Descrição de chapéu The New York Times

Facebook detecta risco de suicídio e ganha papel complexo de saúde pública

Programa coleciona sucessos, mas especialistas questionam clareza do processo e avaliações compulsórias

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Natasha Singer
Nova York | The New York Times

Um policial que fazia plantão noturno em uma cidade de Ohio recebeu uma ligação incomum do Facebook.

Uma moradora local havia postado uma mensagem dizendo que pretendia se matar assim que chegasse em casa. O Facebook alertou a polícia.

O policial localizou a mulher, mas ela negou que estivesse pensando em se matar, diz o boletim de ocorrência. Ainda assim, disse que ela teria de ir ao hospital —voluntariamente ou sob custódia.

No fim, ela passou por uma consulta psiquiátrica —tudo por causa da intervenção do Facebook.

Delegacias de diversas partes do mundo receberam alertas semelhantes nos últimos meses como parte de um programa de identificação de ameaças de suicídio, no que pode ser o maior esforço mundial da área.

A rede social ampliou esforços depois que diversas pessoas transmitiram tentativas de suicídio ao vivo em 2017. 

Algoritmos vasculham posts, comentários e vídeos de em busca de indicações de risco imediato de suicídio. Quando um post é classificado como de risco, seja pelo algoritmo ou por informações enviadas por um usuário, o caso passa por revisão de humanos, que estão autorizados a contatar as autoridades.

“No ano passado, ajudamos os serviços de emergência a chegar rapidamente a 3.500 pessoas que precisavam de ajuda, em todo o mundo”, disse Zuckerberg em novembro.

Mas especialistas em saúde mental afirmam que a iniciativa pode causar danos —ao precipitar suicídios involuntariamente, ao compelir não suicidas a passar por avaliações psiquiátricas, ou ao gerar detenções ou trocas de tiros.

A ascensão do Facebook como árbitro dos distúrbios mentais coloca a rede social em uma posição complicada, em um momento no qual ela está sendo investigada por autoridades regulatórias por conta de deslizes quanto à privacidade de seus usuários, e em que vem sofrendo escrutínio por não reagir com rapidez a campanhas de interferência eleitoral e promoção de hostilidade étnica. 

A campanha de prevenção de suicídios dá ao Facebook a oportunidade de retratar seu trabalho como uma história positiva. O suicídio é a segunda maior causa de morte entre as pessoas de 15 a 29 anos de idade, de acordo com a OMS. 

No entanto, a empresa não revela como exatamente decide se vai contatar os serviços de emergência. Críticos dizem que o Facebook assumiu a autoridade de uma agência de saúde pública mas que continua a proteger seus processos decisórios como se fossem segredos empresariais.

O Facebook afirma que trabalhou com especialistas em prevenção de suicídios para desenvolver um programa abrangente e que contata os serviços de emergência apenas em uma minoria dos casos, quando os usuários parecem estar em risco iminente de causar danos graves a si mesmos.

“Embora nossos esforços não sejam perfeitos, decidimos errar pelo lado da cautela, e oferecer ajuda o mais rápido possível às pessoas que necessitam dela”, afirmou a porta-voz Emily Cain, em comunicado.

O Facebook diz que o sistema funciona em todo o mundo, em inglês, espanhol, português e árabe —mas não na União Europeia, cujas leis de proteção de dados restringem a coleta de dados pessoais.

Em um caso, em maio, o Facebook ajudou policiais de Rock Hill, Carolina do Sul, a localizar um homem que estava transmitindo seu suicídio ao vivo. Além de descrever o que via no vídeo —árvores, placa de rua—, o funcionário revelou latitude e longitude da transmissão. A polícia da cidade agradeceu a ajuda. O homem tentou fugir, mas foi levado ao hospital.

“Duas pessoas ligaram naquela noite mas não foram capazes de dizer onde ele estava”, disse Courtney Davis, operadora de telecomunicações da polícia de Rock Hill.

Courtney Davis, da polícia de Rock Hill, que foi contatada pelo Facebook, e Bruce Haire, que encontrou suicida
Courtney Davis, da polícia de Rock Hill, que foi contatada pelo Facebook, e Bruce Haire, que encontrou suicida - Logan R. Cyrus/NYT

Cain, do Facebook, disse que nem sempre a ajuda chega a tempo. “Lamentamos muito por essas pessoas e suas famílias quando acontece.”

Mason Marks, que estuda direito da saúde, argumenta que o programa do Facebook representa prática da medicina. Ele diz que o governo deveria regulamentá-lo e requerer que a empresa ofereça informações de segurança e efetividade. Nesse clima de desconfiança em relação ao à rede social, “me preocupa que o Facebook esteja basicamente dizendo que temos de acreditar nele.”

Cain discorda que o programa equivalha a uma triagem de saúde. “São questões complexas e por isso trabalhamos sempre em estreito contato com especialistas”. 

Tradução de Paulo Migliacci

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