Restrições da Covid evitaram a dengue em centenas de milhares de pessoas em 2020

Pesquisa oferece pistas para novas estratégias de combate a essa perigosa doença tropical

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Stephanie Nolen
The New York Times

As medidas de saúde pública para impedir a propagação da Covid-19 tiveram uma consequência imprevista na América Latina e no Sudeste Asiático em 2020: as infecções pelo vírus da dengue foram evitadas em centenas de milhares de pessoas, de acordo com um estudo publicado pela revista científica The Lancet este mês.

A pesquisa oferece pistas para novas estratégias de combate a essa perigosa doença tropical que infectava mais pessoas a cada ano.

O estudo descobriu uma queda acentuada das infecções a partir de abril de 2020 em muitas regiões onde a dengue é transmitida por mosquitos; ele estima que houve 720 mil casos a menos de dengue em todo o mundo no primeiro ano da pandemia, devido às restrições de movimento.

Trabalhador faz vaporização de veneno para controle dos mosquitos da dengue em Surakarta, na Indonésia
Trabalhador faz vaporização de veneno para controle dos mosquitos da dengue em Surakarta, na Indonésia - Bram Selo - 10.mar.22/Xinhua

"Descobrimos benefícios realmente inesperados das restrições da Covid que nos ajudarão a combater melhor a dengue no futuro", disse o doutor Oliver Brady, epidemiologista da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, principal autor do estudo.

Mais de 5 milhões de pessoas foram infectadas com dengue —também conhecida como "febre quebra-ossos" pelas fortes dores articulares e musculares que causa— em 2019.

Brady disse que, no início da pandemia, ele e outros pesquisadores de doenças infecciosas temiam um desastre, pois os recursos foram desviados para a Covid-19, e outras medidas de controle de doenças, como a pulverização de mosquitos, foram interrompidas.

O enorme declínio nos casos de dengue foi uma feliz surpresa e os deixou ansiosos para descobrir o que poderia ter causado isso. Eles eliminaram outros fatores potenciais, incluindo mudanças ambientais e a diminuição dos relatórios sobre dengue pelas agências de saúde pública. Isso deixou apenas a grave interrupção no deslocamento de pessoas como explicação plausível, disse ele.

O fechamento das escolas, em particular, parece ter desempenhado um papel fundamental na redução dos casos de dengue. O principal vetor da dengue, os mosquitos Aedes aegypti, se alimentam durante o dia. A maioria dos programas de controle da dengue se concentra em residências —pulverização para matar mosquitos e monitoração de águas paradas onde eles possam se criar—, supondo que é onde a transmissão acontece.

"Mas se a casa fosse realmente o local de risco e os mosquitos estivessem apenas mordendo na casa, você esperaria que as ordens de permanência em casa aumentassem o risco, mas simplesmente não vimos isso em muitos países", disse ele.

Os pesquisadores não estão sugerindo que os pedidos de permanência em casa devam continuar, mas a circunstância extraordinária permitiu um resultado inesperado. Brady disse que suas descobertas sugerem que as picadas acontecem na escola ou nos locais de trabalho, o que significa que o controle do mosquito deve se concentrar em locais públicos.

A dengue também pode ter diminuído durante as ordens de permanência em casa porque, quando as pessoas se infectavam, não iam para lugares onde novos mosquitos poderiam picá-las e depois passar o vírus para outras pessoas.

As descobertas sobre a dengue podem ser relevantes para outros vírus transmitidos por mosquitos relacionados, incluindo zika e chikungunya, sugere o estudo. Mas Brady alertou que os dados da dengue para 2021, que deverão ser disponibilizados em breve, e para um período pós-pandemia, podem trazer más notícias: as taxas de infecção podem voltar aos níveis pré-Covid ou pior, se os programas de controle de vetores forem interrompidos, enquanto os níveis de imunidade podem ter caído porque menos pessoas foram expostas, disse ele.

Traduzido por Luiz Roberto M. Gonçalves

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