Após pressão de Bolsonaro, Ministério da Saúde retira do ar nota técnica que cita acesso a aborto legal

Medida ocorre após presidente distorcer documento que previa manutenção, durante pandemia, de acesso a contraceptivos e aborto em casos previstos em lei

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Brasília

Após pressão do presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Saúde decidiu cancelar e retirar do ar uma nota técnica que citava necessidade de que o acesso a métodos contraceptivos e a serviços de aborto nos casos previstos em lei fossem mantidos em meio a pandemia do novo coronavírus.

A revogação ocorre depois de o presidente afirmar, por meio das redes sociais, que o ministério tentava identificar a autoria do texto.

Na postagem, Bolsonaro chamou o documento de "minuta de portaria apócrifa sobre aborto que circulou na internet".

O documento, no entanto, não era uma portaria, mas uma nota técnica elaborada pela equipe da Coordenação de Saúde da Mulher, que faz parte da secretaria de atenção primária da pasta. Também não era apócrifo, mas assinado por três coordenadores e uma diretora da área, e elaborado com apoio da Organização Pan-americana de Saúde.

A postagem de Bolsonaro ocorreu após o texto ser repercutido em sites bolsonaristas. Ao comentar o documento nas redes sociais, Bolsonaro disse que o ministério "não apoia qualquer tentativa de legalização do aborto, caso que está afeto ao Congresso".

"Outrossim, como já declarado em inúmeras oportunidades, o Presidente Jair Bolsonaro é contrário a essa prática", continuou, citando a frase como de autoria do ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello —o qual chamou na postagem de "Fernando Pazuello".

Apesar da citação do presidente, o texto da nota técnica revogada não citava proposta de legalização do aborto de forma geral, mas apenas a manutenção de serviços em hospitais para os casos previstos em lei, hoje restrito a situações de gravidez após estupro, risco à vida da mãe e fetos anencéfalos.

Divulgado na segunda-feira (1º) em sistema interno do Ministério da Saúde e distribuído para estados e municípios, o texto trazia recomendações para manter serviços de atenção à saúde das mulheres durante a pandemia da Covid-19.

Para isso, a nota técnica citava posicionamento da Organização Mundial de Saúde de que unidades de saúde que ofertam serviços como oferta de contraceptivos "são consideradas essenciais, e não devem ser descontinuados durante a pandemia".

Trazia ainda projeções internacionais que apontam risco de aumento em casos de gravidez não planejada por falta de acesso a contraceptivos e também por estupro, em um contexto de aumento de casos de violência contra a mulher.

"Portanto, devem ser considerados como serviços essenciais e ininterruptos a essa população: os serviços de atenção à violência sexual; o acesso à contracepção de emergência; o direito de adolescentes e mulheres à SSSR [saúde sexual e reprodutiva] e abortamento seguro para os casos previstos em Lei; prevenção e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis, incluindo diagnóstico e tratamento para HIV/AIDS; e, sobretudo, incluindo a contracepção como uma necessidade essencial", apontava o texto.

Em seguida, recomendava ações básicas à rede, como aumentar informações sobre métodos contraceptivos e ampliar o prazo de receitas para 90 dias, manter dispensação de pílula de emergência e oferta de DIU e "reiterar a continuidade dos serviços de assistência a casos de violência sexual e aborto legal."

Apesar de o documento não propor mudanças na prática em relação ao que já ocorre, Bolsonaro voltou a criticar o documento nesta quinta, dizendo que tinha sido feito de "má fé".

"Desculpa o linguajar, fez para sacanear, porque a nota circulou. Eu sou contra o aborto e, no que depender de mim, não terá aborto", disse ele, segundo quem o ministro não tinha conhecimento da nota.

Nesta quinta, porém, após a pressão de Bolsonaro, a nota foi revogada.

Em nota, o Ministério da Saúde justificou a medida dizendo que o documento foi elaborado pela equipe da coordenação, mas se tratava de uma minuta de nota técnica, a qual "não foi demandada nem apreciada por esta Secretaria de Atenção Primária à Saúde" e foi divulgada "indevidamente".

"Desta forma, a referida minuta não possui legitimidade desta secretaria e o assunto em comento não foi discutido no âmbito do Ministério da Saúde", informou.

Em seguida, disse ter tomado "medidas administrativas para "identificar a falha processual e os responsáveis pela elaboração e divulgação não autorizada da referida minuta."

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