Descrição de chapéu The New York Times

Cientistas começam a entender quando e como varíola dos macacos se espalha

Acredita-se, por exemplo, que mulheres tenham sido infectadas por exposição em seus empregos ou casas

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The New York Times

No surto de varíola dos macacos que ocorreu no verão passado nos Estados Unidos e em dezenas de outros países, os homens que fazem sexo com homens foram os que correram maior risco. Mas milhares de mulheres também foram infectadas e muitos outros casos provavelmente não foram relatados, segundo o primeiro estudo de mulheres e pessoas não binárias que contraíram a doença.

Assim como nos homens, o contato sexual foi a fonte mais provável de infecção entre as mulheres transgênero, respondendo por 89% dos casos, de acordo com a série de casos publicada na última quinta-feira (17) na revista Lancet. Mas entre mulheres cisgênero e indivíduos não-binários que foram designados como mulheres no nascimento, apenas 61% dos casos podem estar conectados ao contato sexual.

Quase um quarto das mulheres cisgênero do estudo pode ter sido infectado sem interação sexual com uma pessoa infectada, disse Chloe Orkin, médica e pesquisadora da Universidade Queen Mary em Londres. Acredita-se que as mulheres tenham sido infectadas por exposição em seus empregos ou residências, ou por outros tipos de contato próximo.

Amostras do vírus da varíola dos macacos são processadas em laboratório no Estados Unidos - Mike Kai Chen/The New York Times

"A lição é que todos precisam saber disso", disse Orkin. Embora seja apropriado que as mensagens de saúde pública tenham sido dirigidas principalmente a homens que fazem sexo com homens, ela acrescentou: "É importante reconhecer que este não é o único grupo".

Após vários meses de aumento rápido do número de casos, o surto de varíola dos macacos nos Estados Unidos diminuiu, em parte graças a uma campanha de vacinação e mudanças no comportamento de muitos indivíduos de alto risco. Desde maio, houve pouco mais de 29 mil casos nos Estados Unidos, mas apenas cerca de mil casos foram diagnosticados no mês passado.

No entanto, à medida que a doença perde a atenção do público, os cientistas apenas começam a entender quando e como ela se espalha e quem está em risco.

No novo estudo, Orkin e seus colegas encontraram material genético do vírus da varíola dos macacos em todos os 14 bastonetes vaginais que testaram, sugerindo que o vírus pode ser transmitido por secreções genitais. Estudos em homens também encontraram o vírus no fluido seminal.

Ainda assim, as autoridades de saúde pública hesitam em chamar a varíola dos macacos de infecção sexualmente transmissível, argumentando que o vírus pode se espalhar por contato físico próximo de qualquer tipo.

Alguns especialistas discordam, porém: o fato de a varíola dos macacos poder ser transmitida de outras maneiras não deve impedir sua classificação como doença sexualmente transmissível, porque outras doenças, como herpes e sífilis, também podem se espalhar por contato próximo não sexual, disseram alguns.

No mês passado, o estado de Nova York adicionou a varíola dos macacos à sua lista de infecções sexualmente transmissíveis, mas os Centros de Controle e Prevenção de Doenças não fizeram essa alteração. A agência deixará essa categorização para os estados individuais, disse Demetre Daskalakis, vice-coordenador da resposta à varíola dos macacos da Casa Branca. Mas está claro que o comportamento sexual impulsiona os casos, disse ele.

"Se você tirasse o sexo, teríamos um surto de varíola dos macacos? Provavelmente não", acrescentou. Mesmo que o principal motivo da disseminação seja o contato pele a pele durante a atividade sexual, "é definitivamente uma transmissão sexualmente associada".

Neste ano, Orkin liderou uma colaboração internacional para caracterizar os sintomas da varíola dos macacos em 500 pacientes. As descobertas levaram a Grã-Bretanha, os Estados Unidos e outros países a refinar suas definições de caso da doença.

E no mês passado a Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido publicou um estudo sugerindo que aproximadamente entre 40% e 60% da transmissão da varíola dos macacos podem ocorrer antes que as pessoas infectadas desenvolvam sintomas.

Isso faz sentido intuitivamente porque, uma vez que os pacientes desenvolvam bolhas dolorosas, é improvável que façam sexo, disse Tom Ward, um modelador de doenças infecciosas da agência. Uma pequena porcentagem de pessoas infectadas pode nunca desenvolver sintomas, disse ele.

O rastreamento de contatos em um surto de varíola dos macacos é extremamente desafiador devido à natureza sensível e muitas vezes anônima da disseminação; não há testes capazes de detectar a doença antes que apareça a erupção cutânea característica.

"O que se destaca essencialmente é que ainda precisamos de muita pesquisa sobre a natureza da transmissão assintomática e pré-sintomática da varíola dos macacos", disse Ward.

Algumas pessoas podem apresentar sintomas leves e genéricos, como dor de garganta, antes de desenvolver a erupção cutânea.

O novo estudo é o primeiro a descrever a varíola dos macacos em pessoas trans ou não-binárias, que muitas vezes têm pouco acesso a cuidados de saúde de qualidade e raramente são incluídas em estudos de pesquisa.

"É muito, muito importante relatarmos as diferenças de sexo e gênero, porque ambos são importantes e, em alguns casos, eles se cruzam", disse Orkin.

No estudo, pesquisadores de 15 países contribuíram com informações clínicas de 69 mulheres cisgênero, 62 mulheres transgênero e cinco indivíduos não-binários que foram diagnosticados com varíola dos macacos entre 11 de maio e 4 de outubro. Cerca de 45% das mulheres eram latinas, 29% eram brancas e 21% eram negras.

Mais da metade dos pacientes do estudo apresentava feridas no ânus, órgãos genitais, boca ou olhos. Mas algumas mulheres –especialmente mulheres cisgênero– foram inicialmente diagnosticadas erroneamente com outras infecções sexualmente transmissíveis.

Os especialistas previram que a varíola dos macacos "provavelmente teria um padrão ligeiramente diferente de transmissão, dependendo dos comportamentos sociais e normas de certos grupos", disse Abraar Karan, médico de doenças infecciosas da Universidade Stanford.

O novo estudo apoiou essa inferência. Em contraste com pacientes masculinos de varíola dos macacos que fazem sexo com homens, apenas 7% dos pacientes do estudo relataram ter comparecido a um evento do orgulho gay ou outras reuniões semelhantes. Enquanto as mulheres transgênero no estudo tiveram cerca de dez parceiros em média no mês anterior, as mulheres cisgênero tiveram um, e 7% das mulheres cisgênero disseram que não tiveram parceiros sexuais no mês anterior.

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