Ministério e associação médica anunciam ação conjunta para recuperar vacinação no país

Encontro da AMB com o governo federal é o primeiro desde o início da pandemia e discutiu negacionismo e outros obstáculos da imunização

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São Paulo

A AMB (Associação Médica Brasileira) e o Ministério da Saúde uniram esforços em prol da recuperação da cobertura vacinal de diversos tipos de imunizantes no país.

A ideia é que, com as ações coordenadas do ministério e da entidade médica, aumente a conscientização da população sobre a importância de se vacinar, recuperando as taxas de vacinação, perdidas nos últimos anos.

A AMB representa 54 sociedades médicas brasileiras com cerca de 25 mil médicos associados. Nos últimos quatro anos, sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), houve um descolamento das entidades médicas com o Ministério da Saúde, muito em parte das posições anticientíficas do ex-presidente.

Primeiro dia de aplicação da vacina bivalente para grupo com mais de 70 anos na UBS N.Sra do Brasil, no bairro da Bela Vista, São Paulo
Primeiro dia de aplicação da vacina bivalente para grupo com mais de 70 anos na UBS N.Sra do Brasil, no bairro da Bela Vista, São Paulo - Rubens Cavallari - 27.fev.2023/Folhapress

A reunião, realizada nesta terça-feira (18), foi a primeira a ocorrer desde o início da pandemia, em 2020. Estiveram presentes no evento o ginecologista e presidente da AMB, César Eduardo Fernandes, a secretária de vigilância em saúde e ambiente, Ethel Maciel, o diretor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), Marcos Antônio Cirilo, Renato Kfouri, vice-presidente da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunização) e o presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia, Fábio Chigres Kushinir, além de Eder Gatti, secretário do Departamento do Programa Nacional de Imunizações (DPNI) e a pneumologista Margareth Dalcolmo, embaixadora da campanha de vacinação do Ministério da Saúde.

As baixas coberturas vacinais de todas as doenças imunopreveníveis do calendário infantil colocam maior risco de retorno dessas doenças, avalia César Fernandes, da AMB. Segundo ele, termos como "hesitação vacinal" não eram parte do vocabulário médico há alguns anos.

"A maior preocupação na época que me formei era prevenir as doenças que acometiam milhares de crianças, como a poliomielite, com vacinas. Infelizmente a queda nas coberturas vacinais coloca em risco a população para o retorno destas enfermidades. Cabe a nós, médicos, o papel de trabalhar [a vacinação] no meio médico e acadêmico, com o objetivo único e exclusivo do bem-estar da população. Não podemos ter paixões ideológicas ou políticas, isso não cabe aos médicos", disse, criticando a conduta de alguns médicos que são contrários à vacinação.

Para ele, um dos motivos que têm levado à queda vacinal é o receio de efeitos colaterais dos imunizantes, que leva ao medo na população e uma falsa percepção de riscos serem maiores do que benefícios.

"Isso passa também por uma comunicação adequada dos médicos na hora de orientar seus pacientes. Todos os medicamentos que tomamos possuem efeitos, mas eles são em geral conhecidos e bem avaliados. Essa é a mesma questão com as vacinas, os riscos são em geral muito baixos e bem conhecidos, com efeitos passando em geral rapidamente. Por isso é preciso ampliar a conscientização do benefício versus o risco, que é muito baixo."

Além dos desafios de comunicação e de restabelecer a confiança da população em vacinas, outras dificuldades para retomar as taxas vacinais passam por problemas estruturais, como falta de estoque de vacinas, difícil acesso aos postos de vacinação e a descoordenação entre estados, municípios e governo federal.

"Este ano em que completamos 50 anos do Programa Nacional de Imunização [PNI] temos várias barreiras que vão desde a comunicação, o acesso, as dificuldades que são diversas e desiguais nas diferentes regiões. Soma-se a isso o movimento organizado de antivacina, que cresceu nos últimos anos com as redes sociais", explica o infectologista e vice-presidente da Sbim, Renato Kfouri.

"É preciso buscar como motivar a população em um cenário como esse, onde muitas das doenças não existem, mas estão retornando."

A importância, assim, da união da AMB com o Ministério da Saúde é essencial para que as pessoas recuperem a confiança nas vacinas, segundo o diretor do DPNI, o infectologista Eder Gatti.

"A população confia em seus médicos, confia na sociedade médica, e por isso é fundamental que os médicos reiterem que as vacinas são seguras e eficazes", afirmou Gatti.

O caminho será árduo, mas a recuperação, embora lenta, já é esperada para 2023, de acordo com Ethel Maciel. "Este é o primeiro ato público em prol de buscar uma solução para um problema complexo. Temos várias ações como centralizar a carteira de vacinação em um sistema integrado, realizar campanhas nas escolas, retomar a condicionalidade da vacina em dia para os programas de assistência social como o Bolsa Família, promover campanhas com as entidades médicas. Então esperamos uma recuperação este ano visando, em 2024, já estabelecer os patamares que tínhamos até 2015."

Algumas das doenças que mais preocupam são aquelas que acometem com mais gravidade os dois extremos populacionais, dos mais novos e os mais idosos, afirma a pesquisadora e pneumologista Margareth Dalcolmo.

"Temos hoje um impacto enorme pelo aumento da mortalidade por doenças preveníveis na infância. Se todas as sociedades médicas tivessem hoje um departamento voltado para imunização nos dois extremos da vida, podemos reduzir o impacto destas doenças que mais cursam na morbidade e mortalidade nestas duas faixas etárias", disse, lembrando que voltaram a crescer doenças respiratórias no Brasil como tuberculose, com aumento inclusive de nas crianças, onde as formas graves são prevenidas pela vacinação com BCG.

Por fim, os especialistas afirmam que não há uma solução simples para o problema dos pais que hesitam em vacinar seus filhos, por exemplo contra a Covid.

"No momento de vacinação dos adultos, o medo da Covid era maior, mas quando chegou nas crianças o efeito do estrago da desinformação foi maior. Pais vacinados com medo de vacinar seus filhos, e muitas vezes por falta de conhecimento. Por isso a importância de pensar na comunicação e treinar os pediatras para discutir a vacinação com eles."

SOCIEDADES MÉDICAS CRITICAM ATUAÇÃO DE PROFISSIONAIS

Durante o encontro, os representantes das sociedades médicas também criticaram a postura de alguns profissionais médicos durante a pandemia.

Fernandes, da AMB, reiterou que ciência não é uma questão de opinião. "Me parece que determinada linha política de certos médicos durante a pandemia não entendeu que ciência não é uma questão de opinião", disse, se referindo à prática adotada por alguns médicos, como a recomendação de medicamentos comprovadamente ineficazes contra Covid ou discurso contrário ao uso de máscaras.

Para Kfouri, tais ações denotam um crime de saúde pública ao colocar a vida das pessoas em risco. "A desinformação nas redes se propaga como doenças transmissíveis, ampliando a voz dessas pessoas, e é preciso punir os oportunistas que adotam essas práticas que violam a ética médica", afirmou.

A pneumologista Margareth Dalcolmo cobrou uma ação mais contundente do órgão regulador da prática médica, o CFM (Conselho Federal de Medicina).

"Quando vemos médicos com registro ativo no CFM vendendo 'tratamento' por R$ 1.800 nas redes sociais para se livrar dos efeitos da vacina, com uma certa impunidade por parte destes médicos, isso é um problema sério", disse. "Gostaria de ver uma ação do CFM neste sentido."

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