Descrição de chapéu The New York Times

Com aumento dos casos, 'vilas da demência' substituem cuidados domiciliares

OMS prevê que o número de pessoas com a doença chegará a 78 milhões até 2030

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Joann Plockova
The New York Times

Em uma manhã recente, neste tranquilo vilarejo nos arredores de Amsterdã, na Holanda, uma mulher idosa abastecia as prateleiras do supermercado local. Na praça em frente à loja, alguns homens sentados ao redor de uma mesa conversavam despreocupados. Na praça, uma mulher de hijab tomava café em frente à cafeteria.

Parecia uma típica cidade holandesa, com um restaurante (aberto ao público), um teatro, um bar e um conjunto de pitorescos sobrados de tijolos em ruas formando uma grade quadriculada.

Bem, esse é o ponto. Muitas pessoas aqui não percebem que estão vivendo na primeira "aldeia de demência" do mundo, como é chamada. E pode ser difícil para os visitantes perceberem a diferença entre os residentes e os funcionários com roupas comuns.

Homem idoso e homem de meia idade brindam com cerveja em bar
Desde 2009, Hogeweyk ocupa uma área de 4 hectares no subúrbio de Weesp, em Amsterdã - The Hogeweyk

Gert Bosscher, cuja mulher, Anneke, foi diagnosticada com doença de Alzheimer há seis anos e é residente há nove meses, diz que a decisão de mantê-la em Hogeweyk foi fácil. "Minha primeira impressão ao entrar aqui foi de um espaço aberto, decorado com flores, com um ambiente descontraído onde clientes e familiares passeavam à vontade ou estavam sentados num terraço tomando chá", conta. "Para ser sincero, naquele momento eu já tomei a decisão."

Desde 2009, Hogeweyk, que ocupa uma área de 4 hectares no subúrbio de Weesp, em Amsterdã, tem como objetivo "emancipar as pessoas que vivem com demência e incluí-las na sociedade", de acordo com seu site. A comunidade, que é financiada pelo governo holandês e atualmente atende a 188 residentes em 27 casas, marcou uma evolução em relação aos lares de idosos tradicionais –os autores do Relatório Mundial de Alzheimer de 2020 chamaram-no de "mudança de paradigma"– ao oferecer aos residentes (e suas famílias) atendimento humanizado mais parecido com o de casa.

"Você não quer ficar preso pelo resto da vida, não quer viver no ritmo de uma organização", indica Jannette Spiering, fundadora de Hogeweyk. "Você quer fazer suas próprias escolhas. Você ainda quer continuar vivendo, mas precisa de apoio."

Os moradores do local, todos portadores de demência grave, circulam livremente pela aldeia e interagem com outros pacientes. Eles também interagem com os profissionais –enfermeiros, médicos, psicólogos, fisioterapeutas e conselheiros sociais–, que superam em muito o número residentes e se integram à vida diária da comunidade.

No supermercado, por exemplo, os moradores podem comprar comida, xampu ou cartões-postais, mas não há troca de dinheiro real, e o caixa é treinado para atender pessoas com demência. As casas, que abrigam seis ou sete moradores, dispõem de sala, cozinha, quartos privativos, lavanderia e espaço externo, com apoio profissional dia e noite. Novas vagas ficam disponíveis somente quando um morador morre.

Ao longo da última década, o número de casos de demência explodiu globalmente, e mais "vidas de demência" e "microcidades" para idosos foram abertas em todo o mundo. Mas os especialistas temem que, se a comunidade de assistência a idosos quiser acompanhar o ritmo dos diagnósticos, terá de haver outra grande mudança de paradigma, e rapidamente.

Basicamente, eles querem que os Hogeweyks do futuro não apenas se pareçam com cidades reais, mas que sejam cidades reais.

Quando Hogeweyk abriu as portas, havia cerca de 35 milhões de pessoas com demência em todo o mundo, segundo a Alzheimer's Disease International, uma federação sem fins lucrativos de associações de Alzheimer e de demência. Hoje esse número ultrapassa 55 milhões, e a OMS (Organização Mundial da Saúde) prevê que chegará a 78 milhões até 2030. (A entidade descreve "demência" como um termo que abrange várias doenças que afetam a memória, o raciocínio e a capacidade de realizar atividades diárias. A doença de Alzheimer é a forma mais comum.)

"Os números estão crescendo porque o tamanho da população aumenta e a população envelhece", afirma Tarun Dua, que dirige a unidade de Saúde do Cérebro do Departamento de Saúde Mental e Uso de Substâncias da OMS. "Não é algo que irá desaparecer."

O relatório, que Dua ajudou a compilar, alertava que a comunidade médica está "muito atrasada para encontrar uma cura para a demência até 2025", meta estabelecida em 2013 na Cúpula sobre Demência de Londres.

"É um problema enorme", diz Spiering. "A sociedade realmente precisa avançar."

Para enfrentar o momento, diversas instalações em todo o mundo –muitas delas inspiradas na "vila de demência" de Hogeweyk– estão trabalhando para impulsionar o modelo, integrando ainda mais as aldeias com os bairros vizinhos.

"As pessoas querem ficar em casa, querem viver em comunidade", diz Dua. "Acho que esta é uma mensagem importante. Portanto, mesmo se pensarmos em termos de vilas de demência, o quão próximas elas estão da comunidade é muito importante. Elas deveriam fazer parte da comunidade, e não estar fora dela."

Em Baerum, na Noruega, um município nos subúrbios de Oslo, a aldeia de demência Carpe Diem, inaugurada em 2020, foi concebida como um projeto-piloto para enfrentar a pressão prevista sobre a comunidade de assistência a idosos na Noruega. No país, o número de pessoas com demência, cerca de 100 mil, deverá duplicar até 2050, segundo estudo publicado no Journal of Alzheimer's Disease.

Tal como Hogeweyk, o Carpe Diem utiliza seu ambiente construído de 20 mil m2 –edifícios de dois e três andares em vários tons de tijolo e madeira– para criar um espaço cívico contido, onde os residentes podem circular livremente, com supervisão. Há uma praça urbana, espaços ajardinados, um caminho sinuoso e uma "rua" com bar, cabeleireiro e botique. O complexo, projetado pelo Nordic Office of Architecture, compreende 136 unidades habitacionais comunitárias e 22 unidades de cuidados intensivos para demência.

"A maior diferença, talvez, entre o Carpe Diem e outros lares de idosos, é que trazemos e convidamos a sociedade local para a nossa vila", afirma Anne Grete Normann, gestora da vila, num vídeo sobre o projeto.

Os moradores do bairro local podem participar de atividades lá, jantar no restaurante, cortar o cabelo ou simplesmente caminhar pelos jardins bem cuidados.

"Ter uma vila aberta significa muito, tanto para quem mora lá quanto para quem vem visitá-los", escreveu Normann por email. "O fato de mais que apenas parentes entrarem na comunidade significa que mais pessoas se familiarizam com a demência e com a vida com demência. Esperamos conseguir menos estigmatização desse grupo na sociedade em geral."

A meio mundo dali, na cidade de Bellmere, na Austrália, a NewDirection Care se descreve como a primeira "microcidade" de demência do mundo. Os moradores vivem em casas térreas típicas –são 17 em quatro estilos, com sete moradores por casa. O centro da cidade inclui uma loja, cafés, salão de cabeleireiro e cinema.

"É muito parecido com um subúrbio da Austrália", afirma Natasha Chadwick, fundadora e CEO da instituição.

Esta "microcidade" é totalmente inclusiva, misturando pacientes com demência, incluindo os mais jovens que sofrem demência de início precoce, com residentes idosos que não foram diagnosticados com demência.

Funcionando como microcomunidades dentro da comunidade geral, instalações como o NewDirection Care em Bellmere funcionam como trampolins para a integração das pessoas com demência na sociedade como um todo.

"Uma das razões pelas quais criamos a microcidade para uma mistura de residentes é que começamos realmente a nos associar com a comunidade externa", afirma Chadwick, que antes foi diretora-executiva da Associação Nacional de Lares de Idosos e Hospitais Privados da Austrália. "Então não há diferença. Já temos muita gente entrando e saindo da nossa microcidade. Elas usam o cinema, usam o café, tudo isso."

Seu próximo passo é reunir mais moradores numa comunidade planejada de arranha-céus que abrigará pessoas mais jovens, assim como "alguém que esteja vivendo com demência grave, ou alguém que tenha uma deficiência física", diz ela. "Portanto, será apenas um microcosmo da comunidade em geral."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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