As cinco linguagens do amor ainda ajudam casais 30 anos após sua criação

Livro escrito por Gary Chapman foi lançado em outubro de 1992 e mostra como as pessoas dão e recebem afeto

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Alisha Haridasani Gupta
The New York Times

Nem sempre foi assim. Houve uma época em que as palavras "amor" e "linguagem" raramente eram usadas juntas, e certamente não como uma locução. Então, três décadas atrás, Gary Chapman, pastor batista de 50 anos com doutorado em educação de adultos, introduziu o conceito ao mundo com seu livro seminal "As Cinco Linguagens do Amor: O Segredo do Amor Duradouro".

Chapman explicou que as pessoas têm diferentes maneiras de expressar e entender o amor. Para fazer sua cara-metade sentir-se amada, é preciso simplesmente falar a linguagem dela. Como observa a introdução do livro:

"Sua linguagem emocional do amor e a linguagem de seu cônjuge podem diferir tanto quanto o chinês do inglês. Por mais que você se esforce para expressar amor em inglês, se seu xx só entende chinês, vocês dois nunca vão entender como amam se amam."

Ilustração
As cinco linguagens do amor pretendem mostrar como as pessoas dão e recebem afeto - Luis Mazon/The New York Times

Chapman baseou as cinco linguagens do amor nas evidências empíricas que descobriu enquanto trabalhava como conselheiro matrimonial por mais de 20 anos em sua igreja.

As linguagens são as palavras de afirmação (elogios verbais), tempo de qualidade (fazer alguma coisa juntos e ficar atento naquele momento), receber presentes (qualquer coisa, desde um buquê de flores até presentes mais significativos), prestar serviço (ajudar seu companheiro com tarefas ou preparar uma refeição) e toque físico (ficar de mãos dadas, fazer sexo e gestos de carinho).

Nos anos passados desde que o livro foi publicado, o termo "linguagem do amor" passou a ser usado tão livremente que se desligou de seu criador. Converteu-se num fenômeno cultural e foi introduzido como um indicativo de qualquer coisa que dá alegria a uma pessoa.

"Por mais que eu soubesse sobre as linguagens do amor, eu não conhecia a pessoa por trás delas", comentou a humorista Kasey Borger, que, com seu noivo, James Folta, coescreveu uma lista satírica de novas linguagens do amor para o site de humor McSweeney’s (exemplo: "falar de como foi o trajeto até seu trabalho"). "Nem sequer sabia o nome dela."

A explosão cultural foi inesperada para Chapman, que está com 80 anos hoje. "Estou tão surpreso quanto você", ele disse em entrevista recente. Mas, apesar do entusiasmo todo, ele não crê que alguém tenha descoberto uma sexta linguagem do amor.

Para ele, todos os memes soam como "dialetos", ou versões, das cinco linguagens originais. "Já vi algumas das ideias propostas: sabe como, ‘a sexta linguagem do amor são tacos’, e um sujeito falou ‘a sexta linguagem do amor é chocolate’. Bom, se a pessoa comprou, é um presente. Se ela fez, é um ato de serviço. Não sou dogmático, mas acho que a maioria das maneiras de expressar amor se enquadra em uma dessas cinco opções."

"Como você sabia disso a meu respeito?"

Um ano depois de formar-se no Wheaton College, em 1960, Chapman se casou com Karolyn, que cresceu em China Grove, Carolina do Norte, como ele, e frequentava a mesma igreja. Quando eles se conheceram, Chapman estava saindo com a melhor amiga dela.

Em 1967 o casal se mudou para Winston-Salem, Carolina do Norte, onde ele tornou-se pastor e começou a dar aulas de educação adulta cobrindo conselhos práticos sobre temas como planejamento financeiro. Nesses cursos, ele falava do casamento e da família, e muitos casais que estavam passando por dificuldades vinham lhe pedir conselhos, ele contou.

"Fui meio que empurrado para dar aconselhamento", ele disse. "Isso nem sequer constava dos meus deveres quando me tornei pastor."

Chapman contou que, ao mesmo tempo em que em sua vida profissional ele ajudava outros casais, seu próprio casamento passava por momentos difíceis. Ele e Karolyn discutiam furiosamente sobre coisas sem importância. Karolyn, por exemplo, nunca fechava as gavetas e as portas de armários, e isso o irritava. E ela esperava que ele fizesse sua justa parcela das tarefas domésticas, coisa que Chapman não fazia. "Não sabíamos nada sobre resolução de conflitos", ele disse.

"Eu dizia a Karolyn que ela estava bonita, que eu apreciava tudo que ela fazia. Repetia o tempo todo ‘te amo, te amo, te amo’", ele contou. "Mas uma noite ela me disse: ‘Você não para de dizer que me ama, mas se me ama mesmo, por que não me ajuda?’".

Aquele foi o momento "eureca": Chapman percebeu que aquilo que ele apreciava num relacionamento era receber elogios (ou palavras de afirmação), coisa que ele contou que recebera de seus pais quando era criança. Isso não tinha a mesma importância para sua esposa: ela valorizava atos de serviço.

"Muito do que escrevi e do aconselhamento que dou foi moldado por nossa experiência de vida", ele disse.

Chapman notou que os casais que buscavam sua ajuda na igreja pareciam ter o mesmo problema: não sabiam como expressar amor de uma maneira que a outra pessoa apreciasse. Em um dos exemplos que ele incluiu no livro, uma mulher chegou à sala de atendimento dele frustrada porque seu marido vivia adiando o momento de pintar as paredes do quarto deles.

Ele, então, sugeriu: "Da próxima vez que seu marido fizer qualquer coisa boa, faça-lhe um elogio verbal. Se ele levar o lixo para fora, por exemplo, diga ‘Dan, quero que você saiba que eu realmente aprecio você levar o lixo para fora.’" Três semanas depois a mulher voltou para dizer a Chapman que o plano funcionara. A linguagem de amor de seu marido era a das palavras gentis e afirmações positivas.

O pastor batista foi juntando suas anotações feitas ao longo do tempo e procurando padrões que se repetissem. Descobriu que as coisas que a maioria das pessoas dizia querer de seus parceiros se enquadravam nas cinco categorias amplas sobre as quais ele escreveria em seu livro. E em outubro de 1992 nasceu "As Cinco Linguagens do Amor".

O livro teve pouca repercussão naquele primeiro ano, vendendo apenas cerca de 8.400 exemplares. Mas pouco a pouco, cada vez mais pessoas começaram a comprá-lo. "Meu editor me disse que o livro vende mais cópias a cada ano que passa", comentou Chapman. De acordo com a editora, Moody Publishers, o livro já vendeu mais de 20 milhões de cópias (incluindo versões impressas, eletrônicas e em áudio).

Hoje existem meia dúzia de versões voltadas a públicos diversos, incluindo "As Cinco Linguagens do Amor para Homens", "As Cinco Linguagens do Amor das Crianças", "The 5 Love Languages Military Edition" (As cinco linguagens do amor – Edição Militar, em português) e até "The 5 Languages of Appreciation in the Workplace" (As cinco linguaguens de reconhecimento no ambiente de trabalho, em português).

Chapman apresenta um podcast semanal de uma hora de duração e também "Marriage Conferences", seminários de um dia promovidos em igrejas espalhadas pelos Estados Unidos com a finalidade de ajudar casais a entenderem os elementos básicos das linguagens do amor. Cerca de mil pessoas assistiram à sua conferência mais recente, que aconteceu em Winston-Salem em abril deste ano.

Ele criou um quiz simples de múltipla escolha para ajudar as pessoas a entenderem sua própria linguagem do amor e a dos seus parceiros. Oprah Winfrey respondeu ao quiz ao vivo quando ele compareceu ao "Oprah’s Lifeclass" em 2013. Questionada se ela apreciaria se seu parceiro a ajudasse a faxinar a casa, Oprah Winfrey parou para pensar. E então disse a Chapman, que estava sentado ao seu lado e achou graça da resposta: "Acho que faxinar a casa é o número um, dois e três das preliminares".

Após mais algumas perguntas, a linguagem de amor de Winfrey foi revelada: palavras de afirmação. "Palavras gentis, de incentivo e positivas são realmente dádivas de vida. Isso é tão verdadeiro. Como você sabia disso a meu respeito?", ela perguntou a Chapman, aparentemente ecoando o que muitos casais já pensaram quando fizeram o quiz eles próprios.

Armando os casais com palavras

Entre outros terapeutas conjugais destacados, as opiniões sobre o trabalho de Chapman se dividem. Julie Gottman, psicóloga clínica e co-fundadora do Instituto Gottman, de Seattle, disse que o livro de Chapman "pressupõe que as pessoas não sejam capazes de aprender maneiras diferentes de expressar o amor".

"As categorias são superficiais e rígidas", ela disse. "As pessoas são muito mais flexíveis do que ‘As Cinco Linguagens do Amor’ supõe que sejam."

Gottman usou o toque físico como exemplo. Se uma pessoa se sente incomodada com a intimidade, ela disse que seria importante entender por que isso deixa a pessoa incomodada.

"Talvez ela tenha sido muito pouco tocada fisicamente na primeira infância ou talvez tenha sido tocada demais", ela disse. "Talvez tenha sofrido abuso físico ou sexual."

Contudo, ela disse, existem maneiras de introduzir alguém ao contato físico que ela sinta como sendo seguras, afetuosas e calorosas. O toque físico pode não ter sido a linguagem do amor daquela pessoa, mas pode se tornar sua linguagem. As pessoas podem evoluir em termos de como expressam e recebem amor. As cinco linguagens não são imutáveis.

Outra crítica feita ao trabalho de Chapman é que ele é inteiramente baseado na observação de casais que o procuraram para buscar ajuda. Até agora há poucas evidências científicas que fundamentem seu trabalho. E sua formação acadêmica e seu doutorado são em antropologia e educação de adultos, não psicologia. "É isso que me irrita", disse Gottman.

Para Orna Guralnik, a psicóloga principal da série "Couples Therapy", a falta de evidências científicas não é um fator decisivo. "É o que chamamos de validade concreta: se não fosse útil para as pessoas, se não refletisse alguma coisa que tem importância, já teria desaparecido", ela disse.

Muitos dos casais que procuram Guralnik para fazer terapia já leram o livro de Chapman ou têm um conhecimento superficial da teoria dele, ela contou. Mas, para ela, as linguagens do amor são um MacGuffin: um artifício, geralmente um objeto pouco importante ou aparentemente aleatório, usado na ficção para fazer a trama avançar.

As cinco categorias não são tão importantes quanto aquilo que a teoria como um todo comunica às pessoas: que "o modo como elas próprias apreendem uma coisa não é o modo como seu parceiro processa as coisas".

Embora a literatura especializada não seja robusta, alguns pesquisadores estão começando a analisar os livros de Chapman e publicar seus estudos em veículos revistos por pares.

Um estudo publicado em 2006 concluiu que o conceito de cinco linguagens do amor não é simples de ser confirmado se as linguagens forem desligadas umas das outras. O estudo sugeriu, em vez disso, que é mais provável que os indivíduos empreguem todas as cinco linguagens em níveis diversos, e não apenas uma ou outra delas.

Em outro estudo publicado este ano, pesquisadores da Universidade de Varsóvia, na Polônia, recrutaram cem casais com idades entre 17 e 58 anos que estavam juntos havia no mínimo seis meses e pediram que fizessem um ranking de suas preferências entre as cinco linguagens (e não apenas identificassem uma das linguagens como sua favorita) e sua satisfação com o relacionamento.

Os pesquisadores descobriram que os casais que pareciam falar as linguagens do amor um do outro –ou seja, pessoas que preferiam expressar amor de maneira que seus parceiros preferiam receber—relataram sentir satisfação maior no relacionamento.

Também constataram que não apenas as pessoas querem que seus parceiros se comuniquem com elas em suas próprias linguagens do amor, mas também que, quando você fala a linguagem do amor de seu parceiro, isso "faz você sentir mais felicidade no relacionamento", segundo Maciej Stolarski, uma das autoras do artigo.

Em agosto passado os Chapman comemoraram 60 anos de casados. Foram jantar no mesmo restaurante em Winston-Salem onde vão todos os anos –uma churrascaria sofisticada, onde geralmente pedem seus pratos favoritos.

Eles levaram apenas dois anos, contou Chapman, para descobrir como superar seus problemas conjugais iniciais. Hoje, embora Karolyn ainda costume deixar as gavetas abertas, ela é a editora extraoficial de Chapman – revisa e corrige seus manuscritos antes de ele os enviar para publicação. E ela o ajuda a manter os pés no chão.

"Digo às pessoas: ‘Não lhe falem que ele é famoso’", explicou.

E Chapman aprendeu a fazer mais tarefas da casa, incluindo arrumar a cozinha após o jantar, contou sua esposa. "Ele é ótimo nisso. Hoje em dia eu simplesmente deixo por conta dele."

Tradução de Clara Allain

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