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MDMA é uma das drogas ilegais mais seguras, mas ainda tem riscos

Substância é estudada para tratar doenças; por não ser autorizada, é possível que seja adulterada

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Rachel Nuwer
The New York Times

Nos últimos anos a MDMA, também conhecida como ecstasy, tem sido cada vez mais associada a fins terapêuticos. Em 2024, pode ser aprovada pela FDA (a agência dos EUA que regula fármacos) para o tratamento de transtorno de estresse pós-traumático. Em julho a Austrália se tornou o primeiro país do mundo a tornar a MDMA um fármaco vendido com receita médica.

Mas, como a cannabis e outros psicodélicos, a MDMA é também uma droga recreativa. Em 2021, foi consumida por estimados 20 milhões de pessoas no mundo em um contexto não clínico e não legalizado. Pesquisas nacionais nos EUA estimam que 7,5% dos americanos com mais de 12 anos já experimentaram ecstasy pelo menos uma vez.

Com MDMA se aproximando de receber aprovação médica mais ampla, alguns especialistas preveem que seu uso recreativo também vai aumentar. Como aconteceu com a maconha, "o uso recreativo da MDMA pode pegar carona na medicalização", diz Russell Newcombe, pesquisador independente sobre drogas de Liverpool, Inglaterra.

Funcionário da alfândega da Bélgica abre um pote com pílulas de ecstasy no aeroporto de Bruxelas - Kenzo Tribouillard/AFP

Pedimos a médicos e especialistas alguns esclarecimentos dos riscos ligados ao uso recreativo da MDMA e como amenizá-los.

O que é a MDMA?

A metilenodioximetanfetamina (MDMA) é uma droga psicoativa sintética desenvolvida e patenteada pela empresa farmacêutica alemã Merck em 1912. Foi ressintetizada em meados dos anos 1970 por Alexander Shulgin, químico da região de San Francisco especializado em psicodélicos, e começou a ganhar popularidade entre terapeutas que a usavam em conjunto com psicoterapia.

No início dos anos 1980, a MDMA já se tornara uma droga de uso popular em festas. Em 1985, a DEA (agência antidrogas dos EUA) incluiu a MDMA em sua lista de drogas estritamente proibidas, definidas como não tendo qualquer uso médico aceito na época e com alto potencial de abuso. A maioria dos outros países seguiu esse exemplo e também criminalizou a dusbtância.

Qual o nível de risco?

Apesar da classificação que recebeu da DEA, a MDMA é vista amplamente como sendo uma das drogas ilegais que encerram menos risco. Mesmo assim, usá-la fora de um contexto clínico pode ser perigoso. Em 2020, 3.211 pessoas receberam atendimento de emergência nos EUA por uso de MDMA, segundo a Administração de Abuso de Substâncias e Serviços de Saúde Mental.

Mortes relacionadas à MDMA acontecem ocasionalmente, embora sejam muito mais raras que as provocadas por várias outras drogas legais e ilegais, como álcool e cocaína, afirma Matthew Johnson, professor de psiquiatria e ciências comportamentais na Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins.

Ninguém sabe quão raros são esses óbitos porque não há dados confiáveis, diz o neurocientista Carl Hart, da Universidade Columbia. "Muitas pessoas cuja morte é classificada como sendo ‘relacionada a drogas’ têm várias drogas presentes no organismo, dificultando a diferenciação dos efeitos de cada substância, incluindo efeitos letais."

No Reino Unido, onde meio milhão de pessoas tomam MDMA por ano, são notificadas em média 60 mortes anuais ligadas à droga, a maioria das quais também envolvendo substâncias adicionais.

Os riscos inadvertidos

Um dos grandes riscos da MDMA usada fora de um contexto clínico é a potencial presença de substâncias adulterantes como metanfetamina e catinonas sintéticas ("sais de banho"). O fentanil não é detectado usualmente em amostras vendidas como MDMA.

"O risco maior da MDMA envolve drogas adulteradas", afirma psiquiatra Julie Holland, de Nova York, autora de "Good Chemistry" (Boa química, em português) e proponente do uso terapêutico da MDMA. "Quando é ilegal, você não sabe o que está ingerindo."

Sem testes adicionais também é impossível determinar a potência da MDMA em qualquer amostra dada, e isso pode ocasionar overdoses ocasionais. "As pessoas não têm ideia do grau de pureza da droga até sentir seus efeitos", diz Newcombe.

Os riscos físicos

Muitos dos riscos da MDMA à saúde estão ligados ao fato de ela ser um derivado da anfetamina, indica Matthew Baggott, neurocientista e CEO da Tactogen, empresa de biociências que está desenvolvendo moléculas semelhantes à MDMA para uso médico. A MDMA eleva a frequência cardíaca e pressão sanguínea. Também eleva a temperatura do corpo, ao mesmo tempo em que reduz sua habilidade de liberar calor.

Por essa razão a hipertermia, ou superaquecimento, pode ocorrer em determinados ambientes, como clubes, onde as pessoas podem dançar por horas a fio em ambientes de alta temperatura sem fazer pausas ou beber água, diz Matthias Liechti, professor de farmacologia clínica no Hospital Universitário de Basileia, na Suíça.

Os sinais de hipertermia incluem vermelhidão, tremores e ausência de transpiração, além de desorientação. O risco de superaquecimento aumenta se a pessoa consome MDMA demais ou se a droga é misturada com álcool ou outras substâncias, afirmaBaggott.

Outro problema mais raro, mas também potencialmente letal, é a hidratação excessiva. Isso geralmente ocorre quando um usuário de MDMA fica preocupado demais com a possibilidade de desidratação e ingere água "obsessivamente para evitar que isso ocorra", segundo Johnson.

A MDMA causa retenção de líquido, de modo que beber água em excesso pode causar hiponatremia, ou uma concentração anormalmente baixa de sódio no sangue. Isso, por sua vez, pode provocar edema cerebral, uma condição potencialmente fatal em que células cerebrais incham. A hiponatremia em usuários de MDMA é mais provável em mulheres, em função de efeitos hormonais naturais adicionais. Uma revisão de 2013 identificou 25 casos de hiponatremia ligada ao ecstasy, quase todos em mulheres de 15 a 30 anos, e mais de metade dos quais foram fatais.

Baggott diz que não há consenso em torno de quanta água é demais, mas, com base em pesquisa que ele publicou em 2016, um volume perigoso pode ser "cerca de dois litros, se consumido rapidamente".

Para evitar riscos como esses, o usuário "deve tomar muita água algumas horas antes de pretender tomar MDMA, para que comece bem hidratado", diz ele. Como a própria MDMA não provoca desidratação depois de ingerida, a pessoa não precisaria de líquido adicional, afirma –apenas o suficiente para repor o que se perde com transpiração ou vômitos, que ocorrem ocasionalmente.

Os riscos psicológicos

A MDMA não causa dependência do modo como fazem drogas como cocaína ou metanfetamina, em parte porque quanto mais frequentemente é tomada, "menos agradável é a sensação gerada", diz Holland. Mas algumas pessoas a usam em excesso. Pessoas que tomam MDMA semanalmente ou mesmo mensalmente às vezes relatam sentir ansiedade, depressão e problemas de memória.

Esses sintomas normalmente desaparecem depois de a pessoa parar de usar a droga com frequência, pontua Holland. "A regra geral é que ela deve ser usada apenas ocasionalmente, uma vez a cada três ou quatro meses, no máximo."

Diferentemente do LSD ou psilocibina, a MDMA não costuma encerrar risco de experiências mentais assustadoras como dissolução do ego, afirma Johnson. Mas às vezes provoca pânico e ansiedade. Em pessoas que viveram traumas, pode trazer memórias aflitivas à tona. "O que se diria que é uma ‘bad trip’ com MDMA geralmente é mais desespero emocional", diz Johnson.

A MDMA também pode causar vulnerabilidade emocional, por isso os usuários devem tomar cuidado com onde e com quem usam a drogas, recomenda Liechti. "Se você vai usar, o ideal é fazê-lo com pessoas que conhece e em quem confia."

Tradução de Clara Allain

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