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A sobrecarga feminina é uma realidade. É possível lidar com isso?

Edição da newsletter Todas fala sobre trabalho invisível das mulheres

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Victoria Damasceno
Victoria Damasceno

Editora de Saúde e Todas, é jornalista formada pela USP e foi pesquisadora na Universidade Howard (EUA)

São Paulo

Esta é a terceira edição da newsletter Todas, que apresenta discussões, notícias e reflexões pensadas para mulheres. Quer recebê-la às quartas-feiras no seu email? Inscreva-se abaixo:

Você não precisa cuidar de tudo

Cresci numa configuração familiar bem conhecida no Brasil. Quando meu irmão nasceu, o primogênito de três, minha mãe parou de trabalhar e passou a se dedicar à família. Meu pai, por outro lado, era quem trazia o dinheiro para dentro de casa.

Essa, porém, é a versão simplificada da história. A complexa mostra que, enquanto meu pai trabalhava para que uma vida relativamente confortável fosse possível, minha mãe e minha avó eram quem verdadeiramente viabilizaram tudo isso. Elas nos levavam de ônibus aos cursos e preparavam todas as refeições e lanches que comeríamos durante o dia. Lavavam a louça e as roupas, e limpavam a casa.

Demorei para perceber que o trabalho delas era tão ou mais difícil que o desempenhado pelo meu pai, que fora do horário comercial dificilmente era acionado, enquanto elas não tinham pausa, descanso ou remuneração.

Lidar com a sobrecarga exige autoconhecimento - Rawpixel/Adobe Stock

Por isso, quando li o tema da redação do Enem sobre os "Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil", lembrei delas.

Somos historicamente as principais responsáveis pelo cuidado. E pesquisas confirmam esse dado. Só em 2022, mulheres dedicaram 9,6 horas a mais do que homens em tarefas domésticas, segundo o IBGE. Existe apenas um afazer doméstico em que eles têm mais expressividade: nos reparos e manutenção da casa, dos eletrodomésticos e dos automóveis.

Um estudo da ONG Think Olga, publicado pela Folha neste mês, mostrou que 86% das brasileiras consideram ter muita carga de responsabilidade, e 48% sofrem com uma situação financeira apertada. Neste contexto, 28% se declaram como única ou principal provedora de seu lar, enquanto 57% daquelas entre 36 a 55 anos são responsáveis pelo cuidado direto de alguém.

O tema é amplo, atinge a muitas mulheres, e ganha complexidade em determinadas idades. Mulheres entre 40 e 60 anos, por exemplo, são as que usualmente fazem parte da chamada geração sanduíche. São aquelas que têm duas gerações, uma mais velha e outra mais nova, que dependem dos seus cuidados. Estão cercadas, por exemplo, pelos pais idosos que demandam ajuda, e os filhos, ainda dependentes, que exigem atenção.

Nas camadas mais pobres da população, o tema ganha outro contorno. Por receberem remunerações menores, mulheres de baixa renda se sentem mais úteis em casa cuidando das gerações que precisam delas do que no trabalho, segundo Simone Wajnman, professora da UFMG que foi ouvida nesta reportagem sobre o tema.

Não tenho filhos, mas meus pais dependem de mim. O medo de me tornar uma mulher ‘ensanduichada’ é um dos fatores que me faz questionar se colocar ou não uma criança no mundo é uma boa alternativa. Penso duas vezes se devo ou não assumir outras grandes responsabilidades.

Para a terapeuta familiar Simone Bambini Negozio, docente do Instituto de Terapia Familiar de São Paulo, estar atenta às responsabilidades de cuidado já presentes em nossas vidas antes de assumir novos deveres seria o cenário ideal. Outra reflexão, é entender se os afazeres devem ser feitos exclusivamente por você –o cuidado com os pais pode ser dividido com irmãos ou outros familiares? Com os filhos, há um parceiro que está falhando em fazer sua parte, por exemplo?

No caso de mães solo ou aquelas sem rede de apoio, o problema não é puramente pessoal nem deve ser tratado apenas de forma individual, tem que ser lidado por meio de políticas públicas. "Quando tenho mais desafios que recursos, estou vulnerável", diz a terapeuta. "Eu acho que as políticas públicas ainda precisam ser olhadas, porque aí a mudança está mais longe."

Para, então, equilibrar as responsabilidades do dia a dia, Negozio dá as seguintes dicas:

- Compartilhe o que está dentro e fora do seu alcance com sua família.

- Confie. "Se está na mão da outra pessoa, tenho que confiar. Tenho que ter uma maneira de não me importar se não vai ser do meu jeito", diz Negozio.

- Converse. Fale com o parceiro sobre como os afazeres podem ser encaixados no dia a dia de cada um e como usar habilidades individuais da melhor forma possível.

- "Largue a mão", porque se não, o outro pode ficar em uma relação de dependência com você.

- Entenda o que você dá conta. "Quem mais pode me ajudar? De que maneira aquilo pode ser compartilhado com outras pessoas? Quem seriam?", diz ela.

Para ler na Folha

Tratando de tema semelhante ao descrito aqui, a colunista Joanna Moura fala sobre o trabalho "visível" dos pais, que é reconhecido e remunerado. Os afazeres invisíveis das mães, porém, são o que garantem o funcionamento de tudo, diz ela.

Após a pandemia, cresceu a demanda por tratamento de saúde mental no SUS. Este texto, assinado por Danielle Castro, conta como você encontra auxílio para depressão e ansiedade na rede pública.

Aqui, a repórter Ana Bottallo mostra por que o risco de morte por infarto é maior em mulheres do que em homens. Uma das explicações: nossos sintomas são diferentes dos masculinos e, por isso, frequentemente desvalorizados.

Também quero recomendar

Para ler, o livro de Peter Attia, "Outlive: A Arte e a Ciência de Viver Mais e Melhor". Você pode entender um pouco do que se trata neste texto, mas adianto: é um estudo aprofundado e interessante sobre envelhecimento e longevidade. Ainda não terminei, confesso, mas não vejo como o livro pode me decepcionar (se for o caso, conto depois).

Para ouvir, o podcast Meu Inconsciente Coletivo, apresentado por Tati Bernardi. Recomendo especialmente este episódio, que fala sobre o que precisamos nos desprender para conseguir dormir melhor.

Para comer, essa receita do Marcão, de um torresminho simples, caseiro e gostoso. Aviso de antemão que você pode ter problemas com consumo excessivo de gordura após aprender a fazer essa delícia.

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