É enganoso relacionar indenização britânica por danos causados por vacinas às mortes pela Covid

Post tenta descredibilizar os imunizantes, mas órgão de saúde do Reino Unido defende seu uso

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São Paulo

É enganoso post que relaciona o fato de o governo britânico ter publicado em seu blog informações sobre o esquema de pagamento por danos causados por vacinas a um relatório da UKHSA (UK Health Security Agency), a autoridade de saúde britânica, segundo o qual "os vacinados são maioria entre as mortes por Covid-19". O post desinforma ao sugerir que as vacinas contra o novo coronavírus não são seguras. A indenização existe pelo menos desde 1997 (muito antes da pandemia) e não foi anunciada recentemente, como algumas pessoas que compartilharam a desinformação acreditaram.

O texto, como verificado pelo Projeto Comprova, leva a uma interpretação errada dos dados ao dar destaque a número mais alto de mortes entre vacinados quando a maior parte da população já se imunizou. "Não é que as pessoas vacinadas tenham maior probabilidade de morrer, é porque há mais pessoas vacinadas do que não vacinadas. Sempre haverá algumas infecções que levam à morte porque nenhuma vacina é 100% eficaz, mas uma pequena proporção de uma população muito grande (vacinada) é geralmente maior do que uma proporção maior de uma população menor (não vacinada)", explicou a UKHSA à reportagem.

Profissional da saúde é vista de frente. Ela veste máscara azul e camisa estampada. Aplica vacina no braço esquerdo de pessoa que aparece de costas, de camiseta preta e máscara.
Profissional da saúde aplica vacina contra a Covid em cidadão em posto em Londres - Daniel Leal-Olivas - 23.mar.2021/AFP

Conteúdos fazendo esta afirmação enganosa —a de que os vacinados morreram mais do que os não vacinados— circulam desde o ano passado e um deles já foi verificado pelo Comprova.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Publicado pelo site Brasil sem Medo, o post foi visualizado mais de 13,8 mil vezes no Twitter e compartilhado 178 vezes até 9 de junho. Um dos perfis que compartilhou o conteúdo enganoso no Instagram teve mais de 19,4 mil interações até a data.

Como verificamos

Utilizando o Google, fizemos uma pesquisa pela principal alegação do post (Reino Unido anunciou pagamento de indenizações por danos causados por vacina) e localizamos uma publicação recente sobre o modelo de pagamento por danos causados por vacinas. Em seguida, buscamos saber como funciona a política e desde quando ela existe. O próximo passo foi descobrir quando o imunizante contra a Covid-19 foi inserido no sistema. Partimos então para a segunda alegação (dados de março apontam que maioria dos mortos por Covid no país é vacinada) e consultamos os relatórios recentes da UK Health Security Agency sobre vacinação. Também entramos em contato com a agência, via e-mail, para solicitar mais detalhes sobre os dois assuntos. Por fim, procuramos os autores dos posts.

Indenização

Apesar de ter sido publicado um comunicado recente sobre como funciona o esquema de pagamento por danos causados por vacinas no blog do Departamento de Saúde e Assistência Social, a política não é uma novidade para os britânicos. Existe notícia de 2005 informando os pagamentos a pacientes incapacitados por vacinas pelo menos desde 1997.

O comunicado ao qual os posts verificados se referem explica que é fornecido um pagamento único, isento de impostos, no valor de 120 mil libras, em "ocasiões muito raras" de uma vacina ter causado uma incapacidade grave. Logo no início do informativo é destacado que todas as vacinas usadas no país passaram por testes clínicos robustos e atenderam aos rígidos padrões de segurança, eficácia e qualidade da Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde (MHRA, na sigla em inglês) .

Isso inclui a vacina contra a Covid-19, acrescentada ao programa em dezembro de 2020, antes mesmo de o uso ser aprovado no país. À época, o governo informou que os imunizantes só seriam implantados quando atendessem a padrões rígidos de segurança, eficácia e qualidade e fossem aprovados pelo órgão regulador.

O governo britânico mantém duas páginas oficiais (1 e 2) sobre os pagamentos, informando, inclusive, que eles podem ser feitos para danos causados por outras 18 vacinas, além da que combate o coronavírus. Entre elas, estão imunizantes comumente aplicados ao longo da vida das pessoas, como os que previnem contra influenza, sarampo, poliomielite, varíola e tétano.

Número maior

O texto compartilhado no Twitter cita que um relatório publicado pela Agência de Saúde do Reino Unido apontou que os vacinados são maioria entre as mortes ocorridas por Covid-19 durante o mês de março deste ano. A publicação acrescenta que o período analisado foi de 28 de fevereiro até 27 de março, mas essa afirmação é incorreta.

A agência informou à reportagem que desde o relatório publicado em 6 de abril —que traz dados do mês anterior— não é mais incluída a seção com registros sobre status vacinal dos casos, mortes e hospitalizações com Covid-19. O órgão explicou que isso ocorre porque em 1º de abril de 2022 o governo do Reino Unido encerrou o fornecimento de testes gratuitos para o público em geral e a mudança afetou a capacidade de monitorar de forma robusta os casos de Covid por status de vacinação.

Um comunicado sobre o assunto foi postado no blog da agência. Nele, é informado que os dados dos relatórios anteriores mostram que as taxas de hospitalização e mortes são substancialmente mais baixas em pessoas totalmente vacinadas, em todas as faixas etárias, sendo claro que as vacinas fornecem alto nível de proteção contra efeitos mais graves da doença.

A reportagem consultou o relatório publicado em abril e confirmou a informação fornecida pela agência. O documento cita dados coletados entre 27 de fevereiro e 26 de março – data próxima à citada pelo site –, porém eles não são referentes a mortes de pessoas com Covid, mas sim a taxas de hospitalização pela doença entre pessoas vacinadas.

A agência britânica destacou que, no contexto da cobertura vacinal muito alta na população, mesmo com uma vacina altamente eficaz, é natural que uma grande proporção de casos, internações e mortes ocorra em indivíduos vacinados, isso porque é maior a proporção da população vacinada.

Onde a desinformação surgiu

O perfil que disseminou a desinformação nas redes foi o do site Brasil sem Medo. A página conservadora publicou em 5 de junho um texto intitulado "Governo britânico anuncia indenização de 120 mil euros para vítimas de vacinas". A desinformação começa no título, pois o valor é de 120 mil libras, e não euros.

Ao compartilhar o texto no Twitter, o perfil relacionou a indenização à vacinação contra a Covid-19 ao incluir a legenda "Em março deste ano, um relatório publicado pela Agência de Saúde do Reino Unido apontou que os vacinados são maioria entre as mortes por Covid-19". Aqui, novamente, há outro erro: o texto linkado sobre as mortes é do próprio Brasil sem Medo, de 14 de abril de 2022, e não deste ano.

Não é a primeira vez que o site espalha desinformação. O Comprova já verificou outros cinco conteúdos disseminados por eles (1, 2, 3, 4 e 5) —destes, quatro negam medidas comprovadamente eficazes contra a disseminação da Covid-19.

Na aba "Sobre" do site, cujo logo é Novo BSM, não há nenhuma informação a respeito da publicação. Em verificação de 2021, o Comprova afirmou que a plataforma se identificava como "o maior jornal conservador do Brasil". Em redes como Twitter e Instagram, a página se define como "o único streaming de notícias e análises sobre política e cultura, declaradamente conservador".

Ainda no site, na aba "Autores" aparece o nome de Olavo de Carvalho, que ficou conhecido como guru bolsonarista e morreu no ano passado. O site republica textos antigos dele.

O que diz o responsável pela publicação

O Brasil Sem Medo foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta verificação. Um perfil no Instagram que usou o material e viralizou também não retornou o contato.

O que podemos aprender com esta verificação

É possível observar indícios de desinformação quando um texto parece evitar apresentar detalhes do assunto abordado. No caso aqui verificado, o conteúdo não contextualiza as informações referentes às políticas britânicas de vacinação e no âmbito da Covid-19.

Primeiro, o site causa alarde ao noticiar que o Reino Unido divulgou estar indenizando vítimas de efeitos colaterais causados por vacinas e ao associar essa informação às mortes causadas pelo novo coronavírus. O texto omite que esses pagamentos existem há pelo menos 20 anos e são disponibilizados também para outros imunizantes. O texto também ignora a informação da agência de saúde britânica de que os casos de efeitos colaterais graves são raros.

Em seguida, o autor da publicação cita dados sobre mortes entre vacinados ignorando a orientação da fonte das informações de que eles devem ser lidos respeitada a proporcionalidade entre vacinados e não vacinados no país.

Desde o início da pandemia, tanto a doença quanto as vacinas desenvolvidas para o combate a ela têm sido alvos de desinformação, portanto, é importante redobrar a atenção para conteúdos que abordem esses dois temas. Informações seguras podem ser consultadas junto às agências reguladoras, órgãos de saúde e imprensa profissional.

Por que investigamos

O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984. Sugestões e dúvidas relacionadas a conteúdos duvidosos também podem ser enviadas para a Folha pelo WhatsApp 11 99486-0293.

Outras checagens sobre o tema

O Comprova já checou diversas alegações que tentam descredibilizar a eficácia das vacinas contra a Covid, associando-as a mortes. Já foi demonstrado, por exemplo, que a proporção de óbitos pela doença é maior entre não vacinados no Reino Unido, diferentemente do que insinua post, que site engana leitores ao usar título sensacionalista sobre morte de imunizados e ser enganoso que imunizante tenha provocado aumento de mortes entre crianças.

A investigação desse conteúdo foi feita por Folha e Estadão e publicada em 9 de junho pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 41 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por A Gazeta, O Popular e AFP.

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