Descrição de chapéu Coronavírus Governo Bolsonaro

Bolsonaro explora mal-entendido da OMS para defender flexibilização da quarentena

Epidemiologista da OMS disse que trasmissão por assintomáticos é rara, mas estudos contestam a fala

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Brasília

O presidente Jair Bolsonaro defendeu nesta terça-feira (9) uma flexibilização do isolamento social e a volta à normalidade mesmo após o país ter se tornado o terceiro no ranking de mortes provocadas pelo novo coronavírus. Em reunião ministerial, o presidente, que costuma fazer críticas à OMS (Organização Mundial de Saúde), citou declaração não conclusiva feita pela chefe do programa de emergências da entidade mundial para pregar a retomada da atividade econômica.

Na segunda-feira (8), a epidemiologista Maria van Kerkhove afirmou que a transmissão da doença por pacientes sem sintomas parece ser rara. A declaração foi baseada em um estudo pequeno e não alterou a recomendação do órgão de saúde de manter o isolamento social.

A epideomologista ressaltou que é preciso diferenciar assintomáticos de pré-sintomáticos. E afirmou que a contenção do coronavírus pode ser mais rápida com a identificação e o isolamentos dos casos sintomáticos. O Brasil, no entanto, realiza poucos testes para a doença em comparação a outros países.

Modelos epidemiológicos e dados experimentais mostram que não é preciso estar com sintomas graves da doença para que seja possível transmitir facilmente o vírus. Há indícios de que o pico de produção e exportação das partículas virais acontece logo nos primeiros dias de sintomas e que esse processo talvez já esteja acontecendo ainda na fase assintomática da doença.

"Esse pânico que foi pregado lá atrás por parte da grande mídia começa talvez a se dissipar levando em conta o que a OMS falou por parte do contágio dos assintomáticos", disse Bolsonaro.

Ao defender a volta à normalidade e o fim do que chamou de pânico pregado pela mídia, Bolsonaro falou sobre "consequências do confinamento" e citou a situação de crianças que não estão tendo aulas.

"A própria Damares [Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos] talvez fale sobre as consequências desse confinamento. No tocante à violência doméstica, abusos, depressões, a questão da garotada em escola. O que influenciou na vida dessas crianças que estão em casa e não na escola", declarou.

Apesar da defesa feita no início do encontro, o presidente reconheceu, no final da reunião, que a avaliação feita pela epideomologista sobre os assintomáticos ainda não é comprovada.

Na reunião desta terça-feira (9), que foi pela primeira vez televisionada, o presidente disse ainda que a declaração da chefe do programa de emergências vai abreviar políticas de contenção no Brasil, como o isolamento e o lockdown.

"Quem sabe, após essa declaração, poderemos voltar à normalidade que tínhamos no começo deste ano”, disse. "Essa informação vai mudar, sim, com toda a certeza, a orientação de governadores e prefeitos sobre isolamento e confinamento."

O encontro foi televisionado em uma tentativa do presidente de alterar a impressão pública deixada pela reunião de 22 de abril, cuja gravação foi divulgada pelo ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Na reunião do mês passado, na qual Bolsonaro confirmou intenção de interferir na Polícia Federal, foram proferidos palavrões, ofensas à China, crítica aos ministros do Supremo e a defesa da prisão de governadores e prefeitos.

Diferentemente do encontro de abril, a reunião desta terça-feira (9) foi sóbria, sem piadas de mau-gosto ou interrupções do presidente. A quantidade de palavrões da reunião anterior incomodou eleitores evangélicos de Bolsonaro.

Para evitar novos constrangimentos, o presidente escolheu os ministros que discursaram nesta terça-feira (9), deixando de fora, por exemplo, o da Educação, Abraham Weintraub, que, na reunião passada, disse que odeia os termos "povos indígenas" e "povo cigano".

O presidente voltou a defender a utilização da hidroxicoloroquina para o tratamento do coronavírus, mas ressaltou que, apesar dos relatos positivos da classe médica, a substância ainda não tem a sua eficácia comprovada.

"Muitos países usando a cloroquina e vidas estão sendo salvas com esse comprimido, mesmo sabendo que a sua eficácia ainda não está comprovada", disse.

Apesar de Bolsonaro ter explorado um dado não conclusivo da OMS, o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, criticou a entidade mundial durante a reunião.

Segundo ele, faltam transparência, independência e coerência nos posicionamentos e orientações do órgão de saúde. O ministro ressaltou que a OMS não tem sido clara, por exemplo, nos dados sobre a origem do vírus e contágio por humanos.

"Esse é um problema sistêmico, não é um problema acidental. O porquê temos de examinar se é uma questão de influência política, influência de atores não estatais ou métodos de transparência", disse.

Araújo afirmou que o Brasil apoia proposta da Austrália e da União Europeia de promover uma investigação independente sobre a origem do coronavírus.

Em resposta ao pedido da Austrália, a China fez ameaças veladas ao país no fim de abril. Cheng Jingye, embaixador da China na Austrália, disse em uma entrevista nesta segunda (27) que o "público chinês" poderia passar a evitar produtos e universidades australianas.

O Brasil registrou na segunda-feira (8) 849 novas mortes e 19.631 novos casos de Covid-19. Ao todo, 37.312 brasileiros perderam a vida para a doença e 710.887 foram infectados.

Os dados são fruto de uma colaboração inédita entre O Estado de S. Paulo, Extra, Folha, O Globo, G1 e UOL para reunir e informar números sobre o novo coronavírus.As informações são coletadas com as Secretarias de Saúde, e o balanço é fechado às 20h de cada dia.

A doença mata mais de um brasileiro por minuto e faz mais vítimas que doenças cardíacas, câncer, acidentes de trânsito e homicídios.

Diferentemente dos demais países com grande número de casos, o Brasil ainda não começou a achatar a curva de disseminação da doença. Com a flexibilização de medidas de isolamento social, o que vem sendo adotado por boa parte dos governadores, é possível que o índice de contaminação cresça.

Em número total de casos, o Brasil fica atrás apenas dos Estados Unidos.​

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