Millennials caminham para a casa dos 40 com misto de orgulho e frustração

Geração é a maior do Brasil e sente insatisfação com a realidade econômica e social, agravada por crises financeiras e pandemia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Natal (RN)

"Esse ano completo quarenta anos. Certamente não me imaginava nesse lugar quando era mais jovem", escreveu a ilustradora Helena de Cortez em um publicação em que analisa a própria trajetória, em 2021, com "um misto de orgulho e frustração". Ela sentia que, naquela idade, "já deveria estar com tudo pronto, encaminhado, mas que ainda engatinhava em muitas coisas".

"Imaginava a ideia de carreira consolidada, a casa própria, a vida financeira organizada", diz. "Não como se fosse o topo de alguma coisa, mas com a sensação de um direcionamento mais claro".

Helena se sente "em uma crise de meia-idade" e a traduz como "tá na hora de abrir o olho e enxergar melhor as coisas, no mundo interior e nas próprias escolhas". Seus planos incluem reparar os estragos financeiros que sofreu com a pandemia. "Gostaria de um imóvel também e sonho em conseguir desfrutar mais a vida, o agora, com meus filhos e comigo mesma".

Mulher branca com cabelo castanho apoiada em janela
A artista plástica Helena de Cortez, 41, vive com sentimentos que vão de realizações a frustrações, traços que especialistas enxergam em millenials - Karime Xavier/Folhapress

Parte da primeira leva de millennials do Brasil a cruzar a fronteira dos 40 anos, a ilustradora se prepara para o aniversário de 42, em junho.

Os millennials correspondem à maior parcela da população brasileira e englobam quem nasceu de 1981 a 1996. Entre 54 milhões de pessoas que compõem a geração, mais de 10 milhões estarão na faixa etária de Helena em 2023.

Esse universo, frisam especialistas, caminha para o período conhecido como meia-idade, iniciado entre 40 e 45 anos, com mais expectativa de vida e de avanços sociais do que antes. Mas, na média, também anda com a rota estremecida por uma série de turbulências que tem dificultado a trilha, como crises econômicas e, mais recentemente, a pandemia.

No campo educacional, Marcelo Neri, diretor da FGV Social (Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas), observa ganhos de até três vezes em comparação a gerações anteriores. A média de anos de estudo passou de 2,93, em 1972, para 5,21 em 92. Atualmente está em 10,08, nessa faixa etária.

Os saltos se deram, entretanto, em um cenário de produtividade estagnada – ou seja, em um contexto em que a quantidade que cada um produz e o que fica no longo prazo estão empacados até hoje.

"Faltaram políticas que ligassem o avanço educacional ao desempenho econômico e trabalhista. Essa geração viveu uma revolução social, mas vive uma frustração econômica. Um descasamento que surpreende, porque normalmente trajetórias econômicas e sociais andam de mãos dadas e não foi o que aconteceu no Brasil. Nesse aspecto, o país falhou", diz Neri

Para o pesquisador, "houve um hiper otimismo que não se confirmou no Brasil".

O índice de felicidade futura, que mede a expectativa de satisfação individual com a vida, se manteve, historicamente, entre os maiores do mundo – também prenunciando "uma elevada probabilidade de frustração".

"O jovem brasileiro esperava muito do futuro. Olhava para frente com otimismo, mas, antes de chegar aos 40, 44, viveu quase 10 anos bastante limitado por sucessivos choques econômicos. Houve crises, uma grande recessão, lenta retomada e, então, a pandemia".

NO MERCADO DE TRABALHO

Brasil caiu 26 posições em cerca 10 anos em ranking com 134 países sobre jovens que acreditam ser possível progredir trabalhando. Crises sucessivas, incluindo a pandemia, atrapalharam o ingresso e a trajetória no mercado nos últimos anos

  • Exemplos do que valoriza

    Possibilidade de desenvolvimento profissional, fazer o que gosta/encontrar significado no trabalho e como o trabalho afeta o bem estar e a qualidade de vida.

  • Exemplos do que incomoda

    Poucas perspectivas de crescimento na empresa, sentimento de exaustão e sobrecarga, salário baixo e/ou falta de promoção.

O aumento da expectativa de vida veio com questionamentos na linha de "como vai ser minha vida se a previdência estiver quebrada?" ou "e se eu não conseguir fazer o meu pé de meia?". Dados do Grupo Cia de Talentos, da pesquisa Carreira dos Sonhos, mostram alta frequência de preocupação, cansaço e ansiedade nessa geração.

Tantas questões somadas à intensa presença das redes sociais têm criado "uma sensação de pisar em areia movediça", além de colocar em xeque a qualidade de vida, diz a doutora em psicologia social e professora da FGV (Fundação Getulio Vargas) e da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), Flávia Feitosa.

"É uma questão do momento que estamos vivendo. Não é exclusiva dos millennials, mas estar na meia-idade torna a coisa mais complexa", afirma. O mundo "vendido" à geração, ressalta, foi um mundo incrível, de inúmeras possibilidades e sonhos, enquanto o entregue "foi uma condição muito ruim".

Para a professora Roberta Pitta, 40, fatores econômicos e políticos interferiram no que, aos 20, idealizava para o futuro. "Mas não há frustração. Eu entendo que cheguei a um lugar onde consigo respirar um pouco para pensar em coisas maiores", diz.

Hoje, ela dá aulas a crianças como concursada na rede pública, e já foi operadora de telemarketing e recepcionista. Já o pai e a mãe não completaram o ensino médio. A professora, por outro lado, fez duas graduações, especialização e mestrado. Acredita que "o auge da vida ainda está por vir", o que inclui um possível doutorado e outros caminhos profissionais.

Daniel Trinconi Borgatto, 41, vê que muitos amigos na mesma idade seguiram a linha esperada pelas famílias. "Havia uma transferência de expectativas dos pais, no sentido de ‘você precisa fazer faculdade, ter um emprego, segurá-lo com unhas e dentes, criar independência financeira, estudar, conseguir uma carreira, casar, ter filhos'. Só que eu quebrei um pouco essa engrenagem", diz.

Ele começou a trabalhar cedo, estudou no que considera uma boa faculdade e viveu em ambientes "extremamente" competitivos nas multinacionais por onde passou. Mesmo seguindo a receita, percebe o contexto vivido por sua geração como diferente das anteriores.

"E quando me olhei no espelho vi que estava me deteriorando. Trabalhando muito, sendo muito consumido. Vi que o esforço me levou a alguns patamares esperados por eles, mas não a um patamar esperado por mim".

Já o administrador Anderson Nogueira acha que "inflação elevada, salários que não sobem e redes sociais em que todos se comparam são gatilhos de infelicidade". Ele é de 1989. Voltou para o Brasil em dezembro, após um ano nos Estados Unidos, onde a nova geração de 40 é apresentada como mais pobre, insegura e infeliz que os pais.

"Eu percebi este sentimento lá fora e, aqui no Brasil, acho que 70% das pessoas que conheço da minha idade e na faixa acima, de certa forma, estão frustradas. Vejo uma grande pressão da sociedade para os jovens adultos após completarem os 30".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.