A animosidade política não impediu, no passado, que um governador de São Paulo "vacinasse" um presidente da República. À época, em 2008, José Serra (PSDB) posou para fotos enquanto simulava dar uma injeção em Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Tratava-se, então, do início da campanha de vacinação contra a gripe.
Doze anos depois, e em meio à pandemia do novo coronavírus, nada parece mais distante da realidade. Ninguém hoje imagina que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aceitaria ser imunizado pelas mãos do governador de São Paulo João Doria (SDB). Não após a série de rusgas entre os dois e menos ainda após o imbróglio da última semana.
Em 2008, o momento foi registrado em uma foto. Na realidade, Lula foi vacinado por uma enfermeira, mas a imagem registrou o momento de união dos dois políticos, que haviam disputado a eleição para presidente seis anos antes, em 2002.
Na última quarta-feira (22), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) travou uma guerra contra o governador de São Paulo João Doria (PSDB) e o Instituto Butantan, entidade de pesquisa pública ligada ao governo estadual e que irá produzir a vacina contra o novo coronavíus da empresa chinesa Sinovac no país. Segundo o presidente, a vacina desenvolvida na China não transmite segurança “pela sua origem”.
O governo de SP e o Instituto Butantan tinham fechado acordo na véspera (21) com o Ministério da Saúde para compra de 46 milhões de doses da Coronavac, a vacina da Sinovac.
- Leia também Corrida por vacina contra Covid-19 tem cerca de 200 candidatas no mundo; conheça
A vacina é uma das dez em fase final de testes antes da aprovação para uso contra o novo coronavírus. No país, o imunizante já foi testado em 9.000 voluntários, coordenado pelo Instituto Butantan.
O evento da vacinação contra a gripe, em 2008, foi um marco na introdução daquela vacina no calendário do Programa Nacional de Imunização (PNI), e contou com 3 milhões de doses naquele ano, voltadas especialmente para os idosos. A vacina da gripe hoje é recomendada para crianças, grávidas e puérperas, idosos acima de 60 anos, trabalhadores de saúde, professores, agentes de segurança e pessoas com doenças crônicas.
“Faz três anos que tomo vacina e três anos que não tenho gripe”, disse Lula na ocasião. “Todos nós que estamos chegando na terceira idade precisamos nos cuidar.”
Desde 2014, a vacina da gripe foi incorporada ao SUS após um processo longo de transferência de tecnologia. A vacina da gripe hoje é produzida no Butantan, que conta com escala para produção de 70 milhões de doses por ano do imunizante.
Além da gripe, o instituto fabrica também outras vacinas importantes para a proteção de crianças e adultos no país. Junto com a Fiocruz, no Rio de Janeiro, o instituto centenário paulista fornece 75% das vacinas inseridas no PNI, programa elogiado e referência de saúde pública em todo o mundo.
No Brasil, a vacinação é obrigatória em recém-nascidos e crianças até seis meses de idade. Nos últimos anos, porém, a baixa adesão fez com que a cobertura vacinal tivesse redução de até 27% para algumas vacinas.
Por serem dados relativamente novos, ainda não estão claros os motivos para a queda na vacinação. Especialistas argumentam que os fatores no Brasil para a redução na taxa de vacinação são múltiplos, desde problemas na organização da rede, desabastecimento nos postos, falta de tempo dos pais para levarem as crianças —principalmente aqueles que trabalham integralmente e não podem faltar ao trabalho— até mesmo a falsa sensação de segurança —a ideia de que se todo mundo vacinar, você não precisa vacinar seu filho.
Embora não sejam inexistentes, os movimentos antivacina no país possuem menos força e talvez até menos impacto na cobertura vacinal do que em outros países, como os Estados Unidos.
Especialistas, no entanto, alertam para a disputa política em torno da vacina contra a Covid-19 e como isso pode aumentar as fake news e alimentar o movimento antivacina.
Elize Massard da Fonseca, pesquisadora da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas que analisa transferências de tecnologia no país, acredita ser melhor para o Brasil e para o SUS ter mais de uma vacina disponível. “A disputa entre os laboratórios, algo inédito no passado, dá fôlego para os movimentos antivacina. As pessoas só têm a perder com isso.”
Para Luciana Leite, diretora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Instituto Butantan, o medo de que as vacinas vão causar doença ou que a população é “cobaia” é infundado. “As vacinas não causam doenças. Cada vez que alguém diz que um imunizante é tóxico, as pessoas precisam buscar informações em fontes confiáveis, como a OMS, os órgãos regulatórios, e especialistas. O processo de produção de vacina, mesmo acelerado, está baseado em muitos anos de estudo, e nunca mostraram toxicidade ao longo de todos esses anos.”
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.