na primeira ao, Corvacho e Lessa colocaram-se como ferramenta necessria para que grandes empresas cumprissem a lei, evitando a incinerao ou o aterramento de uniformes descartados.
Depois, passaram a criar a cadeia de produo reversa, para dar nova vida a essas peas de roupa que seriam jogadas fora. "Pensamos, primeiro, em fazer sacolas de pano. Estava naquele momento de proibio da sacola plstica", explica Corvacho.
Mas, aps contato com incubadoras, aceleradoras e negcios sociais, a ideia transcendeu. E a associao com costureiras e o conhecimento de como desfibrar os uniformes deram novos horizontes a Retalhar, com a produo de brindes, mantas acsticas e cobertores.
A unio com 33 costureiras de Brasilndia, Campo Limpo, Barueri, Jardim Educandrio e So Bernardo do Campo tambm atendeu a um anseio de Corvacho e Lessa.
Alm de uma soluo ambiental para o descarte dos uniformes, eles planejaram empoderar e melhorar a condio social da cadeia envolvida no trabalho da Retalhar.
"Quando a gente conheceu o Lucas e a Retalhar, compreendeu o que era logstica reversa. Isso mudou nossa vida. Transformamos os retalhos e tambm a ns", diz Djenane Martins, 43, que trabalha com outras trs costureiras na Charlotte Arte em Costura, no ABC paulista.
"Passamos a ser reconhecidas, fomos chamadas para eventos e j conseguimos at tirar um salrio mnimo", diz.
Alm de ajudar as costureiras a precificarem seus produtos e conduzi-las para palestras em clientes, Lessa e Corvacho firmaram outras parcerias, como a com o Pimp My Carroa, que atua com catadores de material reciclvel.
"Muitos nos menosprezam, como se fssemos invisveis. Esse uniforme [da Retalhar] torna a gente visvel, em especial noite, protege e evita que eu pegue bactria. Lavo e uso de novo, diferente de roupa nova, que na rua no dura uma semana", diz Gabriel Felipe Ortega Cazuza dos Santos, que atua na zona oeste de So Paulo.
Ele um dos 440 catadores de material reciclado impactados pela Retalhar e v paralelo entre sua atuao e a da empresa. "Os nossos trabalhos se parecem, pois pegamos o que ia para o lixo e ajudamos a dar vida nova."
MENOS CARBONO
Seja ao reaproveitar os uniformes, com segurana s marcas, seja ao transform-los, a Retalhar j conseguiu evitar que cerca de 15,7 toneladas de tecido fossem aterradas e incineradas.
Isso representa economia na emisso de 231,2 toneladas de carbono equivalente -que corresponde ao replantio de cerca de 200 mil mudas de rvores- e quase 118 m de volume de aterro poupado. Alm de ter gerado renda de R$ 85 mil aos parceiros.
Enquanto cresce -hoje so seis funcionrios- e atrai gigantes de seus setores, como a FedEx (que replicar a reciclagem de uniformes fora do pas), Leroy Merlin e concessionrias de rodovias, a Retalhar sabe que tem muito a fazer para que a cadeia txtil trate os resduos.
S regies como Bom Retiro, Brs e 25 de Maro, na capital paulista, produzem 20 toneladas de resduos txteis por dia, que acabam em aterros. Esse cenrio, inclusive, inspirou o nome Retalhar, que surgiu da chance de trabalhar o retalho e, ao mesmo tempo, retaliar essa situao.
O enorme desafio, porm, no intimida Corvacho e Lessa. Certos de que seguiro juntos, eles vislumbram at novos planos, como o de atrair a alta moda com os retalhos.
Agora, independentemente do que os dois venham a criar ou transformar, Conceio, o morador de rua, assertivo: "Eu sei que, qualquer coisa que eles faam, vai ser boa. Se no for para a gente, vai ser para outras pessoas".
RECICLAGEM, EMPODERAMENTO E DIGNIDADE
Duas experincias marcaram profundamente a vida do gestor ambiental Jonas Lessa, 25, e do bilogo Lucas Corvacho, 28.
A primeira, de Jonas, foi ser lder numa comunidade em que cabia a ele, entre outras tarefas, decidir qual famlia seria beneficiada pelos trabalhos da ONG Teto, que constri casas com ajuda de voluntrios e ajuda a resolver problemas de localidades de extrema pobreza.
A de Lucas ocorreu do outro lado mundo, quando, trabalhando como pesquisador na Austrlia, participou do desenvolvimento de um projeto para garantir a sustentabilidade de uma comunidade de pescadores no Timor Leste.
Esses trabalhos, assim como a formao de cada um, ajudaram Jonas e Lucas a moldarem as aes da Retalhar.
Pensada no final de 2013 pelos dois amigos, que se conheceram em Paba, em So Sebastio (SP), a empresa trabalha com a reciclagem de uniformes em duas frentes: ambiental e social.
ECONOMIA DE CARBONO
Na questo ambiental, ao evitar que 15,7 toneladas de tecido fossem incineradas ou aterradas, Lucas e Jonas alcanaram o correspondente ao plantio de 200 mil mudas de rvores contando a economia de carbono equivalente --231,2 toneladas-- que deixou de ser emitida nos processos mais comuns de descarte txtil.
Ao mesmo tempo que auxilia empresas, garantindo segurana s marcas, que seu uniforme ser reaproveitado e/ou desfibrado, a Retalhar inaugura uma nova cadeia de negcio, em que atende ao lado social.
Ao contratar cooperativas de costureiras da periferia de So Paulo, como Brasilndia e Campo Limpo, a empresa tem mudado a vida de quem nem sonhava em ser parte fundamental numa cadeia produtiva.
"Mudou toda a nossa vida", diz Djenane Martins, 43, da Charlotte Arte em Costura, que diz ter recuperado sua autoestima ao ter conhecido a Retalhar.
"Sofri bullying na adolescncia, engordei muito. O trabalho com a costura o meu renascimento. Ter conhecido a Retalhar nos abriu muitos trabalhos. Hoje at conseguimos tirar um salrio mnimo", diz ela, que uma das 33 costureiras em atuao nos dias de hoje com a Retalhar, uma parceira que j gerou R$ 85 mil em renda.
A partir desse contato com as costureiras, em que os retalhos viram todo tipo de produto, de porta tablet a mantas impermeveis, que a Retalhar consegue impactar a vida de quem trabalha e vive na rua.
As mantas impermeveis, inclusive, fruto de uma parceria com a Entrega por SP - mobilizao social que trabalha com a populao de rua-, so um dos produtos mais inovadores que foram vistos por quem vive na rua.
"H 20 anos, trabalho na feira aqui do Pacaembu. Olho os carros, sou manobrista. Sou honesto e conheo tudo da rua. E quem fez essa manta aqui sabe das coisas, porque ela no deixa passar frio, no. A gente fica quentinho, como se estivesse em casa", afirma Carlos Alberto Silva, 48.
De acordo com ele, a manta antiga, feita com resduos de fibras sintticas, soltava muito pelo e tambm deixava passar o vento frio. "Por isso teve gente que morreu de frio", afirma ele, que era torneiro mecnico.
Alm dele, outros 1.440 moradores de rua receberam cobertores impermeveis, que deve durar at dois meses nas ruas -o antigo, no passava de uma semana.
SEGURANA DA MARCA
No s moradores de rua so impactados pelo trabalho da Retalhar. Catadores de material reciclvel tambm se sentem mais seguros nas ruas com os uniformes doados por Lucas e Jonas.
"Eu tenho 31 anos e trabalho h 20 na rua. Ns somos quase invisveis. Mas esse uniforme torna a gente mais visvel. Quando pintaram a minha carroa [o Pimp My Carroa], ela se tornou visvel. Agora eu me torno visvel", afirma Gabriel Felipe Ortega Cazuza dos Santos.
De acordo com ele, o uniforme mais resistente e permite que seja lavado, algo que no acontece com outras roupas. "A gente ganha tnis, roupa nova. Se trabalhar com ela, estraga em dois dias. No dura. Fora que os uniformes, por permitirem a lavagem, evitam que a gente pegue bactria", diz.
Ele um dos 440 catadores de material reciclado impactados pelo trabalho da Retalhar.
Alm das pessoas que vivem e trabalham nas ruas, a Retalhar, que atua com grandes empresas como a FedEx, Leroy Merlin e concessionrias de rodovias, busca agora aprimorar tanto a cadeia criada pela logstica reversa dos uniformes como quem participa dela, a fim de empoderar mais as pessoas.
"O uniforme tem um simbolismo muito grande para a gente. Ns trabalhamos isso de ter orgulho de vestir a camisa. Ento, saber que aquele uniforme que tinha sido usado est virando um cobertor um orgulho muito grande", afirma Denise Thomazotti, gerente de marketing da Fedex.
Segundo ela, o Brasil o primeiro pas a fazer esse tipo de ao na Fedex, que pretende levar o conceito da reciclagem de uniformes para fora do pas.
A segurana s marcas destacada, assim como o custo para a reciclagem, que chega ser igual ao de incinerar os uniformes.
"Alm de desfibrar e recolocar esse material dentro do processo produtivo, eles filmam a descaracterizao do material. Ns temos certeza que esse uniforme no vai ser mal usado", afirma Eduardo Borges, gerente de sustentabilidade da Leroy Merlin.
Com essa ao, a Retalhar conseguiu poupar o equivalente a 118 m de volume de aterro, sem contar a economia de gua, levando em conta que a produo de uma camiseta consome 2.495 litros.
Por isso, Jonas e Lucas vislumbram agora, alm de expandir a Retalhar, como melhorar ainda mais a vida de quem faz parte da cadeia de produo da empresa, como aprimorar a formao e permitir o crescimento profissional.
Enquanto isso, os dois empreendedores, que fortaleceram a amizade no Carnaval de Paba, se desdobram para divulgar a Retalhar perante novos clientes, no meio acadmico e at fora do pas. "Estamos plantando sementes e descobrindo novas experincias", resume Jonas.
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Conhea mais sobre a Retalhar
Os dois empreendedores tm formao na rea ambiental. Lucas Corvacho, bilogo com experincia acadmica na Austrlia, decidiu empreender por perceber que o programa de pesquisa em que estava inserido (de reduo de impactos ambientais nos pases do Pacfico) teria efeito apenas no longo prazo. Sentia vontade de gerar impacto social sobre o aquecimento global no curto prazo. Ao voltar ao Brasil, comeou a trabalhar na indstria txtil do pai, Lutha Uniformes, e organizou uma rea de sustentabilidade, com reaproveitamento dos retalhos da produo.
Lessa formado em Gesto Ambiental pela Escola de Artes, Cincias e Humanidades da USP (Universidade de So Paulo). Ainda no incio da graduao, aproximou-se do ecossistema de negcios sociais. Entrou na Lutha Uniformes para ajudar seu amigo de infncia Lucas Corvacho e, com ele, fez a Retalhar se tornar um negcio.
Aos 24 anos, Lessa foi laureado na categoria Prmio Jovem Empreendedor do desafio global Tecendo a Mudana, promovido pela Ashoka Changemakers, que recebeu mais de 300 inscries de 50 pases. O brasileiro participou da jornada de inovao proposta pela rede mundial de empreendedores sociais e recebeu o prmio durante o Copenhagen Fashion Summit, em maio, na Dinamarca. "Foi uma oportunidade para expandir a viso sobre o potencial da Retalhar e ter base do que est acontecendo no mundo", diz Lessa. "Agora, temos que consolidar o trabalho em So Paulo e expandir pelo Brasil."
A Retalhar nasceu da paixo dos empreendedores pela ideia de reduo de impacto ambiental. O foco de ambos em expandir a reduo de resduos na Lutha e nos seus clientes resultou na emancipao da Retalhar como empresa prpria, em 2014. Essa mudana ocorreu a partir de uma demanda de uma conhecido, que precisava de ajuda para lidar com os uniformes da empresa em que trabalhava, no caso a LATAM. O contrato com uma grande companhia fez os empreendedores perceberem o potencial e apressar o processo de estruturao do negcio.
Corvacho diz que o projeto da Retalhar "no boa ao", seu trabalho. Os dois empreendedores e os consultores que ajudaram a estruturar a start-up dizem que "o objetivo do lucro demorou a ser incorporado". A prioridade de ambos era gerar o impacto social junto s cooperativas de costura, o que tornava o custo insustentvel no comeo.
Os dois amigos tm perfis complementares: Corvacho se define como "louco", e est sempre pensando em novas formas de gerar impacto. "Para mim, a Retalhar uma questo de 'parar de reclamar e comear a fazer alguma coisa'. A gente vive em uma sociedade em que 99% reclamam, e poucos tentam fazer algo diferente. O empreendedorismo social vem como um 'basta' de reclamar e escolher um assunto para me aprofundar. J que temos que trabalhar e temos que ficar estressados, que pelo menos o resultado desse estresse seja um bem coletivo."
J Lessa, de perfil mais empresarial, traz o parceiro de "volta Terra". Dessa combinao surgiu a Retalhar. "Minha misso como empreendedor est muito em inspirar as pessoas, pois a prtica muito mais inspiradora que qualquer teoria e qualquer livro. Isso para mim j sinnimo de sucesso, independente de resultados financeiros. Saber que estamos espalhando sementes."
O Brasil produz cerca de 76 mil toneladas de peas de uniformes por ano. Aps o uso, esse material normalmente enviado para incinerao ou aterros sanitrios, gerando um nus ambiental grande, em desrespeito s normas da Poltica Nacional de Resduos Slidos (Lei 12.305/2010). Alm dos custos, as empresas preferem incinerar peas usadas para evitar danos imagem por uso indevido da logomarca aps o descarte.
A Retalhar se prope a ser uma empresa de gesto de resduos txteis para a indstria. A Poltica Nacional de Resduos Slidos determina que resduos txteis devem seguir a mesma hierarquia dos demais: preveno, reutilizao, reciclagem e disposio final ambientalmente correta. Os empreendedores viram o potencial de prestar o servio de gesto deste resduo para empresas que usam uniformes (concessionrias rodovirias, empresas de logstica, entre outros).
A primeira inovao da Retalhar foi olhar para esse tipo de resduo especfico como um potencial nicho de mercado. Segundo os empreendedores, os uniformes usados e tirados de circulao eram em sua maior parte incinerados ou enviados a aterros. Foi ento que surgiu a Retalhar, propondo transformar esse potencial problema das empresas em novos produtos.
Alm de inovar no processo de coleta e reciclagem de resduos que seriam descartados, o negcio atua na rea txtil, marcado por processos de mo-de-obra intensa. Nesse setor, quer impactar tambm o social na forma de contratao de parceiros, como indstrias de desfibramento e cooperativas de costureiras.
Um dos desafios da Retalhar demonstrar para seus clientes que o descarte correto do resduo txtil gera um ganho ambiental, mesmo que isso signifique um custo financeiro imediato. A empresa enfrenta esta barreira de duas formas:
1. Demonstrar o valor ambiental de seu produto Lessa e Corvacho contrapem o custo direto de retirada e beneficiamento dos tecidos com o chamado Custo Social do Carbono, elaborado pela EPA, agncia de proteo ambiental americana). A agncia calcula que cada tonelada de carbono emitida em 2015 representa um custo social de US$36 per capita, em 40 anos. A conta, ento, do quanto de emisso pode ser reduzida ao se reaproveitar o tecido de cada uniforme beneficiado e destinado corretamente. Denise Thomazotti, gerente de sustentabilidade da Fedex, explica que a parceria com a Retalhar ajuda a companhia a cumprir sua metas ambientais definidas globalmente. Por ser uma empresa de logstica, a Fedex centraliza a gesto de resduo para envio Retalhar, reduzindo custos da parceria. Ela calcula que a destinao correta dos uniformes fez a Fedex deixar de emitir 25 toneladas de CO2 nos dois anos de parceria. No caso da Leroy Merlin, que tem entre as metas ambientais internas reciclar 90% de seu resduo, a logstica de uniformes proposta pele parceiro abre essa possibilidade. "Hoje, o custo da Retalhar fica igual ao de incinerar. A gente no envia para o aterro, para garantir que o uniforme no seja utilizado indevidamente", explica Eduardo Borges, gerente de sustentabilidade da Leroy Merlin.
2. Busca de solues de competitividade: A Retalhar est em busca de alternativas lucrativas para os tecidos desfibrados, que criem incentivos financeiros para os clientes que fazem o descarte ambientalmente correto dos uniformes. Atualmente, a Retalhar produz brindes e cobertores a partir dos uniformes recolhidos, mas ainda no consegue oferecer um custo inferior ao do simples descarte, em termos apenas financeiros, sem levar em conta os ganhos ambientais. Para superar o desafio de ser competitivo, alm de ambientalmente correto, a Retalhar est propondo para alguns dos clientes a venda de um ciclo completo de reaproveitamento (coleta, logstica reversa, reconstruo de tecidos teis para o cliente e recompra). Desta forma, a Fedex, por exemplo, est desenvolvendo outros tipos de produtos alm de cobertores, como colchonetes e outros materiais. Enquanto, a Leroy Merlin iniciou o desenvolvimento de novos produtos para reaproveitamento dentro da prpria empresa, tais como enchimento de sofs e almofadas. A dificuldade garantir que o volume de uniformes seja o suficiente para a escala de venda destes produtos pela Leroy.
A Retalhar nasceu da participao de Corvacho na indstria txtil de seu pai (Lutha Uniformes), ao criar uma rea de sustentabilidade com o intuito de reaproveitar os retalhos que sobravam da produo de uniformes. Neste processo, o empreendedor notou que, enquanto j havia no mercado uma indstria de reciclagem de retalhos virgens (sobras da produo de tecidos), no havia ainda projetos para materiais usados em larga escala.
A Retalhar tambm prioriza a incluso social na sua forma de contratao de cooperativas. Esto abertos a discutir os modos de engajamento, segundo Djenane Martins, coordenadora da cooperativa de costureiras Charlotte Arte em Costura.
Desenvolvimento de produtos ou servios que constituam tecnologias sociais eficazes
Os empreendedores da Retalhar dividem seus esforos entre as preocupaes sociais e ambientais, o que s vezes os leva a situaes conflitantes. Por exemplo, para aumentar a escala de tecido reciclado necessrio reduzir os custos. Porm, caso pressionem muito as cooperativas, entram em conflito com o objetivo de gerar impacto social para seus parceiros. Para resolver esta equao, Lessa e Corvacho trabalham com novos clientes (em especial a Leroy Merlin) para vender a logstica reversa completa: do recolhimento dos uniformes revenda dos materiais reformulados para a prpria empresa. Assim, o cliente poder de fato reduzir custos a partir da gesto correta de seus resduos.
Esse modelo de reciclagem de material txtil no novidade, j existe h dcadas, mesmo que em pequena escala. A empresa Virgiflex, por exemplo, est no mercado h 20 anos focada em reaproveitamento de retalhos e logstica reversa. A inovao da Retalhar est em organizar um sistema de gesto de resduos que adeque as aes de empresas que usam uniforme Poltica Nacional de Resduos Slidos, com impacto sobre a marca em duas frentes:
1) Oportunidade de explorao da imagem de responsabilidade socioambiental com seus consumidores
2) Reduo do risco de mau uso dos uniformes descartados de forma incorreta. H relatos de crimes cometidos com os uniformes por ex-funcionrios, podendo afetar a imagem da empresa. Outro ganho evitar a exposio da logomarga do uniforme em aterro)
A Retalhar comeou como um brao da Lutha Uniformes, empresa que j atuava havia 23 anos no ramo. A equipe formada por seis pessoas: os dois scios, dois funcionrios no administrativo e no comercial, um gestor de produo e um auxiliar. A diviso de tarefas ainda pouco clara, com todos ajudando em todas as reas. A parte de operaes e logstica, central para o sucesso do negcio, a mais estruturada. Nela, so realizadas as retiradas de uniformes, a descaracterizao das marcas e a distribuio para os parceiros. O controle financeiro concentrado em uma gestora, com superviso de Lessa. A descaracterizao dos uniformes internalizada para garantir segurana total a seus clientes. Esse processo liderado por Leonardo de Carvalho, um importante colaborador da empresa.
Em 2015, a empresa teve supervit graas ao rateio do aluguel com a empresa vizinha (Lutha Uniformes, de propriedade do pai de Lucas Corvacho) e a doaes de apoiadores.
A fidelizao de grandes clientes como a Fedex e a Leroy Merlin pode ser notada no crescimento do faturamento da empresa nesses dois anos de funcionamento.
A empresa ainda est em uma fase incipiente de polticas de gesto de colaboradores. O nico processo estruturado o incentivo ao estudo dos funcionrios, com a possibilidade de horrios flexveis e mentoria dos scios.
Atualmente, Vincius, um jovem estudante que auxilia Leonardo de Carvalho na operao, tem duas horas por semana dedicadas aos estudos, com mentoria dos demais colaboradores (com curso superior). Com isso, os empreendedores pretendem mant-lo na empresa, e ajud-lo a atingir outros objetivos no futuro.
O impacto mais direto da Retalhar ambiental. Segundo estudo da SindTextil, o Brasil produziu, em 2012, 256 milhes de peas de uniformes. Em uma projeo, levando em conta um clculo de 1 kg para cada conjunto de uniforme completo, isso totalizaria aproximadamente 76 mil toneladas/ano. A Retalhar j processou 15 toneladas em dois anos, evitando a emisso de 210 toneladas de carbono equivalente (por incinerao ou produo de novos tecidos a partir de fios no reciclados) e o uso de 110 m de aterros sanitrios. Segundo os empreendedores, ao evitar a produo de novos tecidos, pode-se impactar a produo de algodo, que ocupa 3% da terra agrcola do mundo e faz uso de 18% de todo o pesticida produzido no planeta.
O impacto social da Retalhar est relacionado ao desenvolvimento de fornecedores. A Retalhar trabalha com oito cooperativas de costureiras que empregam 30 mulheres nas regies de Taboo da Serra, So Bernardo do Campo, Carapicuba e Perus (zona norte da capital). Em dois anos, as cooperativas geraram mais de R$ 70 mil em negcios com a Retalhar.
Alm disso, a Fedex, principal cliente da Retalhar, transforma seus uniformes em cobertores que so doados para uma ONG parceira da empresa. J foram doados 1.700 cobertores, produzidos a partir de 6.500 uniformes.
Quando recebe uniformes em estado muito bom, a Retalhar no encaminha para a reciclagem. Neste caso, a empresa organiza a venda do uniforme descaracterizado para o Pimp My Carroa, ONG que apoia catadores de lixo reciclvel na cidade de So Paulo. Os uniformes vendidos para esta ONG contam com partes reflexivas que aumentam a segurana dos catadores.
O segundo maior cliente da Retalhar a ONG Entrega por SP, que coordena doao de cobertores para pessoas em situao de rua no centro de So Paulo. A ONG compra "sacochilas" (mochila que tem suporte para abrir o cobertor que tambm saco de dormir) e o servio de costura da Retalhar. J foram doadas 2.300 "sacochilas" e 1.250 cobertores.
Um dos diferenciais da Retalhar est em criar um cobertor impermevel, portanto de maior durabilidade e utilidade para o usurio final. Esse cobertor e as "sacochilas" foram desenvolvidos em parceria com a Entrega por SP, aps pesquisa junto s pessoas em situao de rua. O envolvimento direto dos empreendedores destacado pelos beneficirios. Lessa reala ainda um ganho secundrio em impacto ambiental. Os cobertores impermeveis e as "sacochilas" chegam a durar meses, o que reduz a presso por produo de novas peas. A Entrega por SP distribui cobertores e outros itens de necessidade bsica para pessoas em situao de rua. A ONG faz doaes uma noite por ms, quando chega a distribuir 1.250 cobertores impermeveis.