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Vinho natural não causa menos danos à saúde; ressaca também é a mesma

Entusiastas dizem que há benefícios para o intestino, mas especialistas discordam

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Jesse Hirsch
The New York Times

O vinho natural é uma das categorias de bebidas mais procuradas hoje nos Estados Unidos, e as alegações de saúde são igualmente inebriantes: beba vinho natural, dizem os defensores, e suas dores de cabeça e ressacas serão menores; você não se sentirá tão desidratado; sua saúde intestinal vai melhorar.

"Há uma percepção geral de que quando você bebe algo mais limpo está bebendo algo mais saudável", disse Anita Oberholster, especialista em uva e vinho da Universidade da Califórnia em Davis. Mas "não há provas claras disso", disse ela.

Então, o vinho natural é realmente melhor que suas contrapartes convencionais, ou isso é apenas um pouco de marketing inteligente? Analisamos algumas das alegações de saúde mais comuns do vinho natural e perguntamos a especialistas se eles tinham alguma ciência em seu favor.

Não pesquisas que comprovem que vinhos naturais causem menos danos à saúde - Gabriel Cabral/Folhapress

O que é o vinho natural?

Antes de avaliar as alegações de saúde do vinho natural, é importante concordar sobre o que estamos falando.

Ao contrário dos produtos com o selo orgânico de certificação, que devem cumprir um conjunto claro e regulamentado de exigências federais, o vinho natural é, na melhor das hipóteses, o resultado de um conjunto de princípios de produção voluntária e bem-intencionados. Use uvas cultivadas organicamente; não adicione nada (por exemplo, fermento) ou modifique algo (como níveis de acidez) durante o processo de fermentação; não filtre o produto final (de modo a reter seus sabores e micróbios naturais); e adicione pouco ou nenhum sulfito (substâncias produzidas naturalmente durante o processo de fermentação ou adicionadas para preservar o frescor ou minimizar a oxidação).

Na pior das hipóteses, o "vinho natural" é um slogan de marketing, capitalizando uma tendência cultural extremamente popular.

"Não é como se o termo fosse regulamentado. Então, se uma empresa lhe diz que está vendendo vinho natural, é impossível saber o que está realmente dizendo", afirmou Oberholster.

Alegação 1: menos pesticidas

Um argumento recorrente é que os vinhos convencionais podem estar carregados de pesticidas tóxicos, enquanto os vinhos naturais –cultivados com práticas de viticultura orgânica– não.

Evidência: de acordo com Oberholster, todo vinho vendido nos EUA –seja convencional ou não– só pode conter quantidades infinitesimais de resíduos de pesticidas. Qualquer coisa maior que isso, segundo os reguladores, representaria riscos para a saúde humana.

"Os níveis de pesticidas permitidos no vinho são quase indetectáveis", disse ela. "Você não seria capaz de notá-los sem instrumentos muito avançados. Os níveis estão muito abaixo de qualquer coisa que possa afetar a saúde humana."

É claro que não há evidências hoje de que exposições tão pequenas a pesticidas possam afetar a saúde. Mas talvez possamos aprender mais tarde o efeito de exposições cumulativas ao longo do tempo. "A pesquisa evolui", disse Oberholster, "e o que sabemos ser verdade hoje pode não ser para sempre."

Alegação 2: ressaca mais fraca

Há uma sensação entre os aficionados de que o vinho natural é menos agressivo ou prejudicial à nossa constituição geral –algo "suave no sistema", como disse Simon Woolf, jornalista e especialista em vinhos, numa entrevista em 2020 ao Wine Scholar Guild.

Alice Feiring, famosa escritora sobre vinhos que vive em Nova York, disse: "Não quero soar como outros fanáticos sobre isso, mas o vinho natural realmente dá uma sensação melhor no seu corpo". Mas ela teve o cuidado de observar que essa não era uma afirmação comprovada cientificamente.

Como o vinho natural tende a ter um nível de álcool por volume menor que o dos vinhos convencionais, alguns dizem que é mais fácil processar no dia seguinte.

Evidência: Andrew Waterhouse, professor emérito e diretor do Instituto de Ciência de Alimentos e Vinhos Robert Mondavi da Universidade da Califórnia em Davis, disse que o vinho natural não vai aliviar sua manhã seguinte.

"Não há absolutamente nenhuma prova de que a ressaca do vinho natural será menos severa", disse ele. Feiring concordou, observando que ela bebe "quase exclusivamente vinho natural, e já tive mais que a minha cota de ressacas".

"Não há nenhum truque de mágica para evitá-las", ela continuou. Feiring acrescentou que, embora alguns vinhos naturais tenham teor alcoólico mais baixo, isso não é uma regra –e alguns vinhos naturais têm gradação alcoólica muito alta. "Basta ir à sua loja de vinhos e olhar os rótulos se quiser esclarecer esse mito comum", disse ela.

Alegação 3: menos sulfitos

Outra alegação prevalente é que tanto os sulfitos adicionados quanto os naturais em vinhos convencionais são prejudiciais à saúde humana. É verdade que, em excesso, a exposição ao sulfito pode causar uma série de problemas, incluindo dores de cabeça leves, desidratação e desconforto respiratório grave.

Na década de 1980, foi amplamente divulgado que os altos níveis de sulfitos pulverizados em vegetais para evitar que murchassem ou escurecessem estavam deixando muita gente doente.

O vinho convencional tem permissão legal para conter 350 partes por milhão de sulfitos, enquanto o vinho natural geralmente limita os níveis de sulfito em 100 partes por milhão –mas eles normalmente contêm muito menos que isso.

A evidência: Amarat Simonne, que também atende por Amy, é professora de segurança alimentar na Universidade da Flórida e pesquisou os efeitos dos sulfitos na saúde humana. Ela disse que, a menos que você esteja entre os 2% a 3% das pessoas que sofrem de intolerância ao sulfito, a exposição aos níveis de sulfito legalmente permitidos em alimentos e bebidas não afetará negativamente sua saúde.

"Mas nunca se sabe", acrescentou ela. "A tolerância das pessoas aos sulfitos pode variar ao longo do tempo."

Aquelas com verdadeira intolerância ao sulfito, especialmente se tiverem asma, podem enfrentar complicações respiratórias devido à exposição aos produtos químicos do vinho convencional. Mais provavelmente, os intolerantes ao sulfito podem ficar muito desidratados e com dor de cabeça depois de beber vinho não natural –sintomas que combinam com uma ressaca tradicional.

Mas a avaliação de Waterhouse foi mais contundente: "Não tenho conhecimento de nenhum dado indicando que o vinho com sulfitos adicionados tenha resultados negativos para a saúde da maioria das pessoas".

Alegação 4: melhor saúde do intestino

Finalmente, alguns entusiastas afirmam que, como o vinho natural é rico em boas bactérias, que não são filtradas ou minimizadas durante o processo de vinificação, o vinho natural pode melhorar a saúde intestinal.

Evidência: Vários estudos limitados têm indicado cautelosamente que o vinho tinto pode ter benefícios digestivos, mas há necessidade de mais pesquisas. E nenhum desses estudos mostrou diferenças entre vinhos naturais e convencionais –nem deveria, disse David Mills, biólogo molecular e professor emérito nos departamentos de Ciência e Tecnologia de Alimentos e Viticultura e Enologia da Universidade da Califórnia em Davis.

"Não haveria qualquer diferença significativa no conteúdo microbiano se o vinho fosse o chamado natural ou não", disse Mills, que estava cético quanto aos benefícios significativos para a saúde intestinal de beber qualquer tipo de vinho.

"O álcool vai matar a maioria das bactérias benéficas, de qualquer maneira, então não é como se o vinho fosse chegar perto do nível de kimchi ou iogurte."

Conclusão

Não importa como o vinho é produzido –ou qualquer bebida alcoólica, aliás–, pode causar danos significativos.

Os estudos que sugeriram que o consumo moderado de vinho pode ter alguns benefícios, como melhor saúde do coração ou colesterol reduzido, foram inconclusivos na melhor das hipóteses. E os riscos de saúde –câncer, pressão alta, doença cardíaca, acidente vascular cerebral, doença hepática e demência, para citar alguns– são numerosos e bem documentados.

Além disso, disse Mills, simplesmente não há um corpo robusto de pesquisa sobre vinho natural.

Se você gosta do sabor do vinho natural, ou deseja apoiar a agricultura sustentável, vá em frente e beba-o. Mas saiba que talvez não seja a melhor opção para a saúde que você imaginava.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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