No dia 16 de dezembro de 2021, a Anvisa aprovou a vacina da Pfizer contra a Covid-19 para crianças entre 5 e 11 anos. Surpreendentemente, autoridades do governo federal deflagraram uma série de medidas protelatórias para tentar impedir a introdução de um esquema vacinal para esse grupo etário.
As medidas desnecessárias e absurdas foram propostas pelo Ministério da Saúde. Incluíam a necessidade de um estudo mais detalhado do que o feito pela Anvisa e que seria feito por técnicos do Ministério da Saúde, a exigência de prescrição médica para a vacinação das crianças, e até uma inédita e absurda consulta pública sobre a conveniência da vacinação de crianças.
Esse processo culminou com uma manifestação da autoridade máxima do país minimizando a morte de crianças por Covid-19 e ignorando completamente os 308 óbitos de crianças entre 5 e 11 anos de idade registrados pelo Ministério da Saúde até dezembro de 2021.
Além disso, o governo federal parece ignorar que as crianças infectadas pelo Sars-CoV-2 podem sofrer de efeitos gravíssimos, como a síndrome inflamatória multissistêmica aguda.
O governo alega que encomendou a vacina assim que a Pfizer entrou com o pedido de autorização junto à Anvisa. Entretanto, é difícil acreditar nessa afirmação, pois, se assim fosse e houvesse vacinas disponíveis no fabricante, a vacinação das crianças poderia ter se iniciado no dia seguinte à autorização.
Quantos casos e mortes teriam sido evitados se o governo federal tivesse procedido imediatamente com a vacinação em vez de tentar protelar o seu início?
Para responder a essa pergunta, utilizamos um modelo matemático que consiste em simulação em ambiente computacional da dinâmica da Covid-19 na faixa etária de 5 a 11 anos. Os resultados são as estarrecedoras cifras de 23 mil casos e 37 mortes evitáveis nessa faixa de idade para esses 30 dias de atraso.
Esse mesmo modelo mostrou a sua utilidade quando previu, uma semana antes da Copa América de 2021, que ocorreriam 27 casos de Covid-19 entre os atletas participantes, um número muito próximo das 33 infecções registradas.
Com base nesse caso e em uma série de outros exemplos, pode-se afirmar que esse modelo tem confiabilidade e boa capacidade preditiva.
Esse mesmo tipo de modelo já demonstrou há muitos anos que, quando se vacinam as faixas etárias superiores à média de idade em que as pessoas adquirem a infecção, essa idade média diminui e, como é o caso, se a infecciosidade aumenta, eleva-se o risco para os indivíduos das faixas etárias mais baixas.
No Brasil, já circula a variante ômicron do Sars-CoV-2, que é muito mais infectante, podendo cada pessoa infectada contaminar outras dez, e o número de casos de Covid-19 em crianças pode aumentar significantemente, o que explica os 23 mil casos previstos pelo modelo.
Caso o Instituto Butantan tivesse a autorização para a aplicação da Coronavac na faixa etária de 3 a 11 anos, mais 5.000 casos teriam sido evitados e cinco vidas poupadas nesses 30 dias.
Embora a taxa de letalidade da variante ômicron seja inferior à das cepas anteriores, o número de casos esperados é tão grande que as mortes certamente se acumulariam, o que explica a mortalidade esperada, nesses 30 dias de procrastinação, ser de 12% do total de mortes registradas até dezembro de 2021.
Entretanto, deve-se entender que o modelo é sensível à taxa de contato entre as pessoas e isso muda de acordo com medidas tomadas por autoridades municipais e estaduais. Essas autoridades, diferentemente de certas autoridades federais, ouvem a opinião de grupos de especialistas para enfrentar a pandemia.
O ex-primeiro ministro britânico Harold Macmillan dizia: "Se você não acredita em Deus, acredite na decência". O presidente do Brasil diz que acredita em Deus (acima de tudo), mas é difícil imaginar indecência maior que tentar impedir a vacinação de nossas crianças contra a doença que mais mata dentre as infecções preveníveis pela vacinação.
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