Descrição de chapéu Financial Times

Problemas políticos impedem desenvolvimento da próxima geração de vacinas para Covid

Não há progresso na proteção contra variantes ou outros coronavírus

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Sarah Neville Jamie Smyth
Londres e Nova York | Financial Times

A falta de financiamento e vontade política está dificultando os esforços para desenvolver a próxima geração de vacinas que poderiam proteger milhões de pessoas de novos patógenos emergentes, alertaram especialistas.

A próxima onda de imunizantes visa aperfeiçoar as vacinas contra Covid-19 lançadas no final de 2020, oferecendo proteção mais duradoura ou mais ampla contra novas variantes e, potencialmente, outros coronavírus. O foco está em produtos alternativos, como sprays nasais, inaladores e comprimidos, tornando-os mais fáceis de administrar, fabricar ou distribuir.

Mas o senso de urgência de políticos e formuladores de políticas que impulsionaram o rápido desenvolvimento das primeiras vacinas para a Covid-19 não está sendo replicado. Os críticos culpam uma mistura de apatia pública com disputas por financiamento e politização da resposta à pandemia.

Mão aplica vacina em braço de um homem não identificado
A próxima onda de imunizantes visa aperfeiçoar as vacinas contra Covid-19 lançadas no final de 2020, oferecendo proteção mais duradoura ou mais ampla contra novas variantes e outros coronavírus - Bruno Santos - 6.jul.22/Folhapress

A declaração do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, no mês passado, de que "a pandemia acabou" eliminou mais de US$ 10 bilhões do valor dos fabricantes de vacinas para Covid, minando a probabilidade de avanços num momento em que a baixa aceitação de vacinas de reforço e a diminuição da imunidade estão aumentando as taxas de infecção.

"As políticas da Covid realmente afetam a pesquisa, desde a disponibilidade de financiamento até o acesso a vacinas [para fins de pesquisa] e o sentimento do público em geral", disse Akiko Iwasaki, professora de imunobiologia da Escola de Medicina de Yale. "Se ouvirmos muitas vezes que a Covid acabou, ninguém vai querer procurar as vacinas da próxima geração."

Uma equipe de Yale liderada por Iwasaki está desenvolvendo um reforço para Covid-19 que é pulverizado diretamente no nariz. Estudos iniciais em camundongos produziram resultados encorajadores. Mas o enorme custo da realização de ensaios clínicos e os obstáculos regulatórios estão retardando o avanço desses projetos, de acordo com Iwasaki, que pede a intervenção do governo para romper o impasse.

Nos EUA, essa perspectiva parece distante. No início de outubro, o Congresso bloqueou um pedido do governo Biden de US$ 22,4 bilhões extras para combate à Covid. O principal conselheiro médico de Biden, doutor Anthony Fauci, alertou que a não aprovação de novos financiamentos pode atrasar o desenvolvimento de várias candidatas a vacinas promissoras, que de outra forma estariam prontas para grandes ensaios clínicos dentro de um ano.

"Se você realmente deseja fazer ensaios clínicos maiores de candidatas, quando faz parceria com a indústria... Não posso fazer isso a menos que consiga recursos do Congresso", disse ele.

Richard Hatchett, executivo-chefe da Coalizão para Inovações de Prontidão para Epidemias (Cepi na sigla em inglês), disse que sua organização destinou cerca de US$ 200 milhões para apoiar pesquisas de vacinas que dão proteção mais ampla contra um leque de coronavírus, enquanto os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA destinaram US$ 36,3 milhões.

No entanto, disse ele, foi "muito surpreendente e decepcionante" que "não haja um esforço global mais orquestrado para apoiar esse trabalho. Não estamos vendo investimentos em escala semelhante do Reino Unido, da Comissão Europeia, do Japão e outros".

Embora seja "inegável que a maioria dos países passou para uma fase diferente de coexistência com o vírus", Hatchett acrescentou que "não há nada que diga que o Sars-CoV-2, que já demonstrou seu tremendo potencial evolutivo em várias ocasiões, não possa sofrer mutação e se tornar mais virulento ou resistente às vacinas que temos".

Alguns países, incluindo o Japão e a UE, criaram órgãos para reforçar sua capacidade de antecipar e responder a ameaças futuras, mas Hatchett disse que ações mais urgentes são necessárias para desenvolver vacinas avançadas.

Homem folheia papéis
Anthony Fauci alertou que a não aprovação de novos financiamentos para combater o Covid-19 pode atrasar o desenvolvimento de várias candidatas a vacinas promissoras - Stefani Reynolds - 14.set.22/AFP

A comissão disse que o Horizon Europe, programa de pesquisa e inovação da UE, reservou financiamento de até 40 milhões de euros em 2022 para o desenvolvimento de vacinas da próxima geração; as propostas de pesquisa estão atualmente "sob avaliação", informou a comissão, recusando-se a revelar mais detalhes. O programa Horizon 2020 anterior também está contribuindo com 100 milhões de euros para o Cepi para apoiar o trabalho em vacinas para Covid. Uma parte desse dinheiro pode ser alocada para o desenvolvimento de uma candidata a vacina contra o coronavírus amplamente protetora como parte do programa de US$ 200 milhões da coalizão.

O Reino Unido procurou se posicionar na vanguarda do desenvolvimento de vacinas. Em junho, o governo fechou um acordo com a Moderna, com sede em Massachusetts (EUA), para construir um centro de pesquisa e fabricação no Reino Unido. Um centro de pesquisa aberto pela Agência de Segurança da Saúde em fevereiro em Porton Down, em Wiltshire, já foi "crucial para testar sua eficácia" de novas vacinas que atacam duas ou mais cepas de coronavírus, disse Bassam Hallis, vice-diretor de pesquisa e avaliação.

No entanto, autoridades que participaram da primeira resposta vacinal à pandemia sugeriram que a liderança política e o foco que caracterizaram a primeira fase podem ter se dissipado. Kate Bingham, que liderou a Força-Tarefa de Vacinas (VTF) do Reino Unido durante sete meses desde sua formação em maio de 2020, foi nomeada diretamente pelo então primeiro-ministro Boris Johnson.

"O sentido de urgência e medo em 2020 era completamente diferente. O fato de que eles estavam dispostos a trazer um grupo de fora e permitir que eu contratasse uma equipe... é bem diferente do que o governo costuma fazer", disse Bingham.

Mulher com chapéu preto posa para retrato em um gramado
Kate Bingham, que liderou a Força-Tarefa de Vacinas do Reino Unido por 7 meses, diz que a UKHSA 'não parece ter nenhum poder, dinheiro ou responsabilidade para se envolver com inovadores' - Steve Parsons - 5.abr.22/AFP

O departamento de negócios do Reino Unido entregou o portfólio de desenvolvimento de vacinas à Agência de Segurança da Saúde (UKHSA), com a ex-executiva da VTF Philippa Harvey liderando a unidade de vacinas. Bingham sugeriu que a agência "não parece ter nenhum poder, dinheiro ou responsabilidade para se envolver com inovadores". Ela e sua equipe puderam "procurar acadêmicos ou empresas e dizer: 'Gostaríamos de trabalhar com você e temos orçamento para isso'", acrescentou.

A UKHSA disse que continuará "a trabalhar em estreita colaboração com desenvolvedores de vacinas, especialistas e acadêmicos" em iniciativas de detecção e resposta precoces.

Voltando aos EUA, Eric Topol, fundador do Instituto de Pesquisa Translacional Scripps, disse que o governo Biden não conseguiu confrontar os republicanos por não aprovarem novos financiamentos.

Ele acrescentou que, em algumas medidas, os EUA foram ultrapassados pela Índia e pela China, que aprovaram vacinas nasais e orais. A Bharat Biotech da Índia disse neste mês que recebeu aprovação para uso emergencial de sua vacina nasal em duas doses para uso por pessoas com 18 anos ou mais.

"Você precisa seguir todos os caminhos para controlar a pandemia, antecipar-se e conter o vírus", disse Topol. "Isso não está sendo feito."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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