Pandemia e incerteza do futuro fazem com que pais desistam de terem filhos

Falta de rede de apoio durante a crise sanitária e declínio da fertilidade são alguns dos motivos

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Emily Gould
The New York Times

Dois filhos sempre foram o plano de Anna Carey, e no início de 2020 ela estava se preparando para tentar engravidar. Sua filha tinha acabado de fazer 2 anos e ela e o marido viviam felizes, embora longe da família, em Toronto, no Canadá, onde Carey trabalhava em meio período numa empresa de marketing.

Claro, todos sabemos o que aconteceu a seguir.

Sem opções seguras de creches durante a pandemia, Carey foi forçada a deixar o emprego em agosto de 2020 para cuidar de sua filha. O que parecia quase certo alguns meses antes agora parecia impensável.
"Não podíamos imaginar passar por outra gravidez, parto e fase de recém-nascido com tão poucas opções de apoio", disse ela.

A autora Sarah Bascomb e sua filha Sally, 9, em casa em Lexington, na Virgínia (EUA) - 7.abril.2022 - Matt Eich/The New York Times

Durante algum tempo, ela ainda teve esperança de que a situação melhorasse antes de seu aniversário de 35 anos, em julho deste ano. Por razões de saúde genética ela e seu marido, Graham, sempre consideraram a idade um ponto limite.

A gota d'água, porém, foi ver, durante a pandemia, a clara falta de apoio estrutural para as famílias. Agora, disse Carey, ela se sente triste, mas resoluta em sua decisão. "A nova percepção de quão pouco a sociedade valoriza as crianças e os pais –especialmente as mães– de qualquer maneira além da retórica foi um grande empecilho."

Controle de natalidade eficaz

Certamente, muitas pessoas tiveram bebês durante a pandemia. Alec e Hilaria Baldwin, cujas preocupações com creches presumivelmente diferem das da maioria das pessoas, em breve terão três.

Mas para alguns da geração do milênio mais velhos que já tinham um ou mais filhos antes da pandemia, os riscos reais de ter um filho num dos piores momentos para isso na história recente provaram ser uma forma eficaz de controle da natalidade.

Arrastar-se pela vida pandêmica, com todos os seus contratempos e descarrilamentos imprevisíveis –para não mencionar os momentos de terror existencial–, teve uma sensação semelhante à vida pós-parto, mas sem o lado bom de um adorável bebê.

Adicionar um recém-nascido real à receita? Esqueça, dizem alguns, pelo menos por enquanto –e provavelmente para sempre. (Também vale a pena notar que há muito tempo existe uma lacuna entre o número de filhos que os americanos dizem querer e o número que acabam tendo.)

Há outro aspecto mais direto do controle de natalidade pandêmico: o declínio da fertilidade. Embora muitos aspectos da vida pareçam estar em suspenso há dois anos, o tempo continuou passando, uma consideração significativa para as pessoas que tiveram o final dos seus 30 anos escorrendo pelo ralo enquanto ganhavam novas habilidades duvidosas como Zoom e pães caseiros.

O que pode ter parecido uma possibilidade excitante para alguns aos 38 anos, parece, aos 40, mais um conjunto assustador de obstáculos fiscais e, para as mulheres, fisiológicos a ser superados.

Depois de anos de tratamento para fertilidade, Balcomb decidiu não ter outro filho após a primavera de 2020 - Matt Eich/The New York Times

Há também os divórcios pandêmicos. As porcentagens subiram em todo os EUA após o primeiro ano da pandemia (embora seja difícil dizer, é claro, se isso se relaciona à pandemia; o aumento pode ser resultado do fechamento dos tribunais). Para os pais de crianças pequenas que não saíram da pandemia com seus relacionamentos intactos, a perspectiva de ter mais filhos parece muito menos provável que antes.

Foi o caso de Tully Mills, 40, ex-chefe de cozinha e ilustrador que mora em Longmont, no Colorado, com sua filha de 2 anos e meio.

"A realidade de não ter um segundo filho se confirmou gradualmente após o primeiro ano de Covid", disse ele. "Tudo era tão incerto e o modo de sobrevivência estava entrando em ação." Ele e sua ex-parceira agora são pais felizes, mas ele não imagina ter mais filhos, mesmo com uma futura parceira.

A epidemia na sombra

Ainda existe uma sombra da epidemia no esgotamento dos pais que viveram em 2020 e 2021 com filhos que eram muito jovens até para se distrair com as telas. A perspectiva de ter mais bebês pode parecer especialmente desagradável para os pais que ainda se recuperam de assumir tarefas inesperadas sem reconhecimento ou apoio social.

A pandemia e a incerteza do futuro fez com que pais desistissem de ter mais filhos - Matt Eich/The New York Times

Durante meses na primavera e no início do verão de 2020, antes que os dados sobre a relativa segurança das atividades ao ar livre fossem disponibilizados, a maioria dos playgrounds na América do Norte foi fechada, juntamente com escolas e creches, exceto para os trabalhadores essenciais.

Nas áreas urbanas, as crianças podiam brincar em parques públicos e na calçada, mas na maioria das vezes ficaram presas em pequenos espaços com seus pais e irmãos durante meses. O impacto desse tempo sobre os pais de crianças pequenas ainda está se revelando.

Os demógrafos sabem há anos que a taxa de natalidade nos EUA está baixando, com causas que variam de extremamente óbvias –dívida estudantil, pobreza, mudança climática– a puramente especulativas.

É incontestável, porém, que a pandemia causou uma queda imediata nos nascimentos: em dezembro de 2020, cerca de nove meses após o início da Covid, os nascimentos diminuíram cerca de 8% –o maior declínio de qualquer mês naquele ano tão desafiador– em comparação com o mesmo mês do ano anterior.

Se a instabilidade e a catastrófica falta de creches que muitas famílias experimentaram desde então reduziram a fertilidade em geral não será quantificável por mais alguns anos.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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