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Os reforços anticovid impedirão outra onda? Os cientistas não têm tanta certeza

Doses de vacina provavelmente não previnem infecções em nenhum grupo, sugerem estudos recentes

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The New York Times

À medida que o inverno se aproxima e os americanos se reúnem cada vez mais em ambientes fechados, sem máscaras ou distanciamento social, uma mistura de novas variantes de coronavírus está provocando um maior número de casos e hospitalizações em todos os Estados Unidos.

O plano do governo Biden para prevenir um aumento nacional depende muito de convencer os americanos a receberem doses de reforço atualizadas das vacinas Pfizer-BioNTech e Moderna. Agora, alguns cientistas estão levantando dúvidas sobre essa estratégia.

Adultos idosos, pessoas imunocomprometidas e mulheres grávidas devem receber as vacinas de reforço, porque oferecem proteção extra contra doenças graves e morte, disse John Moore, virologista da Weill Cornell Medicine, em Nova York.

Pessoas sentadas em cadeiras sob uma tenda são vacinadas contra a Covid-19
Moradores de Salt Lake City recebem novas doses da vacina contra a Covid-19 - Kim Raff - 22.set.22/NYT

Mas a imagem é menos clara para americanos saudáveis de meia idade e mais jovens. Eles raramente correm o risco de doenças graves ou morte por Covid e, nesta altura, a maioria desenvolveu imunidade por meio de diversas doses de vacina, infecções ou ambos.

As variantes mais recentes, denominadas BQ.1 e BQ.1.1, estão se espalhando rapidamente, e os reforços parecem adiantar pouco para evitar infecções por esses vírus, pois são excelentes evasores da imunidade.

"Se você está em risco médico, deve receber um reforço, ou se está em risco psicológico e se preocupa com a morte, vá e receba um reforço", disse o doutor Moore. "Mas não acredite que isso lhe dará algum tipo de proteção incrível contra infecções e depois sair e festejar como se não houvesse amanhã."

Os reforços mais recentes são "bivalentes", visando tanto à versão original do coronavírus quanto às variantes da ômicron que circularam no início deste ano, BA.4 e BA.5. Apenas cerca de 12% dos adultos optaram pela última vacina.

Em uma entrevista, o doutor Peter Marks, principal regulador de vacinas da FDA (Agência de Alimentos e Drogas), reconheceu as limitações dos dados disponíveis sobre os reforços atualizados.

"É verdade, não temos certeza de como essas vacinas funcionarão contra a prevenção de doenças sintomáticas", disse ele, principalmente conforme as novas variantes se disseminam.

Mas, acrescentou o doutor Marks, "mesmo melhorias modestas na resposta vacinal aos reforços bivalentes podem ter consequências positivas importantes na saúde pública. Como a desvantagem é muito baixa aqui, acho que a resposta é que realmente aprovamos que as pessoas considerem tomar o reforço.

Os menores retornos de modificações das vacinas Pfizer-BioNTech e Moderna exigem uma nova abordagem para proteger os americanos em geral, disseram o doutor Moore e outros especialistas. Uma vacina universal que vise partes do coronavírus que não sofrem mutação seria o ideal, por exemplo. Uma vacina nasal pode ser melhor para a prevenção de infecções do que uma injetável.

"Perseguir variantes adaptando as vacinas de mRNA não é uma estratégia sustentável", disse Moore. "Existe a necessidade de melhores designs de vacinas, mas isso requer uma mudança de atitude no nível do governo."

Recentemente, a Pfizer-BioNTech e a Moderna relataram que suas injeções bivalentes produziram nos participantes do estudo níveis de anticorpos quatro a seis vezes maiores do que os produzidos pela vacina original.

Mas as empresas estavam medindo anticorpos contra BA.4 e BA.5, não as variantes BQ.1 e BQ.1.1, em rápida aceleração. Uma série de pesquisas preliminares sugere que os reforços atualizados, introduzidos em setembro, são pouco melhores —ou nada— que as vacinas originais para proteger contra as variantes mais recentes.

Os estudos são pequenos, baseados em testes de laboratório, e ainda não foram aprovados para publicação em revista científica. Mas os resultados de várias equipes geralmente concordam.

"Não é provável que qualquer das vacinas ou reforços, não importa quantos você tome, ofereça proteção substancial e sustentada contra a infecção", disse o doutor Dan Barouch, chefe do Centro Beth Israel Deaconess para Virologia e Pesquisa de Vacinas, que ajudou a desenvolver a vacina da Janssen.

Projetar uma vacina para um vírus em evolução é um desafio formidável. A Pfizer, a Moderna e os reguladores federais tiveram que escolher quais variantes do coronavírus visar no início deste ano, para que pudessem fabricar vacinas suficientes até o outono.

Mas a variante BA.4 praticamente desapareceu. A BA-5 responde agora por menos de 30% dos casos e está diminuindo rapidamente. A BQ.1, por outro lado, fez os números dispararem na Europa. Esse vírus e seu parente próximo, BQ.1.1, agora respondem por 44% das infecções por coronavírus nos Estados Unidos.

Em pesquisa recente, a equipe do doutor Barouch descobriu que a BQ.1.1 é aproximadamente sete vezes mais resistente às defesas imunológicas do corpo do que a BA.5 e 175 vezes mais que o coronavírus original. "Ele tem a evasão imunológica mais impressionante e também está crescendo mais rapidamente", disse ele. Espera-se que a BQ.1 se comporte da mesma forma.

Até agora, a maioria dos americanos tem algum grau de imunidade ao coronavírus, e não surpreende os cientistas que a variante que melhor escapar da resposta imune do corpo provavelmente supere suas rivais.

O novo reforço bivalente aumenta os níveis de anticorpos, como seria de esperar de qualquer reforço.

Mas o fato de a dose ser bivalente pode não significar muito. Em agosto, um estudo de modelagem realizado por imunologistas na Austrália sugeriu que qualquer reforço conferiria proteção adicional, mas era improvável que uma vacina específica para uma variante fosse mais eficaz do que a vacina original.

"A maior parte do benefício vem da aplicação de uma dose de reforço, independentemente de ser uma vacina monovalente ou bivalente", alertou a Organização Mundial da Saúde no mês passado.

Estudos demonstraram que a maioria dos anticorpos produzidos por uma vacina direcionada à BA.5, por exemplo, ainda reconhece apenas o vírus original.

Isso ocorre por causa de um fenômeno chamado "imprinting imunológico", no qual o corpo repete preferencialmente sua resposta imune à primeira variante que encontrou, apesar de ser alertado para uma variante mais recente.

"É mais fácil para o sistema imunológico voltar a algo que já conhece", disse Florian Krammer, imunologista da Escola de Medicina Icahn no Mount Sinai, em Nova York. (O doutor Krammer atuou como consultor da Pfizer.)

Alguns especialistas sugeriram que as doses de reforço deveriam ter sido "monovalentes", simplesmente visando às variantes recentes. Em vez disso, os fabricantes efetivamente reduziram pela metade o componente crucial específico da ômicron do novo reforço, minando a eficácia da injeção, disseram eles.

Mas o doutor Krammer foi mais otimista sobre os reforços em geral, apesar da pesquisa recente. Os novos estudos analisaram a resposta imune logo após a vacinação, e a resposta pode melhorar com o tempo, segundo ele.

"Vamos ver com estudos maiores e em um momento posterior se há um benefício bom ou significativo, mas acho que certamente não é pior", acrescentou. "Não vejo muito risco quando você recebe a vacina, então é melhor obter o benefício."

Pode haver maneiras de evitar o imprinting imunológico, talvez com uma segunda dose de uma vacina bivalente que se baseie na resposta imune após a primeira, assim como a segunda dose da série inicial de vacinas consolidou a proteção.

"É o que precisamos fazer agora para passar os próximos meses, quando acho que estamos em mais uma onda incipiente de Covid", disse o doutor Marks. "E então precisamos olhar para a frente e avaliar como faremos as coisas de maneira diferente daqui em diante."

A FDA autorizou o uso dos reforços pelo menos dois meses após uma dose anterior ou infecção. Mas reforçar novamente tão cedo pode ser contraproducente, sugerem alguns estudos. Aumentar o intervalo entre os reforços para cinco ou seis meses pode ser mais eficaz, dando ao sistema imunológico mais tempo para refinar sua resposta.

Seja qual for o momento, parece improvável que acrescentar uma injeção ao regime motive os americanos a optar pela imunização.

"Cada novo reforço que lançamos terá uma absorção cada vez menor, e já estamos bem perto do piso", disse Gretchen Chapman, especialista em comportamento de saúde da Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh.

O governo Biden pode não ter escolha a não ser promover reforços devido ao levantamento de outras precauções, disse a doutora Chapman. Mas a maioria das pessoas toma decisões com base no que outras em sua rede social fazem ou no que seus líderes políticos e comunitários recomendam, não em dados científicos esotéricos, observou ela.

"Não devemos gastar muito capital político tentando fazer com que as pessoas obtenham esse reforço bivalente, porque os benefícios são limitados", acrescentou. "É mais importante vacinar as pessoas que nunca receberam a série inicial de vacinas do que fazer que pessoas como eu recebam a quinta injeção."

O governo Biden pode ter mais sorte em convencer a população a receber reforços se outras vacinas, como a Novavax ou a Janssen, estiverem disponíveis para esse fim, acrescentou ela. Isso pode ser particularmente verdadeiro para pessoas que hesitaram em receber uma injeção de reforço porque tiveram uma forte reação a uma vacina de mRNA.

Mesmo de uma perspectiva científica, pode fazer mais sentido diversificar a resposta de anticorpos com diferentes vacinas do que continuar a lançar versões das vacinas de mRNA, disseram alguns especialistas.

O doutor Marks disse que a FDA poderá recomendar a Novavax como um segundo reforço depois de revisar os dados. Até então, essa vacina é autorizada apenas como primeiro reforço para pessoas que não desejam ou não podem receber uma vacina de mRNA.

Essa regra "é completamente ridícula", disse Moore. "Se o objetivo da FDA é aumentar a aceitação da vacina e aumentar a imunidade da população, por que está colocando restrições como essa?"

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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