Descrição de chapéu The New York Times

Clipe reduz mortalidade em pacientes com insuficiência cardíaca severa

O coração de quem tem a doença se dilata e não consegue bombear sangue o suficiente para o corpo

Gina Kolata
Nova York | The New York Times

Quase dois milhões de americanos sofrem de insuficiência cardíaca severa. Para eles, tarefas corriqueiras podem ser extraordinariamente difíceis.

Com a dificuldade de trânsito do sangue pelos vasos, pacientes podem ficar sem fôlego simplesmente por atravessar uma sala ou subir um lance de escadas. Alguns precisam dormir sentados, para evitar dificuldades respiratórias.

Remédios podem ajudar a controlar os sintomas, mas o avanço da doença é inexorável e a maioria das pessoas com insuficiência cardíaca severa não sobrevive por muito tempo. Até agora, havia pouco que os médicos pudessem fazer.

No domingo, porém, pesquisadores publicaram um artigo afirmando que um pequeno clipe inserido no coração é capaz de reduzir drasticamente o índice de mortalidade em pacientes com insuficiência cardíaca severa.

Dispositivo MitraClip, na ponta de um cateter
Dispositivo é inserido com o auxílio de um cateter robótico - Reprodução

Em um grande teste clínico, médicos constataram que os pacientes eram menos hospitalizados e descreveram uma melhora drástica em sua qualidade de vida, com menos sintomas.

Os resultados, divulgados em um evento médico em San Diego e publicados pelo New England Journal of Medicine, foram mais encorajadores do que os especialistas cardíacos esperavam.

"É um imenso avanço", disse Howard Herrmann, diretor de cardiologia interventiva na Universidade da Pensilvânia, que indicou alguns pacientes para o estudo. "O estudo demonstra que podemos tratar essa doença e gerar resultados melhores do que imaginávamos no passado".

Se o aparelho for aprovado pela FDA (agência americana de fiscalização e regulamentação de alimentos e remédios) para o tratamento de insuficiência cardíaca severa, como esperado, as operadoras de planos de saúde e programas federais de saúde, como o Medicare, provavelmente cobrirão os custos de tratamento.

Na insuficiência cardíaca, o coração é danificado e fica flácido, muitas vezes em consequência de um ataque cardíaco. O músculo passa a bombear de maneira insuficiente e, em uma tentativa de compensar a insuficiência, o coração se expande e se deforma.

O órgão expandido arrasta a valva mitral, que controla o fluxo de sangue do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo. A valva distorcida funciona mal, e suas válvulas se separam [a estrutura formada pelo conjunto de válvulas recebe o nome de valva]. O sangue que deveria ser bombeado para o corpo retorna ao coração e pulmões.

Isso causa um círculo vicioso. O coração se expande, e com isso há vazamento. A valva mitral defeituosa causa expansão ainda maior do coração, que busca compensar a falha, e a insuficiência cardíaca se agrava.

No novo estudo, um aparelho chamado MitraClip foi usado para reparar a valva mitral, unindo as duas válvulas em posição centralizada. (O clipe é produzida pelo Abbott, que bancou os custos do estudo; especialistas externos revisaram os dados dos testes.)

O resultado significa converter uma valva que mal e mal funciona em uma valva capaz de regular o fluxo de sangue de e para o coração.

Até agora, os pesquisadores não estavam seguros de que reparar a valva mitral ajudaria os pacientes. Um estudo semelhante na França, com pacientes em situação parecida, não identificou benefícios no uso do MitraClip.

Mas a pesquisa francesa não incluía número significativo de pacientes com problemas de valva menos severos, os procedimentos de inserção foram executados com menos eficiência, e a medicação dos pacientes não foi otimizada com a mesma eficiência da usada no novo estudo.

No novo teste, 614 pacientes com insuficiência cardíaca severa, dos Estados Unidos e Canadá, foram selecionados aleatoriamente para receber um MitraClip e tratamento médico convencional ou continuar apenas com o tratamento convencional.

Entre as pessoas que receberam apenas o tratamento convencional, 151 foram hospitalizadas por insuficiência cardíaca nos dois anos posteriores ao início do tratamento. Sessenta e um dos pacientes morreram.

Em contraste, apenas 92 dos pacientes que receberam o aparelho foram hospitalizados por insuficiência cardíaca, e 28 deles morreram.

Os resultados despertaram otimismo incomum entre alguns dos mais conhecidos pesquisadores desse campo. O teste "envia uma mensagem muito, muito poderosa", disse Gilbert Tan, cirurgião cardíaco do Mount Sinai Medical Center, que indicou um paciente ao teste.

"Isso muda o jogo. É muito importante", disse Matthew Williams, diretor do programas de valvas cardíacas da NYU Langone Health, que indicou alguns pacientes para o estudo.

As estimativas quanto ao número de pacientes de insuficiência cardíaca em situação parecida com a dos participantes do teste é de entre 1,6 milhão e 2,5 milhões nos Estados Unidos, disse Williams. Ele acrescenta, no entanto, que o número de pessoas que serão tratadas é menor que o número de pessoas que poderiam ser tratadas.

O aparelho custa US$ 30 mil, sem contar os custos hospitalares e os honorários médicos: o procedimento requer um cirurgião, um cardiologista intervencionista e um ecocardiologista, além de outros profissionais de sala de cirurgia.

Os médicos que executaram as inserções tiveram primeiro de demonstrar sua capacidade de fazê-lo. Um grupo de especialistas independentes verificou que o tratamento dos pacientes fosse otimizado; é bastante frequente que os pacientes de insuficiência cardíaca recebam tratamento pior que o ideal.

Os pacientes de insuficiência cardíaca severa muitas vezes estão gravemente doentes e não estão aptos a passar por cirurgia cardíaca aberta para substituição da valva mitral. "Não vale o risco", disse Gregg Stone, do Centro Médico da Universidade Columbia, o diretor científico do estudo.

Stone não reportou conflito de interesses, ao ser contatado, mas informou que a Universidade Columbia recebe royalties pela venda do MitraClip.

No entanto, o novo procedimento é menos invasivo do que uma cirurgia cardíaca aberta.O cardiologista guia o aparelho até o coração depois de inseri-lo em um vaso sanguíneo da virilha. Ao chegar ao coração, o MitraClip é guiado até a valva, e usado para prender uma válvula à outra.

 

Nem todo cardiologista está preparado para a inserção do clipe. "São procedimentos difíceis que requerem treinamento e dedicação", disse Herrmann.

Durante o procedimento, por exemplo, uma pequena câmera de ecocardiograma é colocada no esôfago do paciente, por trás do coração, para mostrar aonde o cateter que carrega o clipe está indo.

Os médicos precisam observar uma tela de raio-X e um ecocardiograma para orientar o clipe em seu percurso para a valva mitral. Quando o clipe chega, "é preciso olhar o que você está agarrando, para obter um bom resultado", disse Tang.

O aparelho já foi aprovado pela FDA para pacientes frágeis demais para cirurgia, mas cujos corações estão bem exceto por uma valva mitral defeituosa.

Os cardiologistas previram que a FDA aprovaria rapidamente o aparelho para pacientes com insuficiência cardíaca severa, igualmente. Ele já é usado na Europa para tratar esses pacientes, mas não havia estudos rigorosos demonstrando que funciona.

O resultado do novo teste promete alterar as perspectivas de muitas pessoas que sofrem de insuficiência cardíaca severa e não dispõem de muitas opções. "Isso mudará a forma pela qual tratamos esses pacientes", disse Williams.

É possível, afirma ele, que muita gente viesse a ter resultados muito melhores em cirurgias de reparo de valva mitral se não estivesse tão frágil ao passar por elas.

"Talvez precisemos começar a intervir mais cedo", ele disse.

Tradução de Paulo Migliacci

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