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Patti Davis

Bruce Willis, meu pai Ronald Reagan e a demência

Parentes do ator tomaram a difícil decisão de compartilhar com o público o diagnóstico dele

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Patti Davis

Filha do presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan, é autora de "Floating in the Deep End: How Caregivers Can See Beyond Alzheimer’s" (Flutuando no fundo do poço: como cuidadores podem ver além do Alzheimer, em português)

The New York Times

A carta da família de Bruce Willis trazia sete nomes –Emma, Demi, Rumer, Scout, Tallulah, Mabel e Evelyn— e uma foto do ator sorridente na praia. Teria quase sido possível a confundir com uma daquelas circulares que algumas famílias mandam na época das festas de fim de ano, não fosse por um detalhe: apareceu na quinta-feira (16) no site da Association for Frontotemporal Degeneration, entidade dedicada à demência frontotemporal, condição com a qual Bruce Willis foi diagnosticado.

A família dele disse que Willis quereria aproveitar sua visibilidade para chamar a atenção para outras pessoas que sofrem da doença.

"Bruce sempre encontrou alegria na vida e ajudou todos que conhece a fazer o mesmo", escreveu a família. "A compaixão, compreensão e respeito de vocês nos possibilitarão ajudar Bruce a viver uma vida mais plena possível."

O ator Bruce Willis em fevereiro de 2013 - Justin Tallis/AFP

Lendo aquela carta bela, fiquei maravilhada com a coragem e a união delas, membros de uma família complexa. Senti tristeza por Bruce Willis. E senti uma pontinha de medo das consequências de levarem isso a público –como me senti em 1994, quando meu pai revelou à nação que estava com a doença de Alzheimer.

Fazia cinco anos desde que ele deixara a Casa Branca e duas semanas desde que eu própria tomara conhecimento da doença dele. Me senti dominada por uma tempestade de emoções: dor, medo, a determinação de ficar ao lado de meu pai até o fim. Mas, na época, era uma questão da família. Ninguém havia mencionado a possibilidade de levar seu diagnóstico a público e eu não havia perguntado.

Então, uma tarde, o telefone tocou no meu apartamento em Manhattan. Minha mãe raramente me ligava naquele horário, quando ainda era manhã na Califórnia, mas ela disse que estava aliviada por me encontrar em casa, porque meu pai havia escrito uma carta à nação e ela seria divulgada em breve. Disse que tinha sido ideia dele e que ela se orgulhava demais de sua decisão.

Me recordo de ter olhado para a rua, lá embaixo –as pessoas todas correndo a caminho de algum lugar— e sentido o tempo ir mais devagar. Mas não fiquei espantada. É claro que ele ia querer que o mundo soubesse. Seu amor e lealdade à América eram profundos. E eu compartilhei o orgulho que minha mãe sentiu dele por ser tão franco. Ela disse que meu pai simplesmente se sentou, pegou papel e caneta e começou a escrever.

"Meus compatriotas", ele escreveu, "fui informado recentemente que sou um dos milhões de americanos que irão sofrer o mal de Alzheimer."

Meu pai destacou que ele e minha mãe haviam compartilhado previamente a notícia de seus respectivos cânceres, com a esperança de que essa revelação ajudaria outras pessoas a cuidar de sua própria saúde. E reconheceu, com pesar, que doenças como a dele podem impor uma carga pesada à família.

Ele encerrou a carta com palavras que nunca vou esquecer: "Inicio agora a viagem que vai me levar para o crepúsculo de minha vida".

Fiquei estarrecida com sua bravura por dizer a todos que tinha uma doença da qual, naquela época, a maioria das pessoas sequer queria falar. Pelo que eu sabia, nenhuma outra figura pública até então já havia revelado em primeira mão que estava com demência.

Mas eu não fazia ideia de qual seria a reação do mundo. Saí do apartamento para fazer uma caminhada, para curtir os últimos momentos de privacidade que teria antes de uma jornada sobre a qual eu nada sabia.

Quando a doença de meu pai avançou, houve uma onda de solidariedade e apoio de desconhecidos totais. Mas nem todos reagiram com compaixão. Aprendi a ignorar a zombaria e os comentários ofensivos, que continuaram até sua morte, em 2004, aos 93 anos.

Bruce Willis e sua família talvez tenham um caminho mais árduo pela frente do que foi o caso de minha família. A demência frontotemporal difere radicalmente do mal de Alzheimer. As pessoas com essa condição podem ficar irreconhecíveis, com explosões de raiva e comportamento agressivo e voraz.

A demência frontemporal tem duas variantes principais. Uma está ligada ao comportamento, e a outra, a afasia progressiva primária, com a comunicação. A variante comportamental é a mais comum e mais perturbadora. O paciente pode ultrapassar todos os limites e agir de maneira tremendamente inapropriada. Mas a variante ligada à linguagem, que seria o diagnóstico feito de Bruce Willis, também é traumática, deixando o paciente incapaz de usar ou entender a linguagem.

Quando fundei o grupo de apoio Beyond Alzheimer’s, que dirigi por seis anos, uma mulher na casa dos 20 anos veio falar de seu pai, de 50 e poucos anos, que tinha demência frontotemporal. Ele ficara tão imprevisível e violento que sua família foi obrigada a interná-lo em uma clínica, mas ali ele perturbava tanto os outros pacientes, todos os quais eram mais velhos, que corria o risco de perder aquela vaga também.

Essa é a outra maldição da demência frontotemporal: ela geralmente atinge as pessoas ainda relativamente jovens, frequentemente na casa dos 40 ou 50 anos. Tentei reconfortar aquela jovem ou lhe oferecer algum insight, mas senti uma impotência enorme, um gostinho minúsculo do que sua família estava vivenciando diariamente.

Minha esperança para a família de Bruce Willis nessa jornada imprevisível e dolorosa é que aqueles que a cercam entendam que às vezes a única coisa que se pode fazer é estar junto, estar presente. Não há como fugir da dor, da tristeza, da impotência. Há apenas uma parede humana de afeto na qual se apoiar.

Eu vivi isso, senti isso: senti a preocupação e compaixão de desconhecidos que tiraram tempo de sua vida para pensar sobre nós, para se preocupar em saber como estávamos. E há os outros que a família de Bruce Willis nunca vai conhecer pessoalmente, outras famílias que foram invadidas por essa doença cruel e que hoje se sentem um pouquinho menos isoladas graças à decisão de anunciar um diagnóstico que dilacera sua alma.

Tradução de Clara Allain

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