Descrição de chapéu Coronavírus

Com mais de 95% da população adulta vacinada, Serrana (SP) reduziu em 95% as mortes por Covid

Cidade do interior paulista foi alvo de estudo inédito sobre efeitos da vacinação em massa

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São Paulo

Oito semanas após o início da vacinação em massa de sua população adulta contra a Covid-19 e depois de ter alcançado a imunização de 95% da população com mais de 18 anos, o município de Serrana reduziu em 95% as mortes pela doença.

A cidade do interior paulista, na região metropolitana de Ribeirão Preto, foi alvo de estudo inédito sobre os efeitos da vacinação em massa da população. O chamado projeto S, idealizado pelo Instituto Butantan, consiste em analisar o impacto e a eficácia da vacinação na redução de casos do novo coronavírus e no controle da pandemia.

O projeto conseguiu vacinar 95,7% dos 28.380 adultos da cidade, ou 27.160 pessoas com mais de 18 anos. Os moradores foram divididos em quatro grupos, e cada um deles recebeu a vacina com uma semana de diferença. Após o último grupo receber a primeira dose, a aplicação da segunda dose no primeiro grupo teve início.

Com isso, os pesquisadores conseguiram observar uma queda significativa no número de novos casos sintomáticos de Covid e de hospitalizações quando 75% da população elegível foi totalmente imunizada, isto é, quando o terceiro grupo dos quatro recebeu as duas doses da Coronavac.

"A queda de casos [sintomáticos] e mortes foi expressiva antes mesmo de termos concluído a aplicação da segunda dose no último grupo, o que nos mostra o efeito da imunidade indireta, ou seja, que uma ampla cobertura vacinal contribui para diminuir a transmissão do vírus", disse Ricardo Palacios, diretor médico de pesquisa clínica do Instituto Butantan.

Além da redução de mortes, houve também na cidade queda de 80% nos casos sintomáticos e de 86% nas hospitalizações.

"Até agora, nós tínhamos visto a eficácia individual da vacina, a proteção que oferece ao indivíduo vacinado. Com esse estudo, podemos ver a proteção coletiva, seu benefício indireto mesmo para quem não foi imunizado", diz a médica infectologista Rosana Richtmann, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

Outros estudos já tinham buscado avaliar a efetividade da Coronavac na população, como foi feito em Manaus, capital do Amazonas, e no Hospital das Clínicas em São Paulo. Essas pesquisas, no entanto, apresentaram dados após a vacinação somente de profissionais de saúde, que têm maior risco de contrair o vírus.

Já o estudo em Serrana incluiu a população em geral, com pessoas de diversas etnias e idades e com condições de saúde preexistentes também diferentes. Apenas as gestantes e puérperas (até 45 dias após o parto) não foram incluídas no estudo de Serrana.

Houve uma queda acentuada no número de casos, de hospitalizações e de óbitos após a conclusão do projeto mesmo entre a população não vacinada, isto é, entre os moradores da cidade que pelo critério de idade (menores de 18 anos, por exemplo) ou por outros fatores (como a população maior de 80 anos, que já havia recebido a vacina, ou os imunossuprimidos e que não podem se vacinar) não participaram do estudo.

Isso se dá pela chamada imunidade coletiva. Quando um grande número de pessoas está vacinada contra um patógeno e possui imunidade, as chances de o vírus encontrar um indivíduo suscetível são bem menores e ele acaba "desaparecendo" da população.

"Essa é uma evidência palpável do efeito indireto da vacinação: a diminuição da transmissibilidade do vírus está beneficiando mesmo aqueles que não completaram ainda o esquema vacinal. Isso confirma resultados que já vimos anteriormente e nos faz aproximar de qual será a quantidade de pessoas que temos que vacinar dentro da população-alvo", disse Palacios.

Em Serrana, o pico de hospitalizações por Covid em 2021 foi na 10ª semana epidemiológica (entre os dias 7 e 13 de março). À época, a aplicação da primeira dose havia começado no quarto grupo de habitantes (azul). Logo em seguida, o número de casos sintomáticos entre os vacinados e os não vacinados começou a declinar, atingindo o ponto mais baixo na 16a semana epidemiológica de número (entre 18 e 24 de abril), duas semanas depois de o grupo azul receber a segunda dose da vacina.

Já em relação às hospitalizações, houve também uma queda simultânea tanto entre os vacinados como entre os não vacinados no município a partir da 10ª semana epidemiológica, embora os não vacinados tenham oscilado, com aumento posterior. No caso da população vacinada, a incidência de hospitalizados passou de 50 a cada 100 mil habitantes no pico (na primeira quinzena de março, logo após a aplicação da primeira dose na cidade) para zero quando o último grupo recebeu a segunda dose.

Esses resultados, embora ainda preliminares, indicam como a vacinação pode também ter um papel importante no controle da epidemia, algo que já é observado com outras doenças infecciosas, como sarampo. Um controle elevado no número de novos casos não elimina por completo casos pontuais de hospitalizações e óbitos por uma doença, mas reduz em muito a sua incidência, o que pode evitar o esgotamento dos sistemas de saúde.

Para avaliar esse efeito, os pesquisadores compararam a incidência de novos casos, hospitalizações e óbitos em Serrana com outros municípios da microrregião de Ribeirão Preto, incluindo Pontal, Cravinhos, Jardinópolis, Barrinha e Brodowski. Em Cravinhos, Jardinópolis e Barrinha, a taxa de hospitalizações e óbitos por Covid para 100 mil habitantes está acima de 30; já em Serrana, ela está abaixo de 10 hospitalizações/óbitos a cada 100 mil pessoas. Em Brodowski e Pontal, essa taxa está em 20 internações a cada 100 mil habitantes.

Mas Palacios reforça que os dados apresentados nesta segunda (31) não podem ser extrapolados para todos os municípios. Quem for tentar fazer as contas com os números da apresentação —como foi feito à época da divulgação da taxa da eficácia da Coronavac— não irá chegar a esses valores porque o cálculo utiliza um modelo matemático complexo que compara a incidência de hospitalizações e óbitos em um determinado momento em um grupo com mesma incidência em outro.

"Não podemos afirmar com certeza que é 75% de uma população a quantidade de pessoas necessárias para controlar a epidemia. O que vimos, com a dinâmica de Serrana, é que entre a imunização do terceiro e quarto grupo já tivemos essa queda. Mas em cidades como São Paulo, onde a vacinação é mais centralizada e faltam doses na periferia, esse não é um modelo que serviria, por exemplo", explica.

Palacios afirmou ainda que a importância do Projeto S é justamente fornecer um primeiro índice estimado de população vacinada para a Covid, e que outros estudos, como o de vacinação em massa em Botucatu, podem ajudar também nessa estimativa.

De acordo com os cientistas do Butantan, o projeto não termina com a vacinação e o monitoramento deve continuar por até um ano, trimestralmente.

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