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O Brasil envelhece como a Europa?

Para especialistas, Brasil avança de maneira acelerada na transição demográfica rumo ao cenário europeu

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Jéssica Moura
DW

Os dados do Censo de 2022 revelaram uma nova configuração da população brasileira: a proporção de idosos com 65 anos ou mais atingiu o recorde de 10,9%, enquanto a de crianças e jovens até 14 anos caiu para 19,8%. Com isso, o país avança na transição demográfica rumo ao envelhecimento populacional que já é observado em países europeus, onde 21% da população tem mais de 65 anos.

A pirâmide etária brasileira, que apresentava uma base larga, encurtou e assumiu a forma de gota com a ampliação do topo. Em 12 anos, a parcela de idosos na população passou de 14 milhões para 22 milhões de habitantes. Em 2010, eles somavam 7,4% da população. Em 1980, esse número era ainda menor: apenas 4% dos brasileiros tinham 65 anos ou mais. Enquanto isso, o total de jovens até 14 anos encolheu em 5,8 milhões de indivíduos. No Censo anterior, somavam 24,1% da população.

A combinação de redução nas taxas de fecundidade e de mortalidade levou ao aumento no número de idosos, seja no Brasil ou na União Europeia. O gerente de Estimativas e Projeções de População do IBGE, Márcio Minamiguchi, explica que o resultado era esperado, mas a velocidade surpreendeu. "O Censo reflete esse contexto de diminuição no número de nascimentos e aumento da parcela idosa. A tendência é que esse processo venha a se acentuar no curto prazo".

Idosos caminham em praça em São Paulo
Idosos caminham em praça em São Paulo - Luiz Carlos Murauskas/Folhapress

Transição demográfica

No continente europeu, com a Revolução Industrial, a melhora nas condições sanitárias e os avanços medicinais e farmacêuticos derrubaram os índices de mortalidade geral e de mortalidade infantil. Por outro lado, a urbanização, a universalização do ensino, o aumento da renda da população, a emancipação de mulheres no mercado de trabalho, o adiamento da decisão de ter filhos e estratégias de planejamento familiar impulsionaram o declínio da fecundidade.

Enquanto isso, no Brasil, as condições socioculturais e econômicas que levam ao envelhecimento populacional ocorreram de maneira concomitante e são observadas desde os anos 1960. Nessa década, começou o processo de industrialização da economia, que atraiu trabalhadores para as cidades. Somam-se a isso a melhora nas condições de nutrição e saneamento básico e a ampliação do acesso a serviços de saúde e medicamentos.

Isso acarretou uma mudança nas causas de morte: doenças relacionadas ao envelhecimento, como câncer, doenças cardiorrespiratórias e crônicas, passaram a ser as maiores causas de óbito, ultrapassando as mortes por doenças infecciosas, respiratórias e parasitárias. Desse modo, a taxa de mortalidade geral caiu pela metade em apenas 20 anos: foi de 20,9 óbitos por mil habitantes, em 1940, para 9,8 em 1960. Em 2015, ela ficou em 6,08. Já a expectativa de vida, que era de 45,5 anos em 1940, chegou a 75,5 em 2022 para ambos os sexos.

As campanhas de vacinação em massa, programas de pré-natal e aleitamento materno, por sua vez, corroboraram com a redução da mortalidade infantil. O índice de óbitos de crianças até um ano era de 146 mortes para cada mil nascidas vivas em 1940. Em 2015, o indicador de era de 14 para cada mil. Em 2021, foi de 11,2.

Outro fator que impulsionou o envelhecimento populacional foi a queda na fecundidade, que o IBGE atribuiu à maior escolarização das mulheres. Desde os anos 1960, o acesso à educação foi ampliado com a massificação do ensino universitário. Além disso, houve a disseminação de métodos anticoncepcionais, como a pílula, e as mulheres passaram a adiar a maternidade.

A fecundidade no Brasil passou de 6,28 filhos por mulher, em 1960, para 1,9 filho por mulher em 2010, e 1,76 em 2021. Em 50 anos, a queda dessa taxa foi de 70%, segundo o IBGE.

"Há uma mudança de mentalidade em relação a quantos filhos se quer ter. Havia um ideal de família numerosa, agrária na década de 1950, em que era preciso ter muitos filhos para ajudar na lida. Com a maior urbanização, esse modelo de família grande já não cabe mais", diz a professora de demografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Luciana Lima.

Preparação para a mudança

A Europa passou por uma série de mudança ao longo de mais de 200 anos de envelhecimento populacional e, nesse longo período, fortaleceu o sistema de bem-estar social, alcançou a estabilidade econômica e até democrática. "A questão é que se estamos vivendo um processo mais acelerado e não o equacionamos do ponto de vista social, teremos um problema que pode chegar mais rápido, já que o Brasil tem uma população altamente numerosa e uma grande quantidade de pessoas vulneráveis socialmente", pondera Lima.

Ela argumenta que as políticas públicas devem se debruçar sobre demandas relacionadas à promoção da saúde (atendimentos pelo SUS e cuidados em casa) e assistência social. Também serão necessárias adaptações no transporte urbano, de modo que seja mais acessível aos idosos, assim como as condições de habitação e opções de lazer, por exemplo.

Esse cenário de menos nascimentos e mais longevidade tem outro efeito numérico: a redução na força de trabalho. Por isso, alguns países adotam medidas para aumentar a natalidade e recompor a População Economicamente Ativa (PEA), tendo em vista que esta chegou a 63,9% na União Europeia.

No caso da Alemanha, há incentivos financeiros como a possibilidade de dividir o período de licença entre os pais e o chamado Elterngeld (dinheiro dos pais), uma compensação à perda financeira de quem deixa de trabalhar ou reduz a carga horária para cuidar dos filhos. Há ainda políticas de migração, mas estrangeiros têm sido alvo de racismo nos países europeus.

Sustentar a previdência

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que o total de habitantes no Brasil deve encolher a partir de 2050 e chegar aos 177,9 milhões. Desses, 29,5% serão idosos com 65 anos ou mais. Os jovens até 14 anos devem somar apenas 13,5% da população, e a PEA, de 15 a 64 anos, poderá representar 57%. Em 2022, a PEA foi de 69,3% da população. Essa proporção da população impõe desafios aos governos para financiar o sistema de seguridade social.

"O Brasil tem se preparado, mas ainda precisa fazer muito. O país poderia ter feito muito mais investimentos nas juventudes para aproveitar de melhor forma a janela de oportunidade, quando o contingente de população jovem é o maior entre os grupos populacionais. Estou falando de educação, oportunidade de geração de emprego e renda, mais a oportunidade de ficar vivo também", diz Junia Quiroga, representante do Fundo de População das Nações Unidas no Brasil (UNFPA).

Lima concorda. "Quanto mais essas pessoas estiverem inseridas no mercado de trabalho e contribuindo para a Previdência, melhor para o sistema", acrescenta. Uma das estratégias é direcionar investimentos para educação e aumento da produtividade, uma vez que, com menos jovens, a demanda por vagas em escolas será menor e os investimentos podem se voltar à qualidade do ensino. "É preciso pensar hoje em um futuro em que os idosos serão a maioria. Envelhecer é um direito e um processo natural da vida".

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