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Aceitar a vulnerabilidade pode melhorar sexo para mulheres, diz filósofa

Em um mundo sem equidade de gênero, Katherine Angel diz que medo e desejo podem coexistir e chama homens à responsabilidade

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Gabriella Feola
São Paulo

No livro "Amanhã o Sexo Será Bom Novamente", a filósofa belga Katherine Angel traz provocações sobre as disparidades de poder nas relações de gênero e como isso se imprime na sexualidade, principalmente nas relações entre homens e mulheres.

Angel, também doutora em história da psiquiatria e sexualidade, é crítica diante da forma como certos movimentos e especialistas oferecem uma fórmula pronta para que as mulheres possam se proteger de violências em potencial e questiona o senso comum de que o consentimento é a chave para evitar situações de assédio e abuso.

mulher branca loira com paletó marrom
A psiquiatra Katherine Angel, autora de 'Amanhã o Sexo Será Bom Novamente' - Liz Seabrook/Divulgação

Na perspectiva da autora, essa é uma visão simplista e ineficiente. "A fascinação com o consentimento é bem-intencionada e é importante", diz, em entrevista por videochamada. "É parte do que precisamos para deixar a vida mais segura para as mulheres, mas também é limitado. Algumas dessas limitações têm a ver com condições materiais. Temos que encontrar maneiras de reduzir a desigualdade, porque o abuso sexual prevalece onde há muita iniquidade."

As desigualdades de poder e violências de gênero criam uma camada de medo e vigilância sobre o exercício da sexualidade naqueles que não estão em posição de controle, escreve Angel. O cenário cria a busca por soluções frequentemente baseadas no comportamento individual, algo que se mostrou falho ao longo da história, segundo a autora.

"As pessoas querem acreditar que existe algum tipo de procedimento para seguir caso você queira garantir que as coisas não saiam erradas. Você tem que ser capaz de confiar em alguém, de estar aberto e de ser vulnerável para poder ter uma relação sexual que tenha minimamente chance de ser boa. Mas não há nada que a gente possa fazer no sentido de garantir que a violência sexual não vá acontecer com você."

A princípio, essa perspectiva pode soar desoladora, pois demanda a aceitação de uma verdade inconveniente. Se violência não pode ser tirada de cena, como é possível sonhar uma vida sexual proveitosa e positiva para meninas e mulheres?

Angel, ao mesmo tempo, convida a aceitar a desigualdade como um dado e fugir da prescrição de normas de segurança. Ao fazer isso, se afasta de discursos de culpabilização que pressupõem que a vítima deveria ter evitado a situação de abuso.

"Sabemos que as meninas e mulheres correm riscos de violência, então nós adicionamos uma camada de ansiedade e um senso de controle, tentando dizer a meninas e a jovens: 'tenha cuidado, porque o mundo é um lugar perigoso para você'. Mas a gente não deve deixar essa noção de administração de risco acabar constrangendo meninas e mulheres de explorarem seus prazeres."

A perspectiva de Angel é cautelosa e bebe da fonte de pensadores como Michel Foucault para formular um pensamento que quebra dualidades e leva a conclusões contraintuitivas. Para além da resignação, ela instiga uma reflexão na qual a aceitação da vulnerabilidade abriria espaço para prazeres mais autênticos e profundos.

Segundo a autora, o desejo pode ter várias facetas e o medo pode ser recrutado pelo erótico. Num mundo em que a equidade ainda não foi alcançada, o prazer envolve sempre um nível de risco, e isso tanto não deveria ser desconsiderado, como não necessariamente é um fator que reduz o prazer.

"Não é nos endurecendo diante da vulnerabilidade que nós —qualquer uma de nós— vamos encontrar realização sexual, e sim admitindo e nos abrindo para a nossa vulnerabilidade universal."

"Amanhã o Sexo Será Bom Novamente" também chama os homens à responsabilização, incitando que uma mudança de modelo de masculinidade não só permitiria um mundo mais seguro para meninas e mulheres como também abriria portas para uma sexualidade menos restrita para eles.

Angel entende que homens tendem a ser violentos com mulheres quando se sentem humilhados —e que, quando existe uma visão muito restrita da masculinidade, esse sentimento de humilhação pode ser engatilhado por qualquer coisa.

Ao fim da sua argumentação, a autora explora como os modelos de prazer para as masculinidades heterossexuais são estreitos e restritos. Num mundo em que os homens se afastem de posições de poder para se abrir à vulnerabilidade, o cenário não se torna só mais seguro para as mulheres como também permite um desfrute mais autêntico para os próprios homens.

A autora entende que a violência sexual resultante do abuso de poder atinge pessoas de maneiras diferentes (meninos e meninas, mulheres cisgênero e heterossexuais, pessoas trans e LGBTQIA+), mas, na obra, ela se centra nas relações entre homens e mulheres.

Explicando que a estrutura de gênero centrada na heterossexualidade acaba sendo o foco dos seus estudos, a escritora também argumenta que suas conclusões podem ser generalizadas se aplicadas a todas as pessoas e formas de relações.

Amanhã o Sexo Será Bom Novamente - Mulheres e o Desejo na Era do Consentimento

  • Preço R$ 54 (144 págs.)
  • Autoria Katherine Angel
  • Editora Bazar do Tempo
  • Tradução Rita Paschoalin
Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior do texto afirmava que Katherine Angel é psiquiatra. A autora é filósofa e doutora em psiquiatria

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