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Alzheimer tem avanços no diagnóstico, mas cura ainda é vista como utópica

Não há indicativos de que as áreas cerebrais destruídas pela doença sejam capazes de se regenerar

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São Paulo

Mais de 140 estudos clínicos sobre a doença de Alzheimer estão em andamento hoje no mundo e mais 200 já foram finalizados, segundo a plataforma internacional Clinical Trials. A cura, porém, ainda é vista como algo muito distante, quase utópico.

Segundo especialistas do tema, o mais razoável é esperar um diagnóstico cada vez mais precoce, além de um melhor controle da doença neurodegenerativa por meio de medicamentos mais efetivos ou uma combinação de terapias.

Imagens de ressonância magnética do cérebro - Nomad_Soul / adobe stock

Dados da Associação Internacional de Alzheimer apontam que a doença representa a sétima causa de mortalidade no mundo e uma das mais longas e de alto custo. A estimativa é que apenas 25% dos casos de demência sejam diagnosticados. Em países de baixo desenvolvimento, são menos de 10%.

Há uma busca por métodos simplificados capazes de identificar mais cedo os marcadores da enfermidade no cérebro: as placas de proteínas beta-amiloide e tau.

O acúmulo dessas proteínas no tecido cerebral, que começa de dez a 15 anos antes da manifestação dos sintomas da doença, leva à atrofia de determinadas áreas do órgão. Com o diagnóstico precoce, seria possível adotar medidas preventivas e tratamentos que retardem o desenvolvimento da demência.

A identificação dessas proteínas tem sido feita nos últimos anos por meio de dosagens do líquor (líquido da espinha), mas recentemente surgiram dois novos aliados menos invasivos: o PET amiloide, uma tomografia que mede o volume de placas beta-amiloide no cérebro, e um exame de sangue que usa uma técnica (espectometria de massas) que busca detectar dois tipos da proteína beta-amiloide.

Tais exames só estão disponíveis na rede privada, e a indicação ainda é vista com cautela pelos neurologistas que estão na linha de frente do cuidado do paciente com Alzheimer.

"Conversar com o paciente, aplicar testes [cognitivos], afastar a hipótese de alguma outra alteração cerebral com tomografia ou ressonância magnética continuam sendo a forma mais efetiva de fazer o diagnóstico de Alzheimer. A grande maioria não vai precisar desses biomarcadores", diz o neurologista Ivan Hideyo Okamoto, do Hospital Albert Einstein.

O neurologista Rodrigo Schultz, presidente da Associação Brasileira de Alzheimer, tem opinião parecida. "São instrumentos ainda não muito potentes para o diagnóstico. Ainda é muito mais significativa a impressão do profissional que sabe ouvir bem o paciente e perguntar direito", diz.

Schultz afirma que há relatos de casos de colegas que pedem exame do líquor, por exemplo, mas, ao se basearem apenas nos resultados, diagnosticam o Alzheimer em situações em que não há a doença. Também ocorre o contrário: o exame vem sem alterações, mas a pessoa tem Alzheimer.

O neurologista Felipe Chaves Barros, do Hospital Sírio-Libanês, também defende que o olhar clínico continua soberano, mas diz que esses exames podem ter mais relevância em casos muito iniciais ou atípicos de Alzheimer, quando há dúvidas sobre o diagnóstico.

Para ele, é muito importante o desenvolvimento de ferramentas que possibilitem um diagnóstico precoce. "Isso é essencial para a pessoa reforçar as atividades físicas, iniciar uma reabilitação cognitiva assim que possível, quando ainda é um comprometimento leve, para manter a autonomia o maior tempo possível sem dependência."

Há promessas de outras formas de diagnóstico usando inteligência artificial. O Japão, por exemplo, testa se é possível avaliar pacientes com suspeita de Alzheimer por meio da fala, ou seja, usando fatores como a velocidade e o conteúdo dos diálogos entre pessoas em conversas telefônicas.

Há uma corrida também por tratamentos mais efetivos para o controle da doença. A cura do Alzheimer, segundo os especialistas, virou quase uma utopia uma vez que não há indicativos de que as áreas cerebrais destruídas pela doença sejam capazes de se regenerar.

O primeiro remédio como uma terapia para o Alzheimer, o aducanumab, foi aprovado em 2021 nos Estados Unidos, mas os resultados dos estudos clínicos foram frustrantes. No Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não deu aval para o produto.

Ainda que o medicamento destrua as placas de beta-amiloide, até agora houve pouco efeito na melhora da condição de pessoas com a doença. "A própria comunidade que trata a doença de Alzheimer está um pouco cética em relação à eficácia do tratamento. Hoje ele só indicado para estágios muito iniciais", diz Felipe Barros.

A Biogen, farmacêutica que desenvolveu o aducanumab, comprometeu-se a apresentar um novo estudo clínico com a droga. Há outros ensaios clínicos em desenvolvimento também mirando as placas de beta-amiloide, mas agora testando pacientes em estágios iniciais da doença ou até em assintomáticos.

Também existem outros alvos terapêuticos sendo estudados, por exemplo, a proteína tau e os oligômeros, que são estruturas menores que se ligam às sinapses e promovem alterações bioquímicas que fazem com que a comunicação entre os neurônios pare de funcionar.

Há ainda outras linhas de pesquisa em fases iniciais investigando processos de neuroinflamação que levam à degeneração dos neurônios. O papel do estresse oxidativo também tem sido estudado.

"A partir de agora será uma cascata, um estudo atrás do outro. Essas opções já existiam antes, mas ganharam mais corpo após o desfecho do aducanumab. Em quatro anos, é possível que o cenário já tenha mudado bastante. Teremos mais respostas", afirma Rodrigo Schultz.

Para os especialistas, é bem provável que, no futuro, o Alzheimer seja tratado com terapias combinadas, que cerquem várias das questões envolvidas da fisiopatologia da doença, a exemplo do que ocorre no tratamento da tuberculose ou nas terapias antiretrovirais contra o HIV.

No momento, porém, a doença é majoritariamente tratada com remédios antigos, aprovados há quase 20 anos, que freiam a velocidade, mas não impedem o seu avanço.

"Além disso, todo um cuidado multiprofissional, com fisioterapeuta, neuropsicólogo, fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional, acaba sendo mais importantes do que a medicação para cuidar desse paciente", diz Felipe Barros.

Para Rodrigo Schultz, a boa notícia é que o conceito de comprometimento cognitivo leve, de uma fase que antecede a demência, está mais difundido na sociedade. "As pessoas estão mais atentas, nos procuram com uma queixa [de déficit de memória ou de linguagem, por exemplo], mesmo estando funcional, fazendo o que sempre fez."

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