Descrição de chapéu The New York Times Viver

Dores nos pés fizeram homem tirar seus sapatos há 20 anos e não os calçar mais

Joanetes levaram Joseph DeRuvo a andar descalço, mas o maior desafio ainda é o julgamento alheio, diz ele

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Katherine Rosman
The New York Times

Alguns anos atrás, Joseph DeRuvo Jr. fez uma escala rápida num supermercado sofisticado para comprar ovos e foi parado no corredor de laticínios por um gerente de loja. "Você não está usando sapatos", ele lembra que o gerente lhe disse.

Ele estava certo. DeRuvo não estava usando sapatos. Quase nunca usa.

O funcionário citou códigos de saúde. DeRuvo negou que os estivesse violando. O funcionário fez referências vagas a apólices de seguro. DeRuvo respondeu: "Mais pessoas quebram o pescoço com salto alto do que descalças".

Homem descalço em sua casa
DeRuvo tirou seus sapatos há cerca de 20 anos para se livrar das dores causadas por suas joanetes - Joe Buglewicz/The New York Times

"Um cliente está reclamando", disse o gerente finalmente, como lembra DeRuvo. "Gostaríamos que você fosse embora."

DeRuvo decidiu inicialmente dispensar os sapatos por causa de joanetes dolorosos, mas continuou descalço por razões que transcendem o conforto físico. Naquela época, ele se viu como um teste decisivo da tolerância das pessoas e a disposição delas a tolerar o estilo de vida inconvencional de um desconhecido –e talvez tentar entendê-lo.

Há perguntas que lhe fazem com frequência que ele sempre fica feliz em responder. Como ele lida com neve e gelo? Não fica com objetos pontiagudos presos em seus calos grossos? Mas essas são as coisas simples. "Navegar nesse terreno é fácil", afirma. "Navegar pelas pessoas é complicado."

Quando lhe pedem para deixar uma loja ou um restaurante, ele normalmente sai sem protestar, afirma a mulher de DeRuvo, Lini Ecker, uma usuária de calçados que serve de ponte entre o marido e um mundo que geralmente pede conformidade.

"Quando alguém assume sua personalidade do tipo 'estou no comando'", pontua ela, "depois que começa não pode mais voltar atrás."

Talvez ocasionalmente, DeRuvo revida. "Se estiver mal-humorado", diz ele.

O episódio dos ovos foi um desses momentos. Ele discutiu com o gerente por alguns instantes, depois foi embora e comprou ovos em outro lugar.

Há duas décadas, DeRuvo, 59, vive quase totalmente descalço, uma vida que ele construiu, com a ajuda de Ecker, para limitar ou evitar tais confrontos. Depois de anos como fotógrafo e professor de fotografia, ele ainda trabalha por conta própria, agora como instrutor de Pilates, profissão particularmente amiga dos pés descalços. E o casal fica perto de casa. Quando eles saem, frequentam lojas e restaurantes conhecidos, onde podem estabelecer conexões pessoais com os proprietários e gerentes, e ele pode ser visto como mais do que o cara descalço.

Ainda assim, "somos expulsos de muitos lugares", afirma Ecker, 61.

Simpatia pelos cães

Era um dia excepcionalmente quente em fevereiro, quando DeRuvo saiu para uma corrida curta. O clima foi uma pausa bem-vinda do vento frio recorde da semana anterior. Embora os dias quentes possam ser mais desafiadores do que os frios, com o pavimento queimado pelo sol o forçando a correr sobre a linha central pintada ou nas sombras projetadas pelos postes telefônicos, nada é tão doloroso sob os pés quanto o sal quimicamente tratado para derreter o gelo.

"Isso me causa muita simpatia pelos cães", diz ele.

O estilo de vida de DeRuvo lhe deu motivos para pensar muito sobre os pés nus, avaliando sua segurança e higiene e se são uma ameaça à sociedade educada. Ele não encontrou nenhum risco para a saúde. Que germes seus pés podem carregar que a sola dos sapatos de alguém não carregue? (Connecticut não tem regulamentos que proíbam clientes descalços em lojas ou restaurantes, diz Christopher Boyle, porta-voz do Departamento de Saúde Pública, "mas os estabelecimentos comerciais podem definir suas próprias regras".)

E ele sabe a hora de render-se, diz. Guarda no carro um par de sandálias folgadas para o caso de acontecer algo que deixe outras pessoas incomodadas por ele ser impedido de entrar, como quando saem para jantar com amigos.

Mas geralmente DeRuvo escolhe o conforto de seus pés em vez de fazer qualquer coisa ou ir a qualquer lugar que o obrigue a calçar sapatos.

'As pessoas têm nojo’

Pés descalços fora da praia, do estúdio de ioga ou da cadeira de pedicure costumam chamar a atenção. "Joe Descalço Jackson" (Shoeless Joe Jackson, em inglês) ficou famoso por conspirar para fraudar a Série Mundial de 1919, mas diz a lenda que ele foi jogar descalço por causa de bolhas que lhe deram seu apelido duradouro. A passagem de Britney Spears por um posto de gasolina em 2004 se tornou uma notícia global quando paparazzi a flagraram saindo do banheiro sem sapatos.

"As pessoas têm uma coisa com os pés", diz DeRuvo. "Elas sentem nojo."

Os de DeRuvo parecem que iriam doer num par de sapatos: os dedões, com uma protuberância saliente na base, projetam-se agressivamente em direção aos dedos mindinhos, na diagonal.

As saliências são joanetes. Cerca de 20 anos atrás, eles se tornaram dolorosos –latejando durante longas corridas com tênis apertados e interferindo em sua vida. DeRuvo consultou um médico que recomendou uma cirurgia. Enquanto aguardava a data marcada para o procedimento, ele ficou descalço porque as dores eram muito intensas. Nesses dias, soube que os parafusos que seriam implantados em seus pés continham um metal ao qual ele era alérgico. Também notou que se sentia melhor desde que parou de usar sapatos.

Não demorou muito para que percebesse que andar descalço estava enriquecendo sua vida de maneiras que ele não esperava. Houve benefícios físicos além do alívio dos joanetes: ele encontrou conforto no chão abaixo dele. "O feedback tátil apenas faz com que tudo o mais pareça um pouco mais suave", disse ele.

Também há benefícios espirituais, diz DeRuvo, um homem religioso. "Deus diz a Moisés: 'Tire suas sandálias, você sabe, este solo é sagrado'", afirma. "Bem, eu meio que gosto de levar isso o mais longe possível."

'Lembrar que são animais'

DeRuvo nasceu em Nova York. Sua mãe era enfermeira no Hospital Bellevue. Seu pai trabalhava na gráfica da loja de departamentos B. Altman, eventualmente supervisionando os catálogos de pedidos pelo correio.

Em meados da década de 1980, ele se matriculou na Escola de Fotografia da Nova Inglaterra, em Boston. Lá, conheceu Ecker. Eles têm sido praticamente inseparáveis desde então e se casaram em 1987.

Ele não se lembra exatamente de quando tirou os sapatos pela última vez. "Foi cerca de cinco anos antes do iPhone", diz (o que daria aproximadamente 2002).

Seus filhos não se lembram de uma grande declaração de que papai iria dispensar os sapatos, apenas que a coleção de calçados dele ficou cada vez menor. "Em algum lugar ao longo do caminho, algo mudou e ele deixou de confiar em sapatos", afirma Nate DeRuvo, 33, barista em Boston.

Quando criança, Nate tinha uma percepção geral de que seu pai era recebido com desconfiança por estranhos. "Estava claro que ele violava um contrato social, mas não fazia sentido o motivo pelo qual aquele em particular estava tão embutido nas pessoas", conta.

Certa vez, ele perguntou ao pai por que as pessoas ficavam tão chateadas. "As pessoas não gostam de ser lembradas de que são animais", seu pai lhe explicou. "Elas não gostam de admitir que não somos tão diferentes das outras criaturas que andam por aí."

Ecker não se intimida quando questionada se o fato de seu marido não usar sapatos limitou sua vida. "Você leva o pacote inteiro quando se casa com alguém", diz ela, encolhendo os ombros, enquanto almoçava com ele no café Norwalk Art Space, com seus tamancos aninhados sob a mesa junto dos pés dele.

Quanto a DeRuvo, ele diz que viver sem sapatos permitiu que fosse a pessoa que Deus deseja que ele seja. "A menos que você veja alguém 'diferente', mas que ainda assim é capaz de construir uma vida", afirma, "você não sabe que é possível."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.