Descrição de chapéu The New York Times

OMS chama a atenção para os fungos que mais ameaçam a saúde e podem matar

Na Índia, patógeno raro atingiu milhares de pacientes com Covid e levou a cirurgias faciais desfigurantes

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​Andrew Jacobs
The New York Times

A Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou um ranking de fungos que ameaçam a saúde humana. Trata-se do maior esforço da organização até agora para chamar a atenção para uma constelação de patógenos que geralmente recebem pouca atenção, apesar de sua presença crescente, de ser resistentes a tratamentos e ser mortais.

A organização apresentou uma lista de 19 doenças fúngicas invasivas, incluindo quatro que caracterizou como "prioridades críticas", que coletivamente matam 1,3 milhão de pessoas e contribuem para a morte de outras 5 milhões anualmente. Muitas dessas mortes ocorrem entre pessoas com HIV, câncer, tuberculose e outros problemas de saúde subjacentes que as deixam vulneráveis à infecção.

As autoridades de saúde dizem que a mortalidade decorrente de infecções fúngicas é provavelmente muito maior, isso porque muitos hospitais e clínicas, especialmente em países mais pobres, não possuem as ferramentas de diagnóstico necessárias para detectá-las.

Cientista segura dois círculos de vidro com culturas de fungos
Cultura de dois tipos de fungos: o Candida auris (à direita) e o Candida albicans - Centros de Controle e Prevenção de Doenças

"As infecções fúngicas invasivas estão ficando mais prevalentes, mas frequentemente não são reconhecidas nos pacientes nem tratadas corretamente", disse a médica Carmem L. Pessoa-Silva, profissional da OMS que trabalha com acompanhamento e controle de doenças, em entrevista coletiva na última terça-feira (25). "Não temos uma visão real das dimensões do problema."

A OMS caracterizou o relatório como um chamado à ação, e representantes disseram esperar que o texto aumente a consciência de governos, criadores de medicamentos, médicos e especialistas em política de saúde sobre a urgência do problema.

Ainda segundo a OMS, a mudança climática ajudou a aumentar a área geográfica de presença de alguns fungos. A pandemia de coronavírus também levou a um aumento nas infecções fúngicas entre pacientes com Covid que foram para UTIs, onde patógenos resistentes como Candida auris às vezes se espalham, invadindo o corpo através de tubos respiratórios e linhas intravenosas.

Na Índia, a mucormicose, um patógeno raro, mas agressivo, muitas vezes referido como "o fungo negro", perseguiu milhares de pacientes de Covid, alguns dos quais precisaram de cirurgias faciais desfigurantes para remover as infecções.

De modo semelhante às bactérias prejudiciais que evoluem e ganham resistência a antibióticos por serem usados excessivamente com pessoas e na agricultura, nos últimos anos também os medicamentos antifúngicos vêm perdendo seu poder de cura. Cientistas dizem que o índice crescente de resistência ao Aspergillus fumigatus, um fungo comum que pode ser fatal para pessoas com imunidade enfraquecida, tem sido vinculado ao uso intensivo de fungicidas no cultivo de espécies como uvas, milho e algodão.

A partir do momento em que uma infecção fúngica invade a corrente sanguínea, o tratamento é dificultado exponencialmente. Por exemplo, a taxa de mortalidade em decorrência de infecções no sangue por fungos da família das candidas é 30%. Essa porcentagem é substancialmente maior entre pacientes com Candida auris, um dos quatro fungos "de prioridade crítica" citados no relatório da OMS. Levedura primeiro identificada no Japão em 2009, o fungo desde então se espalhou para quatro dúzias de países e frequentemente é resistente a mais de uma droga.

Existem apenas quatro classes de medicamentos para tratar infecções fúngicas "e há muito poucos outros em desenvolvimento", disse Hatim Sati, outro funcionário da OMS que ajudou a redigir o relatório. Segundo ele, muitos dos medicamentos existentes são tão tóxicos que alguns pacientes não podem tomá-los.

Médicos e pesquisadores se disseram encorajados com a decisão da OMS de chamar a atenção para as infecções fúngicas. "Isso já deveria ter sido feito há muito tempo. As doenças fúngicas são relegadas ao descaso há muito tempo, enquanto o problema vem crescendo exponencialmente", afirmou o infectologista Cornelius Clancy, do VA Pittsburgh Health Care System, que não contribuiu para o estudo.

Menina indiana com o olho direito coberto após perdê-lo por causa do mucormicose, conhecido como fungo negro
Menina indiana perdeu o olho direito por causa do mucormicose, conhecido como fungo negro - Francis Mascarenhas - 29.jun.21/Reuters

O médico David Denning, CEO do grupo de ação Global Action for Fungal Infections, disse que sob alguns aspectos a vigilância insuficiente está na raiz desse descaso.

O fato de infecções fúngicas passarem sem ser diagnosticadas significa que os pacientes muitas vezes não recebem tratamento, ele disse, citando pesquisas no Quênia que concluíram que esforços melhores de vigilância para detectar meningite fúngica poderiam salvar 5.000 vidas por ano de pessoas soropositivas.

O custo anual de exames generalizados seria em torno de US$ 50 mil.

A falta de diagnóstico encerra outras consequências que não são vistas, afirmou Denning. Ele deu o exemplo hipotético de um paciente com leucemia que desenvolve uma infecção fúngica que acaba sendo fatal. "Se a pessoa morrer de uma infecção fúngica, seus familiares podem querer doar dinheiro a uma entidade que pesquisa a leucemia", ele disse. "Não o doarão a uma entidade que trabalha com doenças fúngicas, porque só sabem da leucemia."

Tradução de Clara Allain

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