Folha busca Momo por dois dias no YouTube Kids, mas figura não aparece

Espalhar o boato, que é o novo terror de pais e mães, pode torná-lo realmente prejudicial

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São Paulo

A notícia falsa da vez envolve preocupação de pais, relatos de choros dos filhos e ação de "trolls" da internet. Tudo envolve a figura grotesca Momo, que supostamente está presente em vídeos do YouTube Kids ensinando crianças a se matar.

A reportagem da Folha passou dois dias assistindo a vídeos no YouTube Kids à procura de Momo. A busca começou com as animações que teriam a imagem bizarra, segundo relatos nas redes sociais, e depois continuou com as recomendações de vídeos oferecidas e sua reprodução automática. 

Ilustração da personagem Momo
Ilustração da personagem Momo - Tracy Ma/The New York Times

Em meio a vacas comendo hambúrgueres azuis e andando de costas e sucos feitos com uvas de plástico, a imagem de Momo não foi vista nenhuma vez. O YouTube declarou que não há evidências da aparição de Momo em nenhum vídeo de sua plataforma. 

No entanto, em uma busca sobre a personagem bizarra no Google a reportagem achou um vídeo de uma animação que, após alguns minutos, é interrompida com imagem de um homem que dá indicações sobre automutilação, em inglês. 

O vídeo era citado como exemplo contraindicado a crianças em um blog que alertava pais sobre possíveis riscos do YouTube. Procurada, a empresa não respondeu até a publicação desta reportagem.

Liubiana Arantes, neurocientista e presidente do departamento científico de comportamento e desenvolvimento da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), diz que o pânico gerado pelo Momo é um eco do jogo Baleia Azul, de 2017. À época, Thiago Tavares, presidente da ONG Safernet, disse que a história falsa acabou virando realidade com a atenção da mídia.

"Os pais têm que ter maturidade e discernimento para saber o que vão divulgar e compartilhar, até para serem exemplo para as crianças de uso consciente da tecnologia."

Arantes afirma que mostrar o conteúdo ou divulgar a história na tentativa de alertar as crianças sobre os perigos tem o efeito contrário. "Quanto mais os pais divulgam, mais o boato ganha força. Se ninguém divulgasse, o risco de que crianças recebessem essas mensagens seria mínimo." Ou seja, quem procura acha.

Originalmente, Momo é uma escultura do artista japonês Keisuke Aiso, apresentada em 2016 na Galeria Vanilla, em Tóquio, segundo o site Know your Meme, que rastreia a origem de memes.

A escultura bizarra passou a aparecer em publicações de Instagram e ganhou espaço em fóruns de internet fora de seu contexto original. O rastreio da origem de Momo indica que ela vem de página de trolls, com chamadas sensacionalistas e imagens aleatórias em busca de cliques.

Reportagens sem evidências em jornais pelo mundo só ajudaram a espalhar o boato e o medo. Na Argentina, um tabloide ligou Momo ao suicídio de uma menina. Na Índia se alastraram relatos não confirmados e de origem pouco substanciada sugerindo que Momo teria levado a suicídios reais no ano passado.

Em fevereiro deste ano, um jornal escocês reportou que uma mãe disse que seu filho teria tido contato com a imagem de Momo enquanto assistia vídeos de pegadinhas. Em seguida, uma escola do Reino Unido fez a alegação de que havia sido avisada de que a figura Momo estava aparecendo em vídeos no Youtube Kids, mais uma vez sem nada concreto a apresentar. 

A história chegou ao celular de Kim Kardashian que postou em 26 de fevereiro sobre o suposto desafio para os seus 131 milhões de seguidores. 

Veículos internacionais avisaram que não passava de fake news, mas ainda assim o pavor foi se espalhando pelas redes sociais até chegar ao Brasil e inundar os grupos de WhatsApp de pais e mães daqui. 

Departamentos policiais e administradores escolares também divulgaram o fenômeno como uma ameaça verificada e iminente, com base em relatos de segunda ou terceira mão de crianças aflitas transmitidos pelos pais.

Em agosto de 2018, por exemplo, a Polícia Civil de Pernambuco começou a investigar se a morte por enforcamento de um menino de nove anos, no Recife, estava ligada a Momo. O caso, ainda sem data para conclusão das investigações, fez com que escolas de diferentes regiões do Brasil disparassem alertas.

Os comunicados encaminhados aos pais de crianças e adolescentes, de maneira geral, apresentam a "Boneca Momo" como uma isca plantada por criminosos para roubar dados pessoais e propor desafios que podem levar à morte —mas não há evidências disso, frisa-se. "Orientamos os pais que fiquem atentos e conversem com seus filhos para evitarem maiores problemas", diz comunicado de um dos Colégios Maristas.

Quando o assunto é internet, uma boa dica é que os pais só permitam que os filhos entrem em redes sociais a partir dos 13 anos ou até mais tarde, dependendo da maturidade das crianças. Além disso, acompanhá-las na vida online —estar de olho em postagens e até dividir senhas em alguns casos— pode garantir um pouco mais de segurança. 

A Sociedade Brasileira de Pediatria indica que o uso diário de tecnologia seja limitado: máximo de 1 hora por dia para crianças entre 2 e 5 anos, com acompanhamento e explicações dos pais.

A Academia Americana de Pediatria indica que para crianças maiores de 6 anos deve-se colocar limites de tempo para uso de telas.


Perguntas e respostas para pais

Com que idade devo deixar meu filho criar um perfil nas redes sociais? 
Especialistas recomendam respeitar a norma das próprias redes —quase sempre, a idade mínima é 13 anos, mas vale analisar cada caso

Devo ter a senha das contas do meu filho? 
Se os pais acham que o filho tem maturidade para criar um perfil, não deveria ser necessário compartilhar a senha —o que não significa deixá-los sem supervisão. O importante é acompanhar o que eles postam e até, de vez em quando, entrar no perfil junto com eles, e não escondido

Como saber se tem algo errado acontecendo com meu filho nas redes? 
Crianças e jovens que passam por problemas como bullying ou abuso na internet costumam mudar a atitude. Ansiedade, tristeza, variações bruscas de humor, mudanças no sono e na alimentação são alguns sinais

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