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Pais enfrentam síndrome do ninho vazio ao verem filhos saindo de casa

Condição é caracterizada pelo sentimento de melancolia e o estado de luto

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Rayane Moura
São Paulo

Não é de hoje que os filhos, quando chegam em uma certa idade, saem da casa dos pais. Alguns querem casar e construir família, outros ter sua própria independência. Sem a obrigação de cuidar de seus rebentos, os pais sentem que perderam sua função e entram em um estado de sofrimento.

Chamada de síndrome do ninho vazio, a condição é caracterizada por um período de luto que ocorre quando os pais, cuja principal responsabilidade é cuidar dos filhos, se veem livres dessa obrigação. O grau de sofrimento emocional varia.

Mulheres geralmente são quem mais sofre, embora a síndrome também atinja homens, diz a psicóloga Beatriz Borges Brambila, do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. Pelo papel de cuidador ser mais associado às mães, os pais nem sempre assumem completa responsabilidade em todos os momentos da vida dos filhos. Com isso, eles vivem o período de outra forma.

Tânia de Castro Jardim, 60, viu as três filhas saírem de casa - 27.abril.2022 - Karime Xavier/Folhapress

"Muitas mulheres passam a vida toda dedicadas a este trabalho doméstico, a esse trabalho de cuidado com os filhos, e certamente quando não há mais esse sentido, não há mais essa atividade, não tem como não se sentir em sofrimento, não se sentir sozinha, não se sentir adoecida, entristecida, eventualmente deprimida", afirma Brambila.

Tânia de Castro Jardim, 60, é mãe de três mulheres. Para ter as meninas por perto, a empresária construiu uma casa no sobrado onde vive em Diadema, na Grande São Paulo, para ao menos uma das filhas morar. Ainda assim, elas escolheram se mudar, deixando o espaço vazio.

"No momento está sendo legal, mas no começo eu só chorava, eu e o marido. Aí eu comecei a ler bastante. Teve coisa que eu li, que falava que a gente não pode se apegar ao filho. Quando me falaram que filho a gente criava para o mundo, eu entrei em pânico", conta Tânia, que viu a mais nova sair de casa recentemente.

"Eu ainda choro. A casa ficou imensa porque meu marido fez um sobrado, parece uma mansão, e nenhuma está com a gente", diz ela, que tenta matar a saudade das filhas fazendo videochamadas todos os dias.

Foi por medo da reação da mãe que a caçula Sueni de Castro Jardim, 24, demorou para sair de casa.

"Eu ainda tinha um pouco de receio de contar para a minha mãe porque eu tinha medo da reação dela, de ela não aceitar muito bem. Então eu e meu namorado começamos a visitar os apartamentos escondido e quando a gente sentiu que estava bem mais próximo, que ia dar certo, aí eu contei para minha mãe."

E para compensar a distância, Sueni e a irmã estão sempre na casa da mãe nos feriados e fins de semana. E Tânia faz de tudo para matar a saudades quando vê as meninas.

"Elas cuidam muito de mim, elas querem que eu saia e quando uma delas fala que vai em casa, eu capricho no almoço, faço aquela comida e até as bebidas que elas gostam eu compro, já esperando as minhas princesas", conta.

Por outro lado, quando deixar a casa dos pais é sinônimo de viver em outro país, a distância faz com que a saudade só aumente. Kalinka de Souza Lanza, 45, viu a filha a Maria Clara, 21, fazer as malas rumo à Austrália há cerca de dois anos. O intuito da viagem era fazer um intercâmbio de 12 meses e voltar para o Brasil, mas não foi isso que aconteceu.

A filha mais nova de Tânia, a caçula Sueni, demorou para sair de casa por medo da reação da mãe - Karime Xavier/Folhapress

O início da pandemia de coronavírus fez com que Maria mudasse seus planos e agora, com o arrefecimento da crise sanitária, ela decidiu ficar por lá.

"Inicialmente, eu não sofri pois seria somente um período de um ano no máximo para estudar mesmo, mas minha filha foi para Austrália em novembro de 2019, e logo depois tivemos notícia de uma pandemia que mudaria o destino de muitos no mundo", relembra Kalinka, que não vê Maria desde que ela embarcou.

"Lidar com a distância e a saudade realmente é muito difícil. Nos conectamos por videochamada nos horários que ela pode falar pois o fuso horário também é um problema, mas apesar disso estamos sempre conectadas e a saudades só aumenta a cada dia", conta.

Sair da casa dos pais, porém, não significa deixar o amor de lado. Pelo contrário, o momento vai abrir outras oportunidades e possibilidades para os pais, diz a psicóloga Beatriz Borges Brambila. Nessa fase, também é importante que eles sejam acolhidos pela família.

Já Anna Carolina Lo Bianco, vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia, explica que essa condição é um fenômeno atual, uma vez que hoje em dia as famílias são menores do que antes.

"Antigamente as família, em geral, eram extensas e muito grandes, com muitos filhos, não acontecia tanto quanto acontece agora. Hoje, as famílias são pequenas, tem o pai e a mãe. [Então] os filhos saem de casa, e os pais que viveram ali em função deles, de repente se encontram sozinhos e, em geral, muito sem apoio", explica.

Assim como Brambilla, Lo Bianco também enxerga a síndrome como uma fase, assim como todas as outras da vida. A psicóloga ressalta, porém, que pais que se entraram muito aos filhos, como aqueles que não tem uma vida ativa, podem se sentir sozinhos e com maior dificuldade de lidar com esse momento.

"E nesse sentido o acompanhamento terapêutico é importante para o sujeito poder se centrar mais na sua vida, não ficar ligado só naquilo que perdeu. Tem que certamente se encontrar na sua vida, ter seus interesses", completa a profissional.

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