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Antidepressivos funcionam? Cientistas se dividem sobre os benefícios a longo prazo

Pouco se sabe sobre como esses medicamentos afetam a qualidade de vida dos usuários

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Melinda Wenner Moyer
The New York Times

Quanto mais prevalentes ficam os antidepressivos, mais questões levantam. Esses fármacos são um dos tipos de medicamentos mais receitados nos Estados Unidos, tanto que mais de um em cada oito americanos com mais de 18 anos já os tomou, segundo levantamento dos CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças). Apesar disso, sabe-se muito pouco sobre quão bem eles funcionam no longo prazo e, em especial, como afetam a qualidade de vida de forma geral, dizem especialistas.

A maioria dos ensaios clínicos dos medicamentos acompanharam pessoas que tomaram antidepressivos por apenas oito a 12 semanas. Por isso, não está claro o que acontece quando os pacientes tomam esses medicamentos por mais tempo que isso, disse Gemma Lewis, psicóloga pesquisadora do University College London e estudiosa das causas, tratamentos e prevenção da depressão e ansiedade.

"Precisamos acompanhar por mais tempo pessoas que estão usando ou não estão usando antidepressivos, para descobrir quais são os desdobramentos de longo prazo", ela explicou.

Sentada em um canto, mulher se dobra para a afrente e abraça os joelhos, escondendo o rosto
Médicos se dividem sobre os reais benefícios dos antidepressivos a longo prazo - Pixabay

Um estudo recente publicado no periódico especializado PLoS One, realizado para tentar tirar essas dúvidas, comparou ao longo de dois anos as mudanças na qualidade de vida relatadas por americanos com depressão que tomaram antidepressivos e as mudanças relatadas por pessoas com o mesmo diagnóstico, mas que não tomaram os medicamentos.

O estudo incluiu pessoas que tomaram todos os tipos de antidepressivos, incluindo inibidores seletivos de recaptação da serotonina, como o Prozac, inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina, como o Effexor, e antidepressivos mais antigos como a clomipramina e fenelzina.

Os pesquisadores avaliaram a qualidade de vida mental e física, usando um levantamento com perguntas sobre a saúde física das pessoas, seus níveis de energia, estados de ânimo, dor e capacidade de desempenhar atividades diárias, entre outras questões.

O artigo não encontrou diferenças importantes nas mudanças na qualidade de vida relatadas pelos dois grupos, fato que sugere que os medicamentos antidepressivos podem não melhorar a qualidade de vida no longo prazo.

Os dois grupos relataram melhorias leves nos aspectos mentais da qualidade de vida ao longo do tempo e quedas ligeiras em sua qualidade de vida física. Mas o estudo é imperfeito, dizem pesquisadores, e certamente não traz uma resposta definitiva para a discussão sobre a eficácia dos antidepressivos.

Um problema foi que o estudo, baseado em dados de mais de 17 milhões de americanos que participaram do Levantamento do Comitê de Gastos Médicos dos EUA, comparou pessoas que podem ter apresentado níveis diferentes de depressão.

Para o dr. F. Perry Wilson, pesquisador de saúde clínica pública na Escola Yale de Medicina e não envolvido no estudo, é provável que os indivíduos para os quais foram receitados antidepressivos tivessem depressão mais grave que aqueles para os quais que não receberam a prescrição.

Mesmo assim, é difícil tirar conclusões com base nas conclusões do levantamento, ele disse, porque "pessoas com depressão mais grave podem ter probabilidade menor de melhorar seus escores de qualidade de vida mental ao longo do tempo", por razões não relacionadas aos antidepressivos que tomam.

Outra questão é que as pessoas que estavam tomando antidepressivos poderiam já os estar tomando havia algum tempo –logo, algumas das melhorias de qualidade de vida podem ter ocorrido antes de serem monitoradas pelo estudo, disse Lewis.

Para ela, esse tipo de estudo "funciona melhor quando é possível medir a qualidade de vida das pessoas antes de começarem a tomar antidepressivos", quando pesquisadores podem observar como a vida das pessoas muda imediatamente após iniciar o uso do medicamentos e também algum tempo mais tarde.

Omar Almohammed, farmacologista na Universidade Rei Saud, na Arábia Saudita, e co-autor do estudo, rebateu dizendo que ainda é razoável prever melhorias contínuas na qualidade de vida, mesmo muito tempo depois de iniciado o uso de antidepressivos.

"Se não prevemos melhorias com o uso contínuo desses medicamentos, a decisão correta pode ser a de interromper seu uso contínuo", ou acrescentar outro tipo de tratamento, como a terapia comportamental cognitiva, que visa modificar os padrões de pensamento das pessoas, ele disse.

Mas medicamentos muitas vezes são uma solução mais fácil e barata. As pessoas podem ter dificuldade em acessar terapia por falta de profissionais especializados e porque tratamentos de saúde mental muitas vezes não são plenamente cobertos por convênios médicos.

Ensaios clínicos sugerem que, embora os antidepressivos ofereçam benefícios nos primeiros meses, os benefícios são modestos e muito menos pronunciados entre pessoas com depressão leve, comparados com as que apresentam depressão grave. Especialistas se dividem quanto a se esses benefícios pequenos fazem uma diferença notável ao estado de humor das pessoas ou a seu funcionamento geral.

Alguns médicos, por exemplo, argumentam que as melhorias sentidas por pessoas que tomam antidepressivos não passam muito do que elas poderiam sentir se tomassem comprimidos de açúcar.

"Os antidepressivos têm efeitos marginais no curto prazo, comparados com um placebo", disse o psiquiatra pesquisador Mark Horowitz, do University College London. Isso não quer dizer que muitas pessoas não se sintam melhor quando tomam os medicamentos –é apenas que boa parte da melhora pode ser derivada do efeito placebo, não do medicamento propriamente dito.

Se você estiver tomando antidepressivos, a sugestão de Horowitz é que você consulte seu médico para ver se deve continuar a tomá-los e, se for o caso, para checar que ainda está tomando a dose mais apropriada. A Associação Americana de Psiquiatria recomenda que pacientes que tiveram apenas um episódio de depressão tomem antidepressivos por quatro a nove meses. Mas, disse Horowitz, os antidepressivos devem começar a ser usados aos poucos, idealmente sob supervisão médica.

Muitas pessoas podem ser profundamente beneficiadas por essas drogas e podem beneficiar-se de tomá-las pelo longo prazo. Mas todos nós merecemos saber mais sobre quão bem elas funcionam e os riscos que podem representar quando tomadas por anos ou mesmo décadas.

Claramente são necessárias mais pesquisas cuidadosas para determinar a melhor maneira de ajudar os mais de 16 milhões de americanos que sofrem de depressão hoje –e cujos sintomas podem ter se agravado durante a pandemia.

Tradução de Clara Allain

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