Descrição de chapéu Interior de São Paulo

Mortes por ingestão de álcool de posto geram alerta em Campinas

Desde 2022, foram dez ocorrências de intoxicação grave por metanol

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São Paulo

O CIATox (Centro de Informação e Assistência Toxicológica) de Campinas emitiu um alerta nesta quarta-feira (16) sobre o aumento de casos de intoxicação por metanol associado ao consumo de etanol obtido em postos de gasolina. De abril de 2016 a 20 de julho deste ano, foram 14 ocorrências na região de Campinas, sendo 10 em 2022 e 2023. Onze desses pacientes morreram.

"O presente alerta indica uma situação grave e possivelmente representa a ‘ponta de um iceberg’ quanto ao número de casos semelhantes ocorridos ou ainda ocorrendo na região e, provavelmente, em outros estados do país", diz o documento.

Para o professor Fábio Bucaretchi, coordenador do CIATox de Campinas e um dos autores do alerta, trata-se possivelmente da intoxicação mais grave analisada pelos centros de toxicologia nos últimos anos.

Especialistas alertam para ingestão de álcool de posto e adulteração do combustível - Rivaldo Gomes - 5.jun.2018/Folhapress

Segundo o órgão, os pacientes que morreram –uma mulher e dez homens– tinham entre 28 e 37 anos, e seus casos foram registrados em Campinas (2), Sumaré (2), Santa Bárbara d’Oeste (2), Limeira (1), Itu (2), Jundiaí (1) e Rio Claro (1).

Os registros não letais ocorreram em Campinas, Limeira e Araras, envolvendo uma mulher de 32 anos e dois homens de 47 e 48 anos. Esses pacientes deixaram o hospital com sequelas neurológicas ou perderam a visão.

"A abstinência alcoólica e dificuldades financeiras para obtenção de bebidas legalizadas foram consideradas as motivações na maioria dos casos, sendo dois casos de indivíduos em situação de rua e dois abrigados em serviço de apoio a indivíduos em situação de vulnerabilidade", diz o documento, detalhado em uma coletiva de imprensa na manhã desta quinta-feira (17).

O posicionamento do CIATox de Campinas é o segundo de uma entidade da área neste mês. No último dia 8, o CFF (Conselho Federal de Farmácia) também chamou atenção para a questão, informando que nos últimos meses alguns CIATox das regiões Sul e Sudeste reportaram aumento de casos.

Alerta para os profissionais de saúde

Além do consumo de etanol de postos em si, o CIATox alerta para outros problemas, entre eles o longo intervalo entre a ingestão e a primeira consulta ao centro de toxicologia (mediana de 39 horas), comprometendo a eficácia terapêutica do antídoto e o início da hemodiálise.

"É importante que essa informação chegue aos hospitais, e não somente aos centros de toxicologia, para que os profissionais de saúde das unidades de emergência e urgência estejam alertas porque é uma situação que pode acontecer a qualquer momento", afirma o professor Rafael Lanaro, também autor do documento, em entrevista à Folha.

"Assim, diante de uma possível exposição a metanol, eles já notificam o CIATox e conseguimos orientar o tratamento correto", complementa. Segundo Lanaro, a Abracit (Associação Brasileira dos Centros de Informação e Assistência Toxicológica) e a Sociedade Brasileira de Toxicologia já foram notificadas, então os centros vinculados a elas agora estão cientes de possíveis novos casos.

O assunto também será tema de uma reunião com o Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo na próxima semana. De acordo com Bucaretchi, a proposta é compartilhar informações, como principais sinais e sintomas, para oferecer atendimento precoce nas unidades de saúde e diminuir a taxa de mortalidade.

Falta de antídoto e combustível adulterado são desafios

Em relação ao antídoto, o grupo afirma que em praticamente todos os casos em que a substância foi empregada ela foi cedida do estoque do CIATox, mantido pelo setor de farmácia do HC-Unicamp, indicando a carência do produto na rede regional de atenção às urgências e emergências do SUS e resultando em atraso no tratamento.

"O único antídoto disponível no Brasil para o tratamento dessas intoxicações é o etanol, de preferência na apresentação farmacêutica de álcool absoluto para uso IV, disponível de imediato apenas em alguns poucos serviços de urgência", afirmam Bucaretchi, Lanaro, Eduardo Mello De Capitani, Camila Carbone Prado e José Luiz da Costa.

Os professores explicam que, ao ser metabolizado, o metanol presente no álcool de posto se converte em ácido fórmico, o que gera a intoxicação. Para isso, há dois tratamentos possíveis: etanol em uma diluição específica, com monitoramento constante, ou fomepizol. Este, apesar de constar na lista de antídotos dos medicamentos essenciais da OMS (Organização Mundial da Saúde), não é usado no país.

"O fomepizol é mais caro, mas é mais simples de aplicar", compara Bucaretchi. Para ele, o ideal seria a incorporação do produto ao SUS e sua distribuição em hospitais estratégicos.

Por fim, os especialistas destacam que os pacientes foram expostos a amostras de etanol com concentração de metanol acima do limite legal de 0,5%. "Nesse sentido, nos parece necessária investigação da origem do metanol e tipo de adulteração do combustível pelos órgãos competentes, visando coibir tal prática e prevenir futuros casos de intoxicação", sugere o documento.

O grupo defende ainda que os serviços de medicina forense realizem investigações mais abrangentes nas autópsias de indivíduos que estavam em situação de rua ou abrigados com dificuldades financeiras, principalmente aqueles com antecedentes de alcoolismo ou de consumo de outras substâncias psicoativas.

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