Mulheres vítimas de violência são mais suscetíveis a desenvolver transtornos mentais

Especialistas e estudos apontam correlação entre agressões físicas e psicológicas com doenças como ansiedade e depressão

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Salvador (BA)

Estudos e especialistas apontam que mulheres vítimas de violência têm mais risco de desenvolver transtornos mentais como ansiedade, depressão e estresse pós-traumáticos. São robustas as evidências do impacto da violência na saúde mental da mulher e trabalhos científicos indicam que serviços de saúde mental tenham papel mais proeminente na prevenção e tratamento dos casos de violência.

Uma revisão de estudos publicada em 2018 pela UnB (Universidade de Brasília) aponta que mulheres violentadas passam mais dias na cama do que aquelas que não sofreram violência e demonstra como casos de agressão estão associados a diversos transtornos mentais. A pesquisa também destaca o papel central dos profissionais de saúde mental no combate à violência e defende que políticas públicas voltadas às mulheres englobem profissionais da área.

Mulher foi estuprada pelo próprio namorado - 03.jun.2016 - Ricardo Borges/Folhapress

Para Valeska Zanello, professora do Departamento de Psicologia Clínica da UnB (Universidade de Brasília) e uma das autoras do estudo, a compreensão da saúde mental predominantemente "biologicista" apaga a importância que questões sociais, como a violência de gênero, têm no desenvolvimento de doenças como ansiedade e depressão.

"Os profissionais da área precisam ampliar a escuta e pensar a participação da violência na conformação de alguns sintomas", afirma Zanello.

No país, todas as formas de violência contra a mulher cresceram em 2022 segundo dados da pesquisa "Visível e Invisível: A vitimização das Mulheres no Brasil". O levantamento foi feito entre 9 a 13 de janeiro de 2023 pelo Datafolha a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Participaram 2017 pessoas de 126 municípios.

A pesquisa apontou que 28,9% das brasileiras sofreram algum tipo de violência em 2022. A maior parte das mulheres agredidas são negras (65,6%), com idade entre 16 e 24 anos (30,3%). A maior parte dos casos (53,8%) ocorreram em casa e 31,3% dos agressores eram ex-parceiros amorosos. São 76,5% aquelas que destacaram como ponto relevante para coibir a violência a aplicação de punição mais severa e 72,4% as que mencionaram ser importante ter "alguém para conversar, como um psicólogo ou outro especialista em saúde mental".

Zanello aponta que o crescimento da violência contra a mulher no país é um fator de risco para a piora da saúde mental das vítimas. "A causalidade não é direta, mas a violência traz e piora muito o sofrimento de quem a sofre", afirma.

Estudo publicado em 2017 por pesquisadoras estrangeiras na revista científica The Lancet Psychiatry aponta que a violência contra a mulher também precisa ser percebida como uma questão de saúde mental e ser adequadamente tratada por profissionais da área, pois podem desempenhar um importante papel preventivo.

O estudo destaca o maior risco de desenvolver transtorno mental entre mulheres que já foram vítimas de violência. A pesquisa também salienta a importância de que profissionais de saúde mental aprendam como tratar casos sem culpabilizar as vítimas ou intensificar condições de vulnerabilidade, muitas vezes associadas a questões econômicas e de gênero.

Já um outro trabalho feito em 2010 por pesquisadores da Universidade de Kentucky aponta que é robusta na literatura acadêmica as evidências de que a violência contra a mulher piora a saúde mental das vítimas.

O estudo destaca que mulheres que sofreram violência de parceiros apresentam mais casos de ansiedade e depressão do que mulheres que não foram violentadas. No caso da violência sexual, muitas das vítimas apresentam sintomas como medo, agitação e retraimento social. Nesses casos, o que é mais diagnosticado é o transtorno de estresse pós-traumático.

Quanto aos efeitos da violência psicológica, os pesquisadores apontam que a depressão era até o momento de realização da pesquisa a variável mais estudada, com evidências da sua relação com casos de agressão. Também foram encontrados "resultados mistos para o impacto do abuso psicológico na auto-estima" e que sintomas como culpa, vergonha e estresse precisavam ser mais investigados.

Ana Paula Guljor, psiquiatra e presidente da Abrasme (Associação Brasileira de Saúde Mental), afirma que a violência deve ser tratada como uma questão coletiva a ser endereçada por políticas públicas que levem em consideração a saúde mental e outras questões, como a autonomia e independência econômica da mulher.

A relação entre violência e adoecimento mental é também perceptível nas estudantes, docentes, servidoras e terceirizadas da UFPB (Universidade Federal da Paraíba) atendidas pelo CoMu (Comitê de Políticas de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra as Mulheres na UFPB). Segundo Lis Lemos, coordenadora do Comitê, é comum observar em estudantes vítimas de violência diminuição no rendimento acadêmico, baixa participação em projetos de extensão e pesquisa e aumento da ausência em aulas.

De acordo com Lemos, 38% das mulheres atendidas pelo Comitê entre janeiro de 2021 e novembro de 2022 afirmaram estar sob acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, 26% usavam medicamentos e 4,7% pensaram em suicídio ou tentaram se matar. Dados do Comitê revelam que, para o mesmo período, 97,8% das mulheres atendidas na universidade sofreram mais de um tipo de violência. A violência psicológica foi a de maior incidência, ocorrendo em 91% dos casos.

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