Descrição de chapéu The New York Times

Estudos investigam ligação de adenovírus com casos de hepatite infantil

Pelo menos 920 casos prováveis da doença foram detectados em crianças de 33 países desde outubro

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Emily Anthes
The New York Times

Cientistas em todo o mundo vêm estudando há meses casos de hepatite (inflamação do fígado) grave e inexplicada em crianças até então saudáveis. Pelo menos 920 casos prováveis foram detectados em 33 países desde outubro, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde). Entre esses casos, 5% precisaram de transplantes de fígado e 18 mortes foram notificadas.

Os casos ainda não têm explicação. Uma parcela importante dos casos de hepatite em crianças sempre foi inexplicada. Ainda não há um consenso se esses casos estão ficando mais comuns. Tampouco está claro se os casos notificados recentemente, que ainda são raros, fazem parte de um fenômeno médico novo ou se compartilham uma mesma causa subjacente.

Mas investigações mais detalhadas estão começando a apontar pistas.

Centro de Controle e Prevenção de Doenças no Alabama, nos EUA; cientistas vêm estudando casos de hepatite grave e inexplicada em crianças até então saudáveis - Tami Chappell - 20.mai.22/Reuters

Dois estudos novos publicados na quarta-feira (13) no New England Journal of Medicine revelam que dois centros médicos —um situado em Birmingham, Alabama, e o outro em Birmingham, Inglaterra— assistiram nos últimos meses a um aumento no número de crianças com hepatite aguda e inexplicada.

A pesquisa também apresentou evidências mais circunstanciais de que um fator contribuinte para os casos de hepatite pode ser o adenovírus 41, que frequentemente provoca sintomas gastrointestinais. Em ambos os estudos, infecções por adenovírus —tipo de patógeno comum que causa resfriados e gripes— foram detectadas em 90% das crianças testadas. Os menores que desenvolveram falência hepática aguda ou precisaram de transplante tinham níveis médios mais elevados do vírus em seu sangue que as crianças com hepatite mais branda.

"Acho que o adenovírus pode ser um fator aqui", disse Helena Gutierrez Sanchez, diretora médica do programa de transplantes pediátricos de fígado da Universidade do Alabama em Birmingham e autora de um dos novos artigos. "Parece que esse é um sinal comum, não apenas em nosso coorte [grupo de participantes analisados no estudo], mas em todo o mundo."

Mas as evidências estão longe de ser definitivas. Nenhum dos dois estudos encontrou evidências claras de que o vírus estivesse presente nas células do fígado de qualquer das crianças afetadas. Isso sugere que, se existe uma ligação entre infecções por adenovírus e hepatite, pode não ser direta.

"Acho que esse não é um ponto sutil", comentou o hepatologista pediátrico Saul Karpen, da Universidade Emory e do Children’s Healthcare, em Atlanta, que escreveu um editorial sobre os dois estudos novos. "Acho que é um ponto principal."

Karpen destacou que nem todos os centros médicos têm assistido ao mesmo aumento no número de casos. Além disso, um estudo recente do CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) não encontrou evidências de que a hepatite inexplicada tivesse se tornado mais comum entre as crianças americanas de modo geral.

Os novos casos podem não necessariamente representar "algo novo e assustador", ele observou. "Por outro lado, não podemos ignorá-los."

A hepatite pode ter uma série de causas, entre as quais determinados medicamentos e condições médicas, toxinas, consumo elevado de álcool e os vírus da hepatite A a E.

Os adenovírus, uma família de vírus que geralmente provocam sintomas de resfriado ou gripe, não são normalmente associados à inflamação do fígado em crianças saudáveis.

Mas médicos têm detectado infecções por adenovírus em muitos dos casos recentes, incluindo em um grupo de crianças no Alabama, o primeiro grupo de casos notificados nos Estados Unidos.

Um dos estudos traz mais detalhes sobre casos de hepatite no Children’s Hospital of Alabama, em Birmingham. Durante um período de cinco meses entre outubro de 2021 e fevereiro de 2022, o hospital recebeu nove crianças com hepatite aguda e inexplicada —um número três vezes superior aos que haviam sido internados em todo o ano anterior. "Em nosso centro, pelo menos, tivemos um aumento acentuado", disse Gutierrez.

Amostras de sangue de oito dessas nove crianças testaram positivo para o adenovírus. Amostras virais de cinco crianças produziram sequências genômicas suficientemente boas para ser analisadas extensamente. Todas revelaram ser do adenovírus 41.

Durante esse mesmo período, o hospital também recebeu seis crianças cuja hepatite tinha causa conhecida. Das cinco testadas para adenovírus, todas deram negativo. Uma revisão dos registros de laboratório sugeriu que as infecções não estavam disseminadas na população geral de pacientes do hospital na época.

No Reino Unido, 44 crianças com hepatite aguda e inexplicada foram encaminhadas para o centro de transplantes pediátricos de fígado do hospital Birmingham Women’s and Children’s entre 1º de janeiro e 11 de abril de 2022. 13 delas foram hospitalizadas, mais do que os 1 a 5 pacientes internados no mesmo período em anos anteriores.

Das 30 crianças testadas para adenovírus, 27 deram positivo. A agência britânica de Segurança da Saúde determinou mais tarde que o vírus era o adenovírus 41, disse a hepatologista pediátrica Chayarani Kelgeri, uma das autoras do estudo.

O quadro ficou mais complicado quando cientistas analisaram amostras do fígado de um subconjunto de crianças afetadas. Testes de laboratório não produziram evidências de proteínas ou partículas virais nas próprias células hepáticas.

Testes de PCR encontraram DNA do adenovírus em amostras hepáticas de várias crianças, mas essas amostras podem ter incluído sangue misturado com tecido do fígado, de modo que seria difícil determinar se o material genético veio do fígado ou do sangue, disseram os cientistas.

"Isso nos leva a questionar se o vírus estava presente, mas o que estávamos vendo nas amostras do fígado seria uma consequência da lesão viral", disse Kelgeri.

Para ela, é possível que uma infecção por adenovírus desencadeie uma resposta imune anormal em algumas crianças e que seja essa resposta, e não o vírus, que lesione o fígado.

Mas ainda não se sabe por que alguns hospitais estão tendo um aumento nos casos. Se a hepatite sempre foi um resultado raro de infecções por adenovírus em crianças, os casos podem aumentar quando o vírus se torna mais prevalente. Kelgeri observou que, de fato, os novos casos de hepatite no Reino Unido coincidiram com "um relato de aumento do adenovírus" na população maior.

Para os cientistas, também é possível que o vírus tenha passado por alterações ou que outros fatores —como uma infecção anterior por Covid— tenham deixado algumas crianças mais vulneráveis a uma infecção subsequente por adenovírus. Entre as crianças testadas, 28% das crianças britânicas testaram positivo para o coronavírus, enquanto 38% apresentaram anticorpos para o coronavírus.

Karpen disse que ainda não está convencido de que exista uma ligação entre infecção por adenovírus e hepatite pediátrica, nem tampouco de que a incidência de uma ou outra esteja aumentando ao todo. Mesmo assim, destacou, é necessário um trabalho mais sistemático de coleta e análise de dados.

"Estou satisfeito pelo fato de estarem sendo criados registros para que saibamos se de fato há um novo vírus no pedaço que requer nossa atenção", disse Karpen. "O que precisamos realmente é apenas continuar a colher informações e ficar atentos."

Tradução de Clara Allain

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