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Entidades criticam inclusão de fator socioeconômico na vacinação de pessoas com deficiência contra a Covid

'O governo acha que elas não são economicamente ativas?', questiona publicitária Luana Sanchez

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Raphael Preto Pereira
São Paulo

Parlamentares, advogados, ativistas e organizações da defesa dos direitos das PCDs (pessoas com deficiência) criticam o critério adotado pelo Ministério da Saúde para definir qual parcela dessa população será incluída no grupo prioritário de vacinação contra a Covid.

No dia 26 de abril, o ministério divulgou uma nota técnica em que elenca, entre os grupos prioritários para a imunização, pessoas com deficiência que tenham entre 55 e 59 anos e que recebem o BPC (Benefício de Prestação Continuada), auxílio destinado para aposentados e PCDs que comprovem ter renda de até R$ 275. Pessoas com síndrome de Down estão incluídas no grupo, independentemente da idade.

A ONCB (Organização Nacional de Cegos do Brasil), a FCD (Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência) e a Onedef (Organização Nacional de Entidades de Deficientes Físicos no Brasil) protocolaram nesta quinta-feira (6) uma ADPF (Arguição de Descuprimento de Prececeito Fundamental) criticando a nota do Ministério da Saúde.

As três entidades compõem, com outras organizações, a campanha nacional "Eu mereço uma dose de respeito", que reivindica imunização prioritária para todas as pessoas com deficiência —sem qualquer recorte ou discriminação.

Para o presidente da ONCB, Beto Pereira, essa iniciativa coletiva é fruto da demanda legítima de PCDs de todo Brasil. "Nós nos deparamos com autoridades que negam ou minimizam a importância de tal prioridade, equívoco que deveria ser, inclusive, objeto da CPI do Senado", defende.

As associações argumentam que nenhum outro grupo de vacinação foi classificado a partir de critério socioeconômico e lembram que a Constituição de 1988, definiu a saúde como “um direito de todos e um dever do estado”. Ressaltam também que a OMS (Organização Mundial da Saúde) já determinou que todas as pessoas com deficiência são vulneráveis em cenários de calamidade pública.

Tabata está de camiseta branca com uma estampa centralizada, sentada em um auditório com fundo escuro. Ela é branca, tem cabelos enrolados, de lado
Tabata Contri, que trabalha com inclusão de PCDs no mercado de trabalho, critica decisão do governo - Bruno Santos - 13.jan.2021/Folhapress

Hoje, segundo dados do IBGE, o Brasil tem 12,8 milhões de pessoas com deficiência. Os que estão no grupo prioritário definido pelo governo são 7.749.058. Ao utilizar o BPC como critério de vacinação prioritária, o ministério deixa de fora todas as pessoas com deficiência que trabalham e, por lei, não podem receber o benefício.

Na quinta, durante sessão da CPI da Covid, a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), questionou o ministro da Saúde Marcelo Queiroga sobre o critério de vacinação para pessoas com deficiência. “As pessoas com deficiência que não recebem [benefício] são justamente aquelas que precisam sair para trabalhar”, afirmou. Na resposta para a senadora, o ministro afirmou que o PNI (Plano Nacional de Imunização) foi concebido antes do início da gestão dele.

Com paralisia cerebral, a publicitária Luana Sanchez, 32, também critica a decisão do governo. “O critério socioeconômico não foi utilizado para classificar nenhum outro grupo. Por que isso acontece com as pessoas com deficiência?”, questiona. Ela também ressalta que está há mais de um ano sem sair de casa ou ir ao médico, justamente por conta do risco que corre.

“O governo acha que as pessoas com deficiência não trabalham e nem são economicamente ativas”, lamenta. “Com medidas como essa, as pessoas com deficiência podem acreditar que serão mais assistidas pelo governo se receberem algum benefício assistencial”, acredita.

Luana ressalta que muitas pessoas com deficiência têm comorbidades que são associadas com a deficiência. “No meu caso, tenho parte da respiração afetada por causa da paralisia cerebral”, explica. Para ela, o governo deveria ter adotado o critério de priorizar as pessoas com deficiência de maior gravidade, e poderia ter utilizado para isso o CID (Código Internacional de Doenças).

Para Tabata Contri, 40 , que é cadeirante e trabalha com a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, o governo está utilizando o recebimento do BPC como critério porque, na verdade, não sabe quantas são as pessoas com deficiência no Brasil: “ o governo só tem conhecimento sobre o número de pessoas com quem precisa de assistência financeira e por isso, pede .” defende.

Para o ex-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo, Marcos da Costa, vincular a vacinação ao recebimento de um benefício assistencial é um erro. “O Plano Nacional de Imunização do governo federal elenca as pessoas com deficiência permanente grave como integrantes dos grupos de risco que necessitam de vacinação de forma prioritária. Me parece que, ao se referir ao recebimento de BPC, a intenção foi buscar uma prova inequívoca da deficiência. Mas, ao escolher esse tipo de comprovação, acabou por limitar o próprio grupo a ser vacinado, acrescentando um requisito que não existe no plano.”

Camila Varela, advogada especialista nos direitos das pessoas com deficiência e integrante da comissão dos direitos dos autistas da OAB de Santo Amaro, diz que todas as PCDs devem ser incluídas, mesmo as que não recebem nenhuma assistência do governo. “Esse critério do BPC é uma bobagem, e é necessário pensar em como vai ser feita a vacinação dos pais e cuidadores delas também”, defende.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que, para calcular o número de quem precisa ser vacinado, considerou o número de PCDs entre 18 e 59 anos e que estão cadastradas no BPC.

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