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Verba para pesquisas de doenças como dengue e malária não avança no Brasil desde 2004

Orçamento permaneceu estacionado, e mudança de governo impactou montante para estudos

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São Paulo

A quantia disponível para investimentos em pesquisas sobre doenças tropicais negligenciadas, entre as quais dengue e malária, não teve aumento entre 2004 e 2020, concluiu um estudo brasileiro publicado nesta quinta (16). O montante sofreu uma pequena redução durante os anos, mas, por ser baixa, os autores dizem que o investimento estacionou.

A estagnação preocupa, na avaliação de Gabriela Melo, doutoranda do programa de pós-graduação em ciências e tecnologias em saúde da UnB (Universidade de Brasília).

"[Essas doenças] continuam afetando a população, especialmente as pessoas que vivem em situações vulneráveis, como por exemplo, acesso inadequado a saneamento básico, saúde, educação etc.", afirma Melo, autora principal do estudo.

Homem despeja no chão águia
Agente da prefeitura em ação preventiva contra a dengue em imóvel na Vila Nova Galvão, na zona norte de São Paulo - Zanone Fraissat - 2.jun.22/Folhapress

A Folha entrou em contato com o Ministério da Saúde para comentar as conclusões do estudo, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 14 doenças compõem a categoria de tropicais negligenciadas. Além de dengue e malária, outros exemplos são a doença de chagas, chikungunya e tuberculose.

O Brasil é um país bastante afetado por essas enfermidades. Algumas têm um impacto menor, porém outras representam sérios riscos.

Médico sanitarista e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, Gonzalo Vecina indica dengue, lepra, leishmaniose, malária e tuberculose como as mais relevantes no Brasil, mas acrescenta que as outras precisam de atenção.

"É um conjunto de doenças extremamente importantes do ponto de vista de saúde pública", afirma Vecina, que não assina o estudo.

No artigo, publicado na revista Plos Neglected Tropical Diseases, os autores investigaram os investimentos feitos principalmente pelo Decit (Departamento de Ciência e Tecnologia). Vinculado ao Ministério da Saúde, esse órgão impulsiona pesquisas que possam ter direto impacto na área da saúde. Além dos investimentos feitos pelo Decit, outros realizados por parceiros do departamento, como a Capes e o CNPq, foram considerados.

Os dados das pesquisas financiadas foram acessados por um sistema público de dados do próprio Decit. Depois da análise, os pesquisadores chegaram à conclusão de que foram 1.158 investigações com apoio financeiro, registrando um total de R$ 230 milhões no intervalo de 17 anos. Cerca de 70% desse valor veio do Ministério da Saúde.

Ao considerar os valores divididos por ano, os pesquisadores observaram que houve uma queda média de 5,4% no período analisado. Por ser pequena, a conclusão é que os investimentos se mantiveram estáveis no decorrer dos anos.

O ponto é relativamente positivo considerando os cortes sofridos no orçamento científico nos últimos anos. Ao mesmo tempo, os pesquisadores chamam a atenção para o fato de que, em nível internacional, os investimentos nas doenças negligenciadas passam por aumento.

Outro problema observado foi a troca de governo. Os autores concluíram que as mudanças de gestões causaram queda no montante para as pesquisas. O ponto destaca como o fomento a estudos são muito mais adotados como políticas de governo, e não de Estado, fazendo com que não tenham uma grande sobrevida a depender de novas gestões.

Para Melo, o cenário também não é o melhor de todos. "Seria interessante termos uma política de Estado consolidada, com o objetivo de garantir o avanço da ciência em prol da melhoria da qualidade de vida da população brasileira e enfrentamento das doenças tropicais negligenciadas."

A visão de Vecina é parecida. Segundo ele, de todo o rol das doenças tropicais negligenciadas, somente a dengue teve um planejamento público de pesquisa mais direcionado no Brasil –no caso, o desenvolvimento de uma vacina no Instituto Butantan que ainda se encontra em estágio avançado dos testes em humanos.

Para ele, seria necessário melhorar os investimentos, mas também estruturar melhor o objetivo deles. "Boa parte das publicações que apareceram sobre essas doenças que você tem nesse artigo foi vontade de pesquisador que recebeu dinheiro de uma instituição oficial [...], mas não era um dinheiro estruturado para um esforço."

Outro aspecto encontrado no levantamento assinado por Melo foi a maior concentração de investimento em pesquisas do tipo biomédica: só esse modelo concentra 81% do montante total. Esse tipo de estudo investiga os mecanismos da doença e como ela afeta a saúde em humanos. Com isso, é possível avançar com novas formas de diagnósticos, por exemplo.

Mas existe o impasse de por que outros modelos de pesquisa não tiveram um grande aporte financeiro. Pesquisas clínicas, que envolvem humanos para avaliar novas formas de tratamento e prevenção, como vacinas, só contaram com 11% do aporte total.

A discrepância chama a atenção de Melo. "Todos os tipos de pesquisas financiadas têm sua importância [...], cada uma tem sua particularidade e o importante seria garantir que tenham continuidade e que seus resultados possam ser aplicados para melhoria da saúde pública", afirma.

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