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Falta de sono pode aumentar risco de Alzheimer, sugere revisão de estudos

Artigo resgata os últimos 20 anos de pesquisas sobre os efeitos neurológicos a longo prazo de dormir pouco

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Oliver Whang
The New York Times

Os credores do sono estão chegando – e fazem questão de que você saiba que não tem essa de perdão, não, apenas uma mudança nas expectativas de como e quando vai lhes pagar. Você pensa neles deitado na cama à noite. Quanto será que vão exigir? Será que tenho cacife? Adormece, e acaba acordando uma hora depois, suando frio. Adormece, aí acorda, entrando e saindo do estado consciente até a manhã seguinte.

Como a grande maioria dos seres humanos já descobriu, depois de duas ou três noites de sono ruim geralmente vêm a apatia, a dificuldade de concentração, a irritabilidade, as mudanças de humor e a sonolência.

Foto em preto e branco mostra mulher dormindo em cama com travesseiros e lençóis brancos
Estudo indica que é possível compensar sono perdido - Unsplash

Durante muito tempo, achou-se que esses efeitos, acompanhados de comprometimentos cognitivos como o desempenho ruim em testes de memória curta, podiam ser atribuídos principalmente a uma substância chamada adenosina, neurotransmissor que inibe os impulsos elétricos de chegar ao cérebro. De fato, observam-se picos frequentes desse elemento em ratos e humanos privados de sono.

Entretanto, esses níveis podem ser rapidamente corrigidos depois de algumas boas noites de descanso, o que fez surgir o consenso científico de que essa dívida de sono pode ser perdoada com duas ou três noites bem dormidas – como fica provado nas expressões casuais como "pôr o sono em dia".

Mas um artigo publicado recentemente na "Trends in Neurosciences" contraria esse conceito popular de que o sono é algo que pode ser compensado. A resenha, que descreve os últimos 20 anos de pesquisa sobre os efeitos neurológicos em longo prazo da falta de sono em animais e humanos, aponta para o número cada vez maior de provas de que dormir pouco pode levar a danos cerebrais permanentes e ao aumento no risco de doenças degenerativas como o mal de Alzheimer.

"É um material importantíssimo para definir o que tem de ser feito em relação à saúde e à ciência do sono", afirmou Mary Ellen Wells, especialista da Universidade da Carolina do Norte que não contribuiu para a matéria. ​

Há tempos se sabe que períodos intensos de falta de sono são ruins para a saúde. Durante séculos, a insônia forçada foi usada como punição e tortura. No primeiro estudo experimental sobre privação, publicado em 1894 pela cientista russa Maria Manasseina, os filhotes de cachorro forçados a se manter acordados com estímulo constante morreram depois de cinco dias.

Examinando os corpos depois, Manasseina observou que "o cérebro era o local predileto das mudanças mais graves e irreversíveis, com hemorragia dos vasos sanguíneos e a degeneração das membranas gordurosas. A ausência total de sono é mais letal para os animais do que a ausência total de alimento", concluiu ela.

Mas há muitas formas de não conseguir dormir direito: você pode ficar sem pregar o olho durante um longo período, no que os cientistas chamam de "privação de sono aguda" (em 1963, um estudante conseguiu permanecer acordado durante 264 horas).

Pode dormir pouco com frequência, que é a versão crônica. Pode ainda se deitar e continuar acordado, com a mente trabalhando sem parar, ou relaxar, vendo TV a madrugada inteira. Estudos como o de Manasseina eram considerados extremos a tal ponto que eram irrelevantes para os humanos.

"As pesquisas prosseguiram, mas de forma descontinuada. Como é que dá para manter um animal ou humano acordado até morrer?", expôs Fabian Fernandez, neurocientista da Universidade do Arizona, que não contribuiu para a nova resenha.

Nos últimos 20 anos, porém, a pesquisa animal sobre o tema se tornou mais sofisticada, precisa e passível de aplicação ao ser humano, de acordo com Sigrid Veasey, neurocientista da Universidade da Pensilvânia, e Zachary Zamore, pesquisador do laboratório de Veasey, autores da nova resenha.

Depois de analisar estudos anteriores com ratos, muitos dos quais conduzidos pela própria Veasey, os pesquisadores descobriram que, quando os animais eram mantidos acordados por apenas algumas horas a mais do que o normal por dia, duas partes principais do cérebro eram mais afetadas: o cerúleo, que administra as sensações de alerta e estímulo, e o hipocampo, que tem um papel importante na formação das lembranças e no aprendizado.

Essas regiões, que nos humanos são essenciais para a preservação da experiência de consciência, nos animais reduziram a produção de antioxidantes, que protegem os neurônios das moléculas instáveis produzidas constantemente, como fumaça de escape, pelas células funcionais. Com os índices baixos, essas moléculas podem se acumular e atacar o cérebro internamente, decompondo proteínas, gorduras e o DNA.

"Mesmo em circunstâncias normais, o estar desperto incorre em penalidades para o cérebro; mas quando esse período se estende demais, sobrecarrega o sistema. A certa altura, porém, não há o que fazer. Se você pedir às suas células que se mantenham ativas 30% a mais do que o normal todo dia, elas vão acabar morrendo", disse Fernandez.

No cérebro dos ratos, a privação de sono levou à morte dos neurônios dias depois da restrição – ou seja, um limite muito mais baixo para o dano cerebral do que se imaginara a princípio. Além disso, também causou inflamação no córtex pré-frontal e aumentou os níveis de proteínas tau e beta-amiloide, ligadas às doenças degenerativas como o mal de Alzheimer e o de Parkinson no cerúleo e no hipocampo.

Depois de um ano inteiro de sono regular, entretanto, os mesmos ratos ainda apresentavam danos neurais e inflamação cerebral – o que para Veasey e Zamore sugere que os efeitos sejam de longa duração, quiçá permanentes.

Apesar disso, muitos cientistas garantem que a nova pesquisa não deve ser motivo de pânico. "É possível que a privação de sono danifique o cérebro dos ratos, mas isso não significa que as pessoas devam se estressar por não dormir o suficiente", disse Jerome Siegel, cientista do sono da Universidade da Califórnia em Los Angeles que não contribuiu para a resenha.

Atualmente, não há um meio ético de medir o grau e o tipo de dano celular causado pela privação de sono no cerúleo e no hipocampo de seres humanos vivos. O que há são estudos longitudinais publicados ao longo dos últimos 15 anos que se baseiam em mudanças comportamentais e dados de sono autorrelatados para relacionar a falta de qualidade do sono com demência, depressão, problemas de metabolismo, doenças cardiovasculares, reação imunológica insuficiente e até médias escolares mais baixas. São de confirmação difícil, mas, em conjunto com as conclusões dos modelos com animais, podem dar uma ideia de que há algum tipo de relação em longo prazo entre a falta de sono e os prejuízos físicos e cognitivos.

"A privação de sono pode lesionar o cérebro, e, se também acontece com os ratos e já foi provado que ocorre com outras espécies, é mais que provável que valha para os humanos também. O que obviamente leva à pergunta: em que ponto ela começa a causar prejuízos? Analisando toda essa literatura dos casos crônicos por volta de uma semana de sono ruim, realmente ela sugere que há algum tipo de lesão", concluiu Veasey.

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