Descrição de chapéu
Corpo

Não me sinto bem com meu corpo, mas cansei da violência das dietas

Sonho com um futuro no qual mais mulheres vistam seus tamanhos e não apenas os números das etiquetas

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Triscila Oliveira

É ciberativista, criadora de conteúdo, roteirista e co-autora das webséries em quadrinhos Os Santos e Confinada

Uma pessoa que ganha peso durante um período de adoecimento psíquico tem todo direito de se livrar destas lembranças físicas, assim como alguém que supera transtornos alimentares, uso de drogas ou outros vícios.

Falar sobre amor próprio numa sociedade que fomenta o nosso auto ódio para lucrar é um ato revolucionário. Principalmente quando esse amor é feminino e negro.

Aos 23 anos fui diagnosticada com depressão e, com muitas dificuldades financeiras, iniciei meu tratamento. Minha família – como a maioria, infelizmente – zombava da minha doença e isso piorava tudo.

Triscila Oliveira
A criadora de conteúdo e roteirista Triscila Oliveira - Arquivo pessoal

No mesmo ano, conheci um moço e na época tudo clicou. Ele me tratava com carinho e respeito e nos primeiros anos de relacionamento se tornou meu alento. Nos anos seguintes, porém, foi uma escalada violência – um dos motivos que causou meu aumento de peso.

Nunca fui magra. Tenho o quadril largo e vestia 42 ou 44. Entre trocas de ansiolíticos, anticoncepcionais e durante esse relacionamento abusivo, cheguei ao tamanho 48. Apesar de ser um número grande, nunca tive dificuldades de encontrá-lo em lojas, enfatizando que sempre sofri pressão estética, e não gordofobia.

Olho para trás e não sei de onde tirei forças para terminar aquele namoro, de tão machucada que eu estava.

Continuei tratando minha depressão até que o desemprego me forçou a um desmame forçado dos ansiolíticos, o que me jogou nas ideações suicidas em 2015. Naquele ano criei a página no Instagram @afemme1 com o objetivo de desabafar minhas vivências e quiçá ajudar mais mulheres. Ali eu descobri que eu não estava sozinha.

Mesmo sem qualquer monetização continuei estudando e criando conteúdo. Amizades que fiz ali me ajudaram a enfrentar necessidades, até que no final de 2018 consegui um trabalho e comecei a fazer terapia.

Durante o tratamento cicatrizei feridas recentes, antigas, me blindei e aprendi a como lidar com o carrossel emocional da vida, além de enfrentar os obstáculos que ela sempre impõe. Uma de minhas maiores vitórias foi superar a depressão no final de 2019.

Percebo nos últimos anos um levante incrível do debate sobre gordofobia, pressão estética e o movimento de positividade corporal nas redes sociais. Este movimento aborda a indústria da beleza e o quanto ela fomenta os transtornos de imagem e alimentar.

Existem coisas que jamais deveriam ser romantizadas quando a ideia de ressignificação é pregada: dores e traumas, por exemplo, devem ser tratados e curados, e não enfeitados com discursos de empoderamento.

É preciso compreender que o contrário de não amar seu corpo não é odiá-lo. Certas frases prontas viraram slogans de positividade tóxica, o que causa o efeito contrário do que se propõe e machucam quem busca paz com o formato de corpo que tem no momento.

O meu processo de cura foi longo e demorado unicamente porque sou pobre. No início de 2020, me matriculei numa academia, mas logo veio a pandemia. Ela me levou a fazer treinos em casa, ainda que leves. Todos os dias eu faço exercícios.

No meu perfil no Instagram postei um vídeo curto sobre esse processo e como hoje, em 2022, cuido da gordura localizada, uma parte estética que não consegui mudar apenas com alimentação e atividade física.

Eu sonho com um futuro no qual cada vez mais mulheres vistam seus tamanhos e não apenas os números das etiquetas das roupas. Que parem de violentar seus corpos ao os apertarem em tamanhos menores, fazendo dietas milagrosas ou tomando medicamentos perigosos. Estes são os primeiros passos para a construção da verdadeira autoestima, a que nasce de dentro para fora.

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