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Mulheres negras sofrem mais com paradas cardíacas no parto, aponta estudo

Casos são raros, mas frequência geral é maior do que a estimada anteriormente; pré-natal adequado pode diminuir incidência

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Ribeirão Preto

Um estudo publicado nesta segunda-feira (13) mostra que a parada cardíaca durante o trabalho de parto, apesar de uma ocorrência rara, é mais comum em mulheres negras do que em parturientes de outras etnias. Enquanto a taxa geral é de 13,4 a cada 100 mil mulheres, entre as negras a frequência sobe para 25,5 a cada 100 mil.

As chances aumentadas poderiam ser explicadas pela hipertensão, fator de risco para paradas cardíacas, e mais comum entre mulheres negras. Contudo, os pesquisadores afirmam que ao fazer a correção dos dados as diferenças ainda permanecem, segundo experiência prévia de outros estudos científicos. Isso sugere que a causa está no acesso precarizado aos serviços de saúde. Os cientistas afirmam que tratar a população com mais equidade pode diminuir disparidades como essas.

Estudo americano indica que mulheres negras são as que mais sofrem com paradas cardíacas no trabalho de parto - Adobe Stock

Desenvolvida por pesquisadores do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos, o estudo investigou 10.921.784 prontuários de mulheres em trabalho de parto. Foram analisados documentos entre 2017 e 2019 disponíveis no banco de dados públicos de usuários de planos de saúde, o National Inpatient Sample (Amostra nacional de pacientes internados, em português).

A desigualdade no tratamento baseado em raça não é um problema incomum. Um estudo publicado em 2016 mostra que tanto pessoas leigas quanto médicos e estudantes de medicina acreditam que existe uma diferença biológica na maneira como pessoas negras e pessoas brancas percebem a dor.

Entre a população leiga, cerca de 22% acreditavam em frases como "pessoas negras têm a pele mais grossa", enquanto entre os estudantes de medicina esse número poderia chegar a 15% a depender do período da graduação. Segundo o estudo, essa crença equivocada tem como consequência, por exemplo, a menor prescrição de analgésicos para pessoas negras com fraturas periféricas se comparadas a pessoas brancas nas mesmas condições. Crianças negras com apendicite também receberam menos analgésicos do que crianças brancas com níveis equivalentes de dor.

No Brasil, um levantamento de 2017 da Fundação Oswaldo Cruz mostrou que mulheres negras são mais propensas a sofrer violências obstétricas, como ter a presença do acompanhante negada durante o parto ou sofrer episiotomia sem o uso de anestesia.

O novo estudo, publicado na revista Annals of Internal Medicine, também revela que a parada cardíaca materna foi mais comum entre as gestantes usuárias do Medicare ou do Medicaid, planos de saúde gerenciados pelo governo americano destinados a pessoas idosas ou de baixa renda.

Para a doutora em obstetrícia e ginecologia e responsável pela enfermaria de gestação de alto risco do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), Maria Rita de Figueiredo Lemos Bortolotto, a assistência pré-natal oferecida às grávidas pelo SUS (Sistema Único de Saúde) é uma oportunidade para contornar esse problema no Brasil, principalmente se levado em consideração que a maioria das gestantes é jovem e, portanto, tem uma grande chance de sobrevida se tratadas de maneira adequada.

O estudo também aponta que a parada cardíaca materna ocorre com uma frequência 34% maior do que a estimada anteriormente. Entre os anos de 1998 e 2011, a taxa entre parturientes era de 1 a cada 12 mil internações. Contudo, uma análise feita entre 2017 e 2019 aponta uma frequência de 1 a cada 9 mil.

Regina Coeli Marques de Carvalho, médica do Hospital Geral de Fortaleza e diretora científica do departamento de Cardiologia da Mulher da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia), diz que esse número reflete uma mudança nas causas de morte materna nos países em desenvolvimento. Antes relacionadas diretamente à gravidez, como nos casos de hemorragia, hoje são principalmente indiretas e associadas a doenças pré-existentes.

Isso pode ser explicado, parcialmente, pela idade mais avançada que as mulheres têm engravidado. A média das parturientes que sofreram parada cardíaca foi 31,1 anos, um número maior do que a das mães que não tiveram essa intercorrência, cuja idade média foi de 28,4.

Mesmo incomuns, os casos preocupam os médicos. O manual de Gravidez e Planejamento Familiar na Mulher Portadora de Cardiopatia da SBC define a ocorrência como "uma das situações mais dramáticas e desafiadoras da sala de emergência".

Apesar disso, Bortolotto diz que os números inéditos de sobrevida são animadores. O estudo aponta que apenas 31,4% dos casos em gestante são fatais. Essa taxa em adultos pode chegar a 75%.

O trabalho também indica que o fenômeno é mais frequente em gestantes com outras condições médicas, como embolia do líquido amniótico, uma coagulopatia rara e de difícil diagnóstico, que pode levar à ocorrência em 3 a cada 10 mulheres.

Segundo o manual da SBC, a parada cardiorespiratória materna é precedida por alterações cardiovasculares que podem ser diagnosticadas durante o acompanhamento pré-natal. A instituição sugere que os médicos sejam treinados para reconhecer essas condições e que as pacientes sejam classificadas de acordo com a gravidade –mesmo as de baixo risco devem ser acompanhadas por um cardiologista durante o planejamento do parto.

As especialistas afirmam que atendimentos pré-natal com uma abordagem multidisciplinar da gestação, associando clínicos gerais, obstetras, cardiologistas e intensivistas, é a melhor maneira de prevenir e tratar doenças de risco para a mulher no trabalho de parto.

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