Ao revelar aborto espontâneo, Meghan Markle diz que, apesar de comum, perda ainda é tabu

Duquesa de Sussex escreveu texto no New York Times contando que perdeu um bebê em julho

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São Paulo

Meghan Markle, a duquesa de Sussex, 39, revelou nesta quarta (25) em um artigo escrito por ela e publicado no jornal New York Times que sofreu um aborto espontâneo em julho. Ela é casada desde 2018 com o príncipe Harry, duque de Sussex.

Definindo-se como "mãe, feminista e defensora" na assinatura do texto, Meghan conta que, em uma manhã de julho, depois de trocar as fraldas de seu filho, Archie, 1, sentiu fortes cólicas, caiu no chão com a criança no colo e ficou cantando uma música de ninar para tentar manter os dois calmos.

"Eu sabia, enquanto segurava meu primeiro filho, que estava perdendo meu segundo", escreveu.

Meghan conta que, horas depois, estava deitada em uma cama de hospital, segurando e beijando a mão de seu marido, molhada com as lágrimas dos dois. "Imaginava como nos dois nos recuperaríamos."

No texto, intitulado "The losses we share" (As perdas que compartilhamos), ela diz que a perda de um filho carrega uma dor quase insuportável, vivida por muitos mas falada por poucos. E que ela e o marido descobriram que, a cada cem mulheres, de 10 a 20 terão sofrido um aborto. "Apesar de isso ser surpreendentemente comum, a conversa continua sendo um tabu."

Ela lembra um episódio que ocorreu no fim da turnê da família pela África do Sul, em 2019, quando um repórter de TV perguntou se ela estava bem. "Obrigada por perguntar", ela disse , com os olhos marejados. "Não são muitas as pessoas que têm me perguntado se eu estou bem." O jornalista perguntou então: "E você acha que seria justo dizer que a resposta é não? Que tem sido realmente uma luta?", e ela respondeu que sim.

Naquela época, Harry e Meghan ainda eram membros seniores da família real britânica e vinham demonstrando desconforto e insatisfação quanto ao escrutínio por parte dos tabloides britânicos.

Em 2016, Harry divulgou um comunicado em que dizia que Meghan, sua então namorada, vinha sendo alvo de abusos e assédio por meio de textos com tons racistas e machistas e que grande parte dos problemas ficava escondida do público —as batalhas legais contra reportagens difamatórias, a luta da mãe de Meghan contra fotógrafos que tentavam chegar até sua porta, as tentativas de acesso ilegal à casa dela e ofertas de dinheiro para obter dados de seus amigos, colegas e ex-namorado.

Em outubro de 2019, a duquesa entrou na Justiça contra um jornal que publicou uma carta que ela teria enviado ao pai, com quem tem uma relação difícil. Em janeiro de 2020 eles anunciaram que deixariam de ser membros seniores da família real e se mudaram para a Califórnia, estado onde Meghan nasceu.

"Sentada em uma cama de hospital, assistindo ao coração do meu marido se partir enquanto ele tentava juntar os pedaços do meu, eu percebi que o único jeito de iniciar a cura é primeiro perguntar: 'você está bem?'", escreveu no artigo no New York Times.

Segundo ela, quando somos convidados a compartilhar nossa dor, damos juntos os primeiros em direção à cura.

Cerca de 20% das gestações podem evoluir para abortamento, definido como a interrupção da gravidez antes de 20 semanas. Desse total, cerca de 80% ocorre até a 12ª semana. César Fernandes, presidente eleito da Associação Médica Brasileira e diretor científico da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), afirma, porém, que os dados são imprecisos, porque parte dos abortos ocorre sem que a mulher saiba que está grávida.

Os principais sintomas são sangramento, em geral mais intenso do que o da menstruação, e dor abdominal, segundo Rossana Francisco, presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo. Ela afirma que nem todos os sangramentos ou cólicas na gravidez são sinais de abortamento, mas o ideal é procurar o(a) obstetra ou um pronto-atendimento para avaliação.

Segundo a UNA-SUS (Universidade Aberta do Sistema de Saúde Único), os principais fatores de risco para o aborto são idade (o risco de aborto aumenta com o avanço da idade; pode chegar a 40% aos 40 anos e 80% aos 45 anos), antecedente de aborto espontâneo, tabagismo (tanto materno como paterno), consumo de álcool e drogas, uso de anti-inflamatórios não hormonais e pesos extremos (índice de massa corporal menor do que 18 ou maior do que 25). Óvulos de mulheres mais velhas, quando fecundados, têm maior chance de apresentar anomalias genéticas.

Doenças infecciosas, autoimunes e metabólicas, como o diabetes, também podem elevar o risco de abortos.

Em caso de abortos de repetição (normalmente a partir de três), indica-se a investigação das causas. Segundo Fernandes, são avaliadas anomalias estruturais, como malformações do útero, e a existência de doenças não diagnosticadas, como as autoimunes. "Existe um checklist nessa busca de causas identificáveis, mas ela é onerosa, não é simples e nem sempre é elucidativa, o que é frustrante", diz ele.

A recuperação vai depender do acolhimento emocional que a mulher receberá e, de acordo com Fernandes, só o casal pode julgar o tempo necessário para superar o episódio e tentar engravidar de novo —do ponto de vista médico, não há um tempo mínimo para uma nova gestação.

"É um sentimento de luto, de perda, que pode vir acompanhado de culpa. O obstetra tem que escolher bem as palavras nessa comunicação e usar o vínculo que tem com a paciente para ajudá-la a superar essa experiência que é extremamente dolorosa, especialmente para a mãe mas também para o pai", diz o médico.

Muitas mulheres que passam por abortos espontâneos sofrem de forma isolada por causa de uma convenção social que dita que o anúncio público da gravidez só deve ser feito após a 12ª semana, quando os riscos de abortamento são menores. As perdas, assim, tornam-se invisíveis —daí a iniciativa de Meghan.

"É um fato, hoje as pessoas, especialmente das classes mais privilegiadas, não divulgam cedo, não querem que ninguém saiba. Há 20 ou 30 anos comunicava-se bem mais cedo a notícia. Claro que devemos respeitar esse desejo, mas um núcleo mais próximo que esteja acompanhando a gestação pode dar mais apoio e carinho em um eventual momento de sofrimento", diz Fernandes.

Para o médico, a notícia é envolvida em segredo porque as mulheres têm filhos mais tardiamente hoje e, portanto, correm mais risco de abortamentos. "Imagino que não queiram ser julgadas ou reprovadas por terem engravidado tarde e perdido um bebê."

Francisco diz que a circulação maior de informações sobre os riscos de abortamentos nas primeiras 12 semanas contribuiu para o adiamento dos anúncios.

“As pacientes me perguntam se devem ou não contar a notícia. Acho que é uma decisão individual. Tem pessoas que contam para todo mundo e depois, se ocorre um aborto, precisam lidar com as perguntas sobre a gestação. O que eu sugiro é contar para aquelas pessoas com quem você divide o bom e o ruim da vida, que vão estar ao seu lado diante de uma notícia de gravidez ou de perda", diz ela. "Como aborto não é algo conversado, não se respeita o direito à dor da pessoa. E as pessoas têm que ter direito ao luto da perda de um filho, de poder desabafar sobre o que sentem. Ouvir algo como 'daqui a pouco você engravida de novo' não vai aliviar essa dor."

Angelina Jolie

A publicação do texto de Meghan no New York Times, com a intenção de trazer luz a um assunto de saúde, se assemelha à do texto também escrito em primeira pessoa pela atriz Angelina Jolie, no mesmo jornal, em 2013.

Na época, Jolie contou que havia realizado uma dupla mastectomia preventiva por causa de uma alteração genética que eleva seu risco de desenvolver câncer de mama.

"Em 27 de abril, concluí os três meses de procedimentos médicos que a mastectomia requeria. Ao longo do período, pude manter o sigilo sobre o que estava acontecendo e continuar com meu trabalho. Mas agora decidi escrever a respeito com a esperança de que outras mulheres possam se beneficiar de minha experiência", escreveu. "Hoje é possível determinar por meio de um exame de sangue se você é altamente suscetível a câncer de mama e câncer de ovário, e agir a respeito."

O artigo, de fato, tornou mais conhecidos os testes que procuram mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 . Em 2016, um estudo, publicado na revista médica britânica BMJ concluiu que o crescimento da procura pelos testes foi de 59% nos 15 dias posteriores da publicação do texto. Levados em conta os meses seguintes, houve aumento de 37%. Não houve, porém, alta no número total de retirada de mamas.

Os testes que procuram essas mutações são indicados para mulheres que apresentem na família muitos casos de câncer em pessoas jovens.

A mastectomia e a retirada dos ovários não são a única solução para quem tem maior risco de desenvolver esses cânceres. Mulheres nessa situação podem optar pelo rastreamento mais frequente para o câncer de mama, intercalando a cada seis meses exames de mamografia e ressonância magnética. Também é possível optar pela quimioterapia preventiva

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