Quase 80% dos médicos reprovam atuação do Ministério da Saúde na pandemia, diz pesquisa

Associação Médica Brasileira ouviu 3.882 profissionais de todas as regiões do país e levantou as deficiências que persistem

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São Paulo

Um ano após o início da pandemia de Covid-19, mais de 220 mil mortes e o país quase batendo em 10 milhões de casos confirmados, a atuação do Ministério da Saúde, sob gestão de Eduardo Pazuello, é desaprovada por 78,5% por médicos entrevistados em pesquisa da AMB (Associação Médica Brasileira), divulgada nesta terça (2).

Foram ouvidos 3.882 médicos de todas as regiões do país por meio de questionário on-line. Pesquisa anterior da APM (Associação Paulista de Medicina) mostra que, em abril do ano passado, ainda sob o comando de Luiz Henrique Mandetta e com o país contabilizando pouco mais de 2.000 mortos, a aprovação batia em 72%.

“Logo que o Mandetta saiu, a aprovação despencou e se mantém nos mesmos patamares até hoje, em torno de 16%. Essa divergência de diretrizes e protocolos, autoridades defendendo suposições, tratamentos sem evidência, isso provoca muita confusão, deixa os médicos perdidos”, diz o médico César Eduardo Fernandes, presidente da AMB.

Mais de um quarto dos médicos entrevistados ainda acredita que a cloroquina e a ivermectina são medicamentos eficazes para os sintomas iniciais da Covid. E 15% apostam na ivermectina, um vermífugo, como prevenção. Inúmeros estudos científicos já demonstraram que eles não funcionam para prevenir ou tratar a Covid-19.

Um outro equívoco: 13,8% dos médicos considerarem o corticoide dexametasona como opção terapêutica também nos sintomas iniciais da doença. Outros 8,8% citaram os anticoagulantes (como a heparina) para esse fim. Ambos só são indicados em quadros mais graves da Covid, quando há comprometimento pulmonar igual ou superior a 50%, que exigem internação.

“Não há um alinhamento dos médicos. Isso tudo deveria estar em protocolo do Ministério da Saúde muito bem escrito como se fosse a bíblia”, diz Fernandes.

A maioria dos médicos entrevistados (64%) relata deficiências de pessoal, protocolos e equipamentos nos serviços de saúde onde atuam. “Nós começamos a pandemia com muita precariedade, em dado momento isso se atenuou um pouco, mas o enfrentamento ainda é insuficiente, não consegue suprir as demandas mínimas necessárias para um atendimento digno”, afirma o presidente da AMB.

Um terço dos entrevistados (32,5%) reclama de falta de profissionais (médicos, enfermeiros entre outros), 27,2% de ausência de diretrizes e protocolos de atendimento e 20,3%, falta de leitos regulares e/ou de UTI.

Já a escassez de máscaras, luvas, aventais, óculos, proteção facial, álcool em gel e/ou outros materiais básicos ainda é problema para 16,7% dos profissionais.

Cerca de 16% se queixam da falta de testes de diagnóstico para confirmar a Covid-19 nos pacientes que buscam atendimento. Outros 13% dizem que só há testes disponíveis para doentes que manifestarem sintomas graves da doença.

Oito em cada dez entrevistados relatam que as UTIs estão mais lotadas e 17,7% apontam que isso já compromete a qualidade da assistência. Na região Norte, 21,3% têm essa percepção, e, no Amazonas, 54,5%.

Nesse momento da pandemia, seis em cada dez profissionais apontam estresse e ansiedade no ambiente de trabalho. Um quarto deles já foi infectado pelo coronavírus.

Para Fernandes, o estresse relatado pelos médicos não chega a surpreender. “Eles estão desacorçoados, como se diz lá no interior, sem energia, sem esperança. Trabalham muito, mas a situação da pandemia não muda.”

Um recente estudo da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), com 999 profissionais de UTI, mostrou que cerca de metade dos médicos e enfermeiros do Norte e do Nordeste relatam escassez de profissionais e, em razão disso, maior sobrecarga para quem está na linha de frente.

"Faltam profissionais habilitados e não até não habilitados para serem treinados. Está muito difícil preencher escala de plantão em todos os níveis nas UTIs. As pessoas estão cuidando de muito mais pacientes do que o número usual [dez]. Estão sem força, com sinais de burnout", explica Suzana Lobo, presidente da Amib.

Outros fatores para o esgotamento físico e mental, segundo ela, são o medo de levar a infecção para os familiares e cuidar de colegas com a doença.

Um outro dado que chama a atenção é o alto percentual de médicos (72,8%) que relatam ter constatado na sua prática diária casos de pacientes que ficaram com sequelas após a cura da Covid.

A maioria (56,5) menciona sintomas considerados “mais brandos” como dor de cabeça, fadiga e dor no corpo. Mas 13% citam fibrose pulmonar, 11%, trombose e 6%, problemas cardíacos. “Estamos trocando pneu com o carro em andamento. Muitos desses casos o sistema de saúde sequer sabe [sobre a existência deles].”

Uma boa sinalização da pesquisa é que que quase a totalidade (97,5) dos médicos entrevistados pretende se vacinar contra a Covid-19 e recomendará a imunização aos pacientes.

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