Saiba o que é a reação extrapiramidal, síndrome que leva pacientes ao desespero nos hospitais

Antipsicóticos e medicamentos para enjoo podem, em vez de tratar sintomas, provocar problemas como crises de ansiedade

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São Paulo

"Parece que você não tem lugar no mundo: se está sentado, quer levantar. Se está em pé, quer sair correndo. Você passa a sentir toda a sua roupa encostando na sua pele (e isso incomoda MUITO). É como não estar cabendo na própria pele. Tenso demais."

Esse foi o relato que a jornalista Carla Bigatto, da BandNews, fez no Twitter após tomar Plasil (metoclopramida) na veia em um hospital, em fevereiro, para acabar com uma sensação de enjoo. Aos 41 anos, ela contou que só agora descobriu que estava tendo uma reação extrapiramidal, apesar de já ter sentido a mesma "vontade de morrer" várias vezes desde a infância.

Assim como Carla, quem sofre com reação extrapiramidal muitas vezes não conhece a condição, nem sabe como ficou naquele estado. Esses sintomas, semelhantes aos de uma crise de ansiedade, são apenas parte dos efeitos colaterais que podem acometer pacientes que usam alguns tipos de medicamento, principalmente antipsicóticos e antieméticos (contra náuseas, como Plasil e Bromoprida).

Mulher com as duas mãos por entre os cabelos e olhos fechados, mostrando ansiedade
A reação extrapiramidal provoca vários sintomas, principalmente ansiedade e inquietação - Pexels

Segundo a neurologista Thaís Rodrigues, do Hospital A.C. Camargo, reação extrapiramidal é o que a pessoa sente quando algum medicamento altera áreas do cérebro que controlam os movimentos finos, o controle do tônus muscular.

"Toda nossa via motora, que inclui a movimentação voluntária, é chamada de sistema piramidal. São diversas fibras, diversas áreas do córtex cerebral que processam nossa movimentação voluntária. Além disso, temos algumas áreas complementares que ajudam a processar a iniciação e o aperfeiçoamento do movimento, o controle de tônus. Essas outras vias são chamadas de sistema extrapiramidal. Quando a gente tem alguma disfunção da via extrapiramidal, temos uma desregulação do movimento", diz Rodrigues.

A neurologista afirma que essa desregulação pode causar hipocinesia, que provoca menos movimentos, maior dificuldade de mobilidade e maior lentidão, ou hipercinesia, que leva a mais movimentos, com descontrole de tônus e tremores.

O sintoma relatado por Carla Bigatto foi a acatisia, uma condição motora caracterizada pela dificuldade de ficar parado, com pensamento inquieto e sensação de ansiedade.

A jornalista Carla Bigatto na mesa de edição da rádio BandNews
A jornalista Carla Bigatto, que recentemente descobriu sofrer reação extrapiramidal com alguns medicamentos - @carlabigatto no Instagram

"Triste saber só agora, aos 41 anos, que em pelo menos duas ocasiões da minha infância (e outras tantas na vida adulta) aquela vontade de morrer ao estar internada nada mais era que uma reação cerebral evitável. Triste saber que sofri à toa (e tanta gente sofre todo dia!)", escreveu a jornalista.

Centenas de pessoas comentaram a publicação de Carla nas redes sociais, descrevendo seus próprios dramas. A maioria descreveu sintomas semelhantes aos relatados pela jornalista, como inquietação e ansiedade, além de desespero.

De acordo com a bula do Plasil, por exemplo, a reação extrapiramidal afeta de 1% a 10% dos pacientes que usam o medicamento. Apesar dessa alta porcentagem, o Plasil ainda é com frequência usado em prontos-socorros para casos de enjoo.

"Como existem outros antieméticos disponíveis, como Dramin e Ondansetrona [Vonau], sempre que possível a gente tende a optar por essas medicações. Por mais que não seja uma reação muito comum, ela existe e é desconfortável, mas o Plasil continua sendo muito usado hoje em dia. Isso não chegou a ser uma razão para contraindicar a medicação", disse a neurologista do A.C. Camargo.

Nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, os órgãos reguladores já debatem meios de pelo menos restringir o uso.

Pacientes afetados podem apresentar ainda outras reações, muitas vezes confundidas com sinais de crise de pânico, síndrome de Tourette e ansiedade, além de Parkinson e AVC.

"Dentro dessas reações extrapiramidais há algumas manifestações mais clássicas. Uma delas é o que chamamos de parkinsonismo medicamentoso, que leva a muitos sintomas da doença de Parkinson: rigidez muscular, aumento de tônus, tremor e lentidão exacerbada de movimentos. Isso pode ser induzido por medicação, incluindo aí os antieméticos como o Plasil e a Domperidona, e alguns antipsicóticos usados em tratamentos psiquiátricos."

Outra manifestação possível, de acordo com a médica, é a discinesia, um movimento errático, involuntário, que pode levar a uma movimentação atípica da boca e da língua, mas que pode acontecer em outras partes do corpo também.

Ela explica que geralmente a reação extrapiramidal ocorre de forma mais aguda logo após a aplicação da medicação, mas também pode acontecer tardiamente, principalmente, em quem faz uso prolongado desses medicamentos.

"Pode até acontecer com medicação via oral comprada em farmácias. Quem tem uma reação dessa deve evitar tomar a medicação outras vezes, seja via oral ou endovenosa. Tem de procurar outra medicação porque a chance de [a reação] recorrer existe e é maior", alerta.

Rodrigues afirma que as reações extrapiramidais são mais comuns em crianças e adultos jovens. Na bula do Plasil, inclusive, consta a contraindicação de uso por menores de um ano e a recomendação de uso com cautela em crianças e adultos jovens, citados como "populações especiais".

Em relação ao tratamento de quem sofre a reação extrapiramidal, a neurologista diz que não há um antídoto imediato. A solução, então, é controlar os sintomas do paciente.

"A gente precisa manter esses casos em observação, fazer exames laboratoriais muitas vezes para ver se aquilo teve implicação mais séria no organismo. Mas, na maioria das vezes, retirando o agente que causou a reação a tendência é o quadro se resolver. Isso pode levar alguns dias e até semanas, mas a tendência é que evolua com a melhora, sim."


Sintomas extrapiramidais mais frequentes

  • Dificuldade para se manter calmo
  • Sensação de estar inquieto, mexendo muito pés e mãos, por exemplo
  • Alterações do movimento, como tremores, movimentos involuntários (discinesia), espasmos musculares (distonia) ou movimentos de inquietude, como mexer as pernas frequentemente ou não conseguir ficar parado (acatisia)
  • Movimentos lentos ou andar arrastado
  • Alteração dos padrões de sono
  • Dificuldade de concentração
  • Alteração da voz
  • Dificuldade para engolir
  • Movimentos involuntários do rosto

Medicamentos que podem causar reação extrapiramidal

Alto risco:

  • Antipsicóticos – haloperidol (Haldol), pimozida, trifluperazina, clorpromazina, flufenazina, aripripazol, sulpirida, risperidona
  • Antieméticos (contra enjoo) – metoclopramida (Plazil), bromoprida (Digesan), droperidol, cleboprida, proclorperazina, levosulpirida
  • Anti-histamínicos (antialérgicos) – prometazina
  • Antivertiginosos (contra tontura) – cinarizina, flunarizina
  • Anti-hipertensivo (para baixar a pressão) – reserpina, alfametildopa
  • Anti-helmínticos (contra vermes) – piperazina
  • Outros – ácido valproico, lítio, tetrabenazina

Baixo risco:

  • Antipsicóticos ou neurolépticos – quietiapina, clozapina, olanzapina
  • Antieméticos (contra enjoo) – domperidona, itoprida, ondansetrona
  • Antidepressivos – fluoxetina, sertralina, paroxetina, escitalopram, citalopram e outros que atuam na recaptação de serotonina
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