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Cortar relações com a família é uma boa forma de terapia? Entenda

Debate acalorado explica se profissionais devem ou não sugerir essa prática

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Ellen Barry
The New York Times

Enquanto lutava para passar pelo segundo ano da faculdade, Zhenzhen passava horas fazendo terapia, mas não tinha abordado a tensão central em sua vida: seus pais.

Eles ligavam repetidamente para ela em seu campus da Universidade Midwestern, pressionando-a a cumprir suas expectativas —estudar negócios e voltar para a China, casar com um homem rico e criar filhos perto deles, ela diz. Quando ela resistia, seu pai gritava, afirma, e sua mãe chorava.

A pressão tornava difícil ser funcional, e Zhenzhen afastava pensamentos de suicídio. Mas quando ela levava essa dinâmica para seus terapeutas, "eles sempre defendiam a reconciliação e que 'a família é tudo'. Eles sempre olhavam o problema pela perspectiva dos pais", diz.

Comportamentos tóxicos dos pais podem ser prejudiciais para a autoestima de crianças - Fotolia

Foi quando ela descobriu Patrick Teahan, um assistente social em Massachusetts com um grande número de seguidores no YouTube. Os seus vídeos apresentaram a ela uma nova ideia —que para se curar de traumas infantis, pode ser necessário "cortar o contato" com pais abusivos. Cerca de metade dos clientes de Teahan restringem ou cortam os laços com suas famílias, o que ele descreve como "extremamente difícil", mas, quando apropriado, profundamente gratificante.

No site de Teahan, você pode preencher um "Teste de Família Tóxica", que mede sua família em uma escala de toxicidade de cem pontos. Você pode acessar um webinar que explica como escrever uma "carta de corte de contato". (Ele sugere: "Estou cortando relações com a família para ter espaço para me recuperar dessa relação tóxica e disfuncional.") Você pode se juntar à sua "Comunidade Mensal de Cura", onde os clientes se apoiam na empreitada solitária de se desconectar da família.

Zhenzhen, que pediu para ser identificada pelo primeiro nome, agiu assim que se formou e começou a receber um salário. O alívio foi quase imediato, afirma. Foi solitário no início, mas não por muito tempo. Através do site de Teahan, ela encontrou outros —sua "família escolhida", como os chama— que apoiaram sua decisão.

"Eu acho que ele salvou minha vida, de certa forma", ela diz.

Existem poucos dados sobre afastamento familiar que tornam difícil dizer se ele está aumentando. Karl Pillemer, sociólogo da Universidade de Cornell que conduziu a primeira pesquisa em larga escala sobre o assunto, descobriu que 27% dos entrevistados relataram estar afastados de um parente, o que equivale a cerca de 67 milhões de pessoas nos Estados Unidos. Pesquisas sugerem que é relativamente comum para pessoas na casa dos 20 anos se afastarem de um dos pais, mais frequentemente o pai, e que geralmente a ruptura não é permanente.

Mas o afastamento como um passo terapêutico tem crescido graças principalmente às redes sociais. O TikTok está repleto de relatos de usuários que dizem que os cortes melhoraram muito seu bem-estar. Há também um crescente número de livros de autoajuda sobre o assunto, desde "Guia Cristão para o Corte de Contato" até "Estabeleça Limites, Encontre Paz".

Se os profissionais de saúde mental devem ou não encorajar essa prática é amplamente debatido. Críticos afirmam que não há evidências científicas de que se separar da família seja benéfico para o paciente; pelo contrário, filhos afastados provavelmente perderão acesso a recursos financeiros e emocionais, que podem também prejudicar os familiares deixados para trás, como irmãos, netos e pais idosos.

À medida que começam a se organizar online, alguns pais estão examinando os terapeutas que endossam o afastamento argumentando que estão violando princípios éticos fundamentais. Os terapeutas são treinados para evitar impor suas próprias opiniões quando os pacientes contemplam decisões importantes e para defender o princípio de não causar danos. E, em sua maioria, são ensinados a considerar os relacionamentos familiares, mesmo os falhos, como uma parte importante de uma vida próspera.

Teahan, 47 anos, não tem receio de desafiar essas ideias.

Ele se afastou de sua própria família há quase 30 anos, quando a ideia ainda era marginal no campo da saúde mental. Isso mudou. Saindo da pandemia de coronavírus, o interesse em cortar ou reduzir o contato para curar traumas infantis cresceu tão rapidamente que Teahan reestruturou sua prática para atender a um público em massa.

"O movimento agora é quebrar uma norma cultural", ele diz. "A estrutura em torno de 'a família é tudo' está se desfazendo. Acho que é algo bom. Está ajudando as pessoas a verem as coisas de maneira diferente —que, independentemente da conexão, o abuso é abuso."

O Eco de uma ideia

Em entrevistas, os seguidores de Teahan o creditaram por mudar suas vidas.

Zhenzhen se inscreveu nos serviços de aconselhamento gratuitos oferecidos por sua faculdade, buscando ajuda para lidar com sua ansiedade, pensamentos suicidas e relacionamentos abusivos com homens. Quanto mais ela investigava, mais percebia esses sintomas como resultado de traumas na infância.

"Eu realmente achava que eles me amavam", ela diz sobre seus pais. Mas ao chegar à idade adulta, ela disse que seus pais esperavam que ela estruturasse sua vida em torno de suas necessidades, controlando-a por meio de vergonha e culpa. Seu pai, ela afirma, às vezes ficava explosivamente irritado, episódios que a assombravam em pesadelos.

Teahan, que a tratou individualmente e em grupo, foi o primeiro de seus terapeutas a sugerir que o problema não estava com ela, mas sim em como ela havia sido tratada, ela diz.

Ela enviou uma carta aos pais, explicando que estava cortando a comunicação por causa do abuso na família. Eles responderam com sua própria carta; ela a jogou fora sem abrir. Ela espera permanecer em terapia por anos, mas não tem dúvidas sobre o corte.

Não foi possível contatar seus pais para comentar.

Essa história é típica entre os admiradores de Teahan. Na casa dos 20 anos, Jess, especialista em comunicação de saúde, começou a explorar suas primeiras memórias e concluiu que seu lar não era apenas caótico, mas abusivo. Ela diz ter flashbacks de sua mãe a agarrando ou a perseguindo, memórias que a perturbavam tanto que ela tirou uma licença da pós-graduação.

"Foi como se eu tivesse essa caixa na minha cabeça, dessas coisas que aconteceram na infância que eu mantive fechadas", diz ela, 31, que pediu para ser identificada pelo primeiro nome para discutir assuntos familiares sensíveis. Seu terapeuta ouvia com simpatia enquanto ela descrevia o alcoolismo de sua mãe e suas mudanças de humor, mas, segundo ela, "ele me dizia coisas como, 'bem, seus pais vão morrer um dia, e você não vai se sentir triste?'"

Por iniciativa própria, Jess começou a restringir o contato —ela pulou o Dia de Ação de Graças em 2019— e depois "terminou" com seus pais no ano seguinte.

Mas cortar o contato a deixou se sentindo "completamente sozinha". Sua irmã mais nova não tinha as mesmas lembranças, o que fez Jess duvidar de si mesma. Seus pais continuavam tentando se reconciliar, e em alguns momentos ela pensou em ceder. "Eu os amo", afirma. "Eles me condicionaram a amá-los." Foi quando ela encontrou os vídeos de Teahan, que ela chamou de "verdadeiramente salvadores de vidas".

"Eu simplesmente senti, OK, há um profissional por aí" que acredita que "é saudável em algumas situações cortar o contato", diz ela. "É tão reconfortante para mim saber que não sou essa pessoa horrível".

"É só desvantagem"

A mãe de Jess, Dianne, descreve a experiência como "ser excluída".

Listando os marcos que ela perdeu nos últimos cinco anos —o aniversário de 30 anos de sua filha, as cerimônias de mestrado e doutorado— Dianne começou a chorar. "É meio como um processo de luto, mas eu não entendo como ela morreu ou por que ela morreu. Eu simplesmente não entendo o que aconteceu."

No início, ainda esperando por um caminho para a reconciliação, Dianne escreveu para Jess, sugerindo que se encontrassem com ambos os terapeutas presentes. Jess recusou, ela afirma, respondendo que "a dinâmica de nossa família era tóxica, abusiva e disfuncional e que estávamos em um impasse."

Isso foi cerca de quatro anos atrás. "Ainda não faz sentido para mim", diz Dianne, "como estamos em um impasse se nem falamos sobre nada?"

Somente quando ela contou a história para sua cabeleireira, Dianne descobriu que não estava sozinha; outra cliente do salão estava passando pela mesma situação. A realização de que "não era tudo culpa minha" foi avassaladora, diz Dianne. "Não tínhamos palavras", afirma. "Apenas corremos uma para a outra e nos abraçamos e choramos juntas."

Os pais têm sido lentos em se organizar, em parte porque muitas vezes estão intensamente envergonhados de admitir o que aconteceu. Mas as mesmas forças que conectam filhos afastados —redes sociais e provedores virtuais de saúde mental— estão os unindo. Nestes espaços protegidos, eles têm muito a dizer: Eles estão perplexos. Estão desolados. Estão com raiva.

Muitos pais encontram o caminho em Joshua Coleman, um psicólogo cujo livro, "Regras do Afastamento: Por Que Filhos Adultos Cortam os Laços e Como Curar o Conflito", descreve o afastamento e a reconciliação de sua própria filha. Coleman disse que seu grupo agora inclui 13 mil pais cujos filhos os cortaram.

"Na minha atuação, vejo as falas das gerações passando umas por cima das outras", diz Coleman. "As gerações mais jovens que estão em terapia, estão indo aos pais dizendo que foram traumatizadas, abusadas, negligenciadas —e os pais estão tipo, 'Do que diabos você está falando?'".

Por trás dessa onda de afastamentos, diz Coleman, está um limiar cada vez mais baixo para o que consideramos "trauma". Ele aconselha os pais a não se defenderem. Em vez disso, ele os orienta a escrever o que chama de "cartas de desculpas", pedindo desculpas por suas falhas e adotando a linguagem terapêutica que seus filhos estão usando.

Nessa negociação, ele explica, os filhos têm o poder. "Eu digo, isso não é terapia de casal —você não pode falar sobre como foi magoado ou traído. É mais como se seu cônjuge estivesse disposto a lhe dar outra chance", afirma. Enquanto o afastamento pode ter algum benefício para os filhos adultos, "para os pais, é só desvantagem —vergonha, culpa, arrependimento", diz ele.

Alguns pais acham essa postura muito passiva; uma mãe a rejeitou de forma ácida como "rasteira". E alguns têm direcionado sua atenção para terapeutas. Depois que sua filha cortou o contato com ela, Katy Murphy, uma conselheira de saúde mental em Iowa, começou a examinar os clínicos licenciados que incentivam cortes familiares nas redes sociais.

Tais clínicos estão em violação dos princípios éticos em psicoterapia, diz Murphy, que treina terapeutas em início de carreira na Universidade de Dakota do Sul. "Um terapeuta deve ser neutro, ponto final", diz ela. "Não expressamos nossa opinião. Nosso sistema de crenças pessoais fica do lado de fora, e entramos como uma tela em branco."

No início deste ano, Murphy começou a denunciar terapeutas aos conselhos de licenciamento. "Minha opinião pessoal é que os terapeutas do TikTok estão destruindo a confiança e profissionalismo que levaram muito tempo para serem construídos neste campo", afirma. "O que eles querem é gerar receita", acrescenta. "Todos têm podcasts. Todos têm livros."

Até agora, no entanto, ela não viu resultados de seus esforços. "Tudo o que posso fazer é tornar isso conhecido".

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