Descrição de chapéu Coronavírus

Festas clandestinas usam táticas para burlar fiscalização no Rio

Endereços e denúncias falsas estão entre as ações para driblar agentes da prefeitura

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rio de Janeiro

Organizadores de festas clandestinas no Rio têm usado táticas de despiste para escapar da fiscalização da prefeitura contra a pandemia da Covid-19. Segundo informações da Seop (Secretaria de Ordem Pública), as estratégias dos responsáveis vão da omissão dos locais dos eventos à migração para cidades vizinhas.

Três festas foram interrompidas pela fiscalização apenas no domingo (28), no primeiro fim de semana da “pausa emergencial” no Rio —que estendeu o feriado da Semana Santa, assim como fez São Paulo. Foram festas na zona norte, no bairro Colégio, para 150 pessoas, e outras duas na zona oeste, na Taquara e em Vargem Pequena, ambas para 300 convidados.

Pessoas com trajes de banho ou curto lotam galpão em uma festa
Festa clandestina em Vargem Pequena é interditada pela prefeitura do Rio - Seop- Prefeitura do Rio/Divulgação

Em mensagens de WhatsApp, os organizadores da festa do sítio de Vargem Pequena comemoravam os números antes do encontro. “Nossa meta era 300 e já passamos dos 500 nomes, vamos com tudooo!!”.

Festas são anunciadas em grupos de mensagem sem a informação do local, só revelado horas antes do início. Nem sempre os lugares anunciados são os dos eventos, mas apenas pontos de encontro. Para driblar as vistorias, grupos também se organizam para denúncias falsas, a fim de despistar os agentes.

barco no mar
Saveiro (tipo de embarcação) em que festa clandestina ocorreria no Rio de Janeiro - Seop-Prefeitura do Rio de Janeiro/Divulgação

Nos 14 dias da “pausa emergencial” decretada pelo prefeito Eduardo Paes (DEM) para tentar conter o avanço dos casos de Covid-19 no município, a prefeitura registrou 17.837 autuações, entre multas e interdições a estabelecimentos, infrações sanitárias, multas de trânsito, reboques e apreensões de mercadorias. Ao todo, foram 190 estabelecimentos fechados e 996 multas a ambulantes, restaurantes e bares.

O decreto de 22 de março ampliou as restrições de funcionamento do comércio e de serviços no Rio e reiterou o veto à realização de qualquer evento, como festas e rodas de samba, em áreas públicas ou particulares. Desde o início do ano, 101 festas clandestinas foram interditadas. As medidas mais restritivas valeram até a última quinta-feira (8).

A última festa interrompida aconteceu na segunda-feira (5), quando agentes desconfiaram de uma fila de carros estacionados na Praia da Reserva, em um local escuro e distante da área de maior movimentação da orla. Quando os veículos começaram a ser rebocados, dezenas de pessoas saíram de dentro de uma mata próxima. Eram 30 participantes de uma festa de swing. Ao todo, dez carros foram autuados e três, rebocados.

“O saldo dessas duas semanas de fiscalizações de medidas mais restritivas foi positivo”, afirma o secretário de Ordem Pública, Brenno Carnevale. “Aos que insistem em não colaborar, seguiremos firmes nas ruas, realizando nossas operações por todo o município e autuando quem não cumprir as novas regras vigentes a partir de hoje. Nosso foco é preservar vidas.”

O município tem 98 pessoas aguardando vagas em UTIs. Na quinta-feira (8), foram registrados 2.756 casos e 220 mortes por Covid-19 em todo o estado do Rio. O número de óbitos é 77,4% maior que o de duas semanas atrás.

Nos anúncios dos eventos clandestinos, os organizadores costumam pedir discrição, com emojis de silêncio. Mas nem todas as festas são escondidas.

Na sexta-feira (2), a Seop interditou o que seria um “open bar” em uma embarcação para 198 pessoas, saindo às 16h da Urca, na zona sul, em direção à Baía de Guanabara, “com vista para todos os cartões-postais da Cidade Maravilhosa”.

O evento tinha sido anunciado no Instagram, com cartaz, número de Pix e link para a bilheteria digital dos ingressos. O anúncio informava que o encontro seria “com capacidade reduzida e respeitando todas as normas de segurança estabelecidas”. Os agentes chegaram ao local antes do início da festa e, com apoio da Capitania do Portos, interditaram o barco, já atracado. Ninguém foi encontrado no local.

A mesma empresa responsável pela festa anuncia outros eventos na sua página do Instagram, com lista de atrações e preços, mas sem dizer o local. Em vez disso, usa a expressão “loading” (do inglês carregando).

mar com surfistas em pranchas
Banhistas na faixa de areia da praia do Arpoador, no mês passado - Luís Costa /Folhapress

As vistorias de fiscalização são realizadas em comboios de até seis carros que reúnem agentes da Seop, da Guarda Municipal, da Vigilância Sanitária e da Polícia Militar. Os locais são mapeados a partir de denúncias ao número 1746, da prefeitura, e de ações de inteligência, que vasculham páginas nas redes sociais em que os eventos são divulgados.

Segundo a Seop, há relatos de ameaças veladas aos agentes, que fotografam e filmam as operações. Os responsáveis pelas festas são multados em infrações que podem ir de R$ 3 mil a R$ 15 mil. Ainda que não sejam encontrados no local, os infratores são posteriormente investigados por meio da análise de fotos, vídeos, endereço e CNPJ do local. Os casos são também levados à Polícia Civil para investigação nas áreas civil e penal.

Além de lidar com ameaças, os agentes precisam, às vezes, segundo uma fonte da Seop, jogar uma espécie de jogo de xadrez mental com os organizadores. Como não é possível entrar nas casas sem mandados de busca e apreensão, alguns ignoram chamados, recusam-se a abrir as portas e negam a existência das festas. Luzes são apagadas e sons, desligados. É preciso negociar até que eles admitam a infração.

Em fevereiro, em uma das noites do Carnaval, equipes da Seop que estavam na Gávea, bairro de classe alta da zona sul carioca, viram uma movimentação incomum de vans em direção a uma das vias da região, perto das 23h. Seguiram o fluxo e chegaram a uma casa, onde encontraram, além das vans, passageiros desembarcando em filas de carros de aplicativo.

Encontrado, o responsável disse inicialmente que era apenas uma festa de família. Como não convenceu os agentes, finalmente admitiu a infração, encerrou o evento e dispensou as cerca de 400 pessoas que haviam pagado até R$ 2.000 por um ingresso.

Também no Carnaval, em um hotel de Copacabana, uma festa para 300 pessoas foi rapidamente desfeita enquanto os agentes ainda subiam os andares do prédio e os hóspedes voltavam às pressas aos quartos. Apesar da tentativa de disfarce, o hotel foi autuado e pode ser interditado em caso de reincidência.

Em março, uma festa em Botafogo foi descoberta depois de uma tentativa frustrada de despiste – os organizadores haviam anunciado apenas um ponto de encontro. Quando os agentes encontraram a casa, o responsável impediu a entrada da fiscalização e negou que houvesse uma festa, apesar do caminhão de gelo na porta. Só depois de a prefeitura ordenar o reboque de carros que estacionavam na rua, as 150 pessoas que estavam no lugar começaram a sair.

Ainda segundo a Seop, os organizadores têm adotado táticas de fuga e de proteção. Algumas festas migram de município, à procura de menor fiscalização. Outras procuram se abrigar em áreas de risco, dominadas por tráfico ou milícias, nas quais a entrada dos agentes só poderia ser feita por meio de uma operação policial.

“Esse trabalho continuará sendo feito. Trabalho de inteligência, com monitoramento desses eventos clandestinos através das redes sociais e das informações que o cidadão reporta à prefeitura”, diz Carnevale.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.