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HIV e vacina contra Covid: o que diz cientista que provocou debate em 2020?

Americano chamou a atenção apenas para a Sputnik; instituto que desenvolveu o imunizante diz que ele não aumenta risco de contrair vírus da Aids

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São Carlos (SP)

A discussão sobre o possível risco de infecção por HIV relacionado a um tipo específico de vacina contra Covid-19 é "notícia velha" e não tem nenhuma relação com os imunizantes usados no Brasil, diz um dos pesquisadores responsáveis por apontar essa associação em 2020.

"O perigo aqui é fazer essa ligação entre todas as vacinas e um efeito visto apenas quando o vírus Ad5 é usado como vetor da imunização", afirmou à Folha o bioquímico americano Carl Dieffenbach, diretor da Divisão de Aids do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA.

Entre as vacinas contra Covid-19 amplamente empregadas hoje, o Ad5 está presente apenas no imunizante Sputnik, criado na Rússia.

Imagem em close mostra uma mão com luvas espetando uma seringa em uma ampola de vacina
Profissional da saúde prepara dose da vacina Sputnik V contra o Covid-19 - Robert Atanasovki/AFP

Dieffenbach, ao lado de outros três colegas, assina uma carta sobre o tema publicada na revista médica Lancet em outubro de 2020.

Foi uma interpretação distorcida dos argumentos do quarteto que acabou levando o presidente Jair Bolsonaro a associar as demais vacinas contra o coronavírus a um suposto risco aumentado de transmissão do HIV.

No texto que os pesquisadores enviaram à Lancet, o grupo detalha os resultados que obtiveram num teste clínico de uma vacina contra a Aids que usava justamente o Ad5, patógeno do grupo dos adenovírus, como vetor.

Ou seja, o Ad5 foi modificado para carregar parte do material genético do HIV, causador da Aids, de maneira a "treinar" o sistema de defesa do organismo a se defender. A lógica é a mesma das atuais vacinas contra Covid-19 feitas com vetores virais.

Os pesquisadores verificaram que homens que tinham recebido a vacina contra Aids e desenvolvido anticorpos contra o Ad5 (o que seria esperado, já que o vírus foi usado como vetor) corriam risco maior de também ser infectados com o HIV. O mesmo efeito não foi observado em mulheres que participaram do teste.

Novas análises indicaram que a provável explicação do fenômeno tinha a ver com o impacto do Ad5 sobre as células T, que são parte importante do sistema de defesa do corpo. A presença do vetor faria com que essas células ficassem mais suscetíveis à infecção pelo HIV.

"O segundo componente necessário para isso é que os homens vacinados não fossem circuncidados e ficassem expostos ao HIV tendo relações sexuais sem proteção", explica o pesquisador.

Isso provavelmente levaria a pequenas inflamações no prepúcio (a pele que recobre a ponta do pênis em quem não é circuncidado), processo que leva ao aumento das células T no local e, portanto, facilita a infecção.

"Não há evidências de que outros vírus usados como vetores nas vacinas contra Covid-19 tenham o mesmo efeito", ressalta Dieffenbach.

"Nós temos discutido abertamente a questão dos riscos do uso do Ad5 como vetor desde que a vacina Sputnik foi lançada. Pelo menos um país africano deixou de usar a imunização por causa disso."

Nas últimas semanas, a agência regulatória de produtos farmacêuticos da África do Sul, bem como o governo da Namíbia, usaram esses dados como justificativa para não aprovar o uso emergencial da vacina russa e para paralisar a aplicação da Sputnik em sua população, respectivamente. As informações são da agência de notícias Reuters.

O Instituto de Pesquisas Gamaleya, responsável pelo desenvolvimento da vacina, criticou essas decisões.

"Enquanto os adenovírus, entre eles o Ad5, estão entre as causas mais frequentes de resfriados leves, não há evidência de aumento do risco de infecção por HIV na população humana depois desse tipo de doença", declarou o Gamaleya em comunicado oficial à Reuters.

"Essas especulações errôneas, já refutadas, têm a ver com testes clínicos de outra vacina contra o HIV, feita por outro fabricante."

Segundo o instituto, o acompanhamento de mais de 7.000 participantes dos estudos clínicos com a Sputnik mostra que ela não aumenta o risco de contrair o vírus da Aids.

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