Entidades se armam para batalha judicial sobre cigarro com sabor

Com empate no STF, empresas podem tentar permissão de venda em outras instâncias

Natália Cancian
Brasília

Após a discussão em torno da proibição aos cigarros com sabor registrar empate no STF (Supremo Tribunal Federal), representantes da indústria do cigarro e entidades sanitárias se preparam para uma nova guerra judicial sobre o tema.

Detalhe da mão de homem que segura cigarro entre os dedos. Em cima da mesa, a sua frente, há um cinzeiro.
Regra da Anvisa proíbe a comercialização de cigarros com sabor no país - Eduardo Knapp/Folhapress

Nesta sexta (2), a Procuradoria da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que regula o setor, iniciou uma força-tarefa para verificar todos os processos que questionam o veto dado pela agência em 2012 aos chamados "aditivos", substâncias adicionadas aos cigarros para dar sabor e aroma a esses produtos —caso do mentol, por exemplo.

A ideia é aumentar a contraofensiva na Justiça e evitar novas liminares desfavoráveis à agência.

Nos bastidores, membros da indústria do cigarro prometem o mesmo.

Isso ocorre porque, com o placar empatado em 5 a 5 no STF, uma liminar que suspendia a norma da Anvisa contra o uso de aditivos em cigarros saiu de cena, e a resolução foi mantida.

A indústria, porém, ainda poderá entrar com ações em outras instâncias.

"Há várias iniciativas da indústria do tabaco, como a inclusão de aditivos que disfarçam o sabor, que podem induzir crianças e adolescentes a experimentarem cigarros e se tornarem fumantes. Isso pode reverter a tendência de redução do tabagismo verificada nos últimos 25 anos, com gravíssimo impacto na saúde pública. Continuaremos a apresentar os argumentos técnicos e legais sempre que houver novas ações", disse em nota o diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Jarbas Barbosa.

Atualmente, há ao menos outras duas decisões semelhantes concedidas por tribunais federais à indústria ainda válidas.

Para a Abifumo (Associação Brasileira da Indústria do Fumo), isso indica que o cigarro com sabor deve continuar mais tempo no mercado.

"Isso significa dizer que tais decisões, como a liminar obtida pelo Sinditabaco da região Sul, continuam válidas e permitem a cadeia produtiva continuar vendendo produtos com ingredientes até que decisões finais nesses processos sejam tomadas", afirma a associação, em nota.

Para o ministro da Saúde, Ricardo Barros, o impasse judicial é "provisório".

"O fato de que um juiz pode dar uma liminar para autorizar uma indústria a manter esse tipo de produção é um fato provisório, porque nos recursos a matéria já está decidida", afirmou em evento nesta sexta.

Em seguida, fez um apelo para que juízes analisem o tema do ponto de vista da saúde. "Vamos contar com o bom senso dos senhores magistrados em proteger a saúde da população."

'Vitória'

Apesar do impasse na Justiça, representantes de entidades na área da saúde comemoraram a possibilidade de que a norma da Anvisa possa, finalmente, entrar em vigor.

Aprovada em 2012, a resolução estava prevista para entrar em vigor no ano seguinte, mas foi suspensa após liminar da ministra Rosa Weber. O pedido partiu da CNI (Confederação Nacional da Indústria).

Para as entidades e Anvisa, no entanto, o veto aos aditivos é importante uma vez que essas substâncias, ao mascarar o gosto do tabaco, podem estimular a iniciação de crianças e adolescentes ao fumo. Também acabam por potencializar a ação da nicotina, facilitando a dependência.

"A questão de recorrer é uma questão jurídica. Temos uma preocupação, sim, mas entendemos que foi uma grande vitória contra o tabagismo e pelo fortalecimento da Anvisa", disse o vice-diretor substituto do Inca (Instituto Nacional do Câncer), Glécio Mendes.

"O aditivo ao cigarro é uma das grandes formas de indução do início de consumo do tabaco entre crianças e adolescentes, que é a fase que temos mais preocupação", diz.

Dados da pesquisa Vigitel apontam que 10% da população adulta brasileira é fumante. Entre os jovens, ao menos 18,5% dos estudantes brasileiros de 12 a 17 anos também já experimentaram cigarro, segundo dados do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (Erica).

Mônica Andreis, da ACT Promoção da Saúde (antiga Aliança de Controle do Tabagismo), avalia que, além do caso dos aditivos, a decisão no STF foi importante ao reconhecer o papel da Anvisa, outro ponto que era questionado pela indústria.

"Foi uma decisão importante, porque reconheceu a autoridade da Anvisa em regular produtos de tabaco e a constitucionalidade da norma que proíbe aditivos", afirma.

Para ela, o fato da indústria recorrer em outras instâncias não deve inviabilizar a norma.

"Pode ser que a indústria consiga alguma liminar? Pode. Porém o peso da decisão do STF também é grande. Apesar de não ter sido a ideal [por não ter efeito vinculante], é uma decisão importantíssima e que vai acarretar a proibição dos aditivos no Brasil", diz.

Ela lembra que, meses após a resolução, em 2012, a própria indústria lançou no mercado produtos "puro tabaco". "Além de toda a parte técnica, avaliando a necessidade de se proibir os aditivos, a própria indústria mostrou que pode produzir sem aditivos", avalia

Já o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, formado pela indústria, divulgou nota dizendo que o veto aos aditivos pode aumentar a procura dos consumidores ao comércio ilegal. "Esta decisão aumenta muito a insegurança para o setor, e irá estimular ainda mais o aumento do contrabando", informa.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.