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Terapia gênica pode ajudar a tratar abuso de álcool, aponta estudo com primatas

Pesquisa utilizou técnica já usada contra Parkinson em macacos e viu redução do consumo de álcool

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São Paulo

O consumo em excesso de álcool pode ser reduzido —e até zerado— por meio de uma terapia que "reprograma" região do cérebro associada ao prazer, conforme revela uma nova pesquisa publicada na revista Nature Medicine na última segunda (14).

De acordo com o estudo, o tratamento conhecido como terapia gênica já é utilizado para reduzir os sintomas do Parkinson e pareceu ser eficaz também na recuperação de alguns casos graves de alcoolismo.

Homem branco segura um copo contendo bebida álcoolica
Homem segurando copo de whisky - Fiocruz Imagens

Os pesquisadores da Universidade de Saúde e Ciência de Oregon (OHSU, na sigla em inglês) avaliaram o tratamento em quatro macacos rhesus machos em laboratório e viram que naqueles com abuso de álcool (consumo de oito ou mais doses de álcool diluído em água por dia), o consumo foi reduzido em mais de 90% em comparação ao grupo controle.

A terapia —que consiste em um procedimento cirúrgico na cabeça— introduz em uma área específica do cérebro um vetor viral (adenovírus tipo 2, que não provoca infecção no animal) contendo os genes humanos modificados que codificam uma proteína, conhecida como GNDF, que induz à produção de dopamina, o neurotransmissor associado ao prazer.

Só que essa substância está associada também aos mecanismos de vício: quanto mais prazer aquela atividade traz, mais rapidamente o organismo consome a molécula, diminuindo o intervalo de tempo até o cérebro enviar o sinal de "querer mais". Em razão disso, tem-se um comportamento de abuso da substância.

Com a terapia gênica, os macacos tiveram essa cadeia de produção de dopamina "reprogramada", o que eliminou neles a necessidade de consumo de álcool.

Nos meses após a intervenção, os macacos foram avaliados sobre suas escolhas de bebida. Após a terapia, a preferência era por água, e não mais pela solução alcóolica. "Isso realmente foi um resultado fantástico, o consumo de álcool caiu até praticamente zero", afirmou a pesquisadora e chefe da Divisão de Neurociência na OHSU, Kathleen Grant.

Os cientistas observaram também imagens de ressonância magnética do cérebro dos macacos para observar se aquelas áreas onde o vírus foi implantado estavam de fato sendo estimuladas pela nova produção de dopamina. "Os macacos tratados com a terapia gênica passaram a expressar de forma contínua a dopamina e reduziram em muito a ingestão de álcool", explicou Grant.

O consumo em excesso de álcool é um problema que afeta hoje mais de 1 em cada 6 indivíduos nos Estados Unidos, com cerca de 140 mil mortes anuais associadas ao alcoolismo. Essa taxa vai de 1 em cada 4 (25%) pessoas consumindo abusivamente álcool na faixa de 25 a 34 anos.

No Brasil, assim como nos EUA, têm crescido as mortes e hospitalizações atribuíveis ao álcool em mulheres na última década, enquanto essas taxas têm diminuído entre os homens no mesmo período.

No país como um todo, em 2021, que é o ano com os últimos dados disponíveis, foram computadas 69 mil mortes e 335 mil internações associadas ao álcool, de acordo com o Datasus.

Pesquisa deve avançar para outros animais

A terapia teve efeitos colaterais importantes, como a perda de até 18% do peso. Além disso, como os animais foram tratados com a maior dose disponível do vetor, seria preciso ajustar para níveis que não tenham efeitos colaterais mais graves nos seres humanos.

Os próximos passos da pesquisa devem avaliar se o mesmo mecanismo de controle do vício é observado nas fêmeas e em outros modelos animais antes de avançar para humanos. Os pesquisadores reforçam, porém, que a terapia já foi comprovada como segura e eficaz para reduzir sintomas associados à doença de Parkinson, em adultos, e para o tratamento de uma síndrome rara infantil, que causa dificuldade na locomoção.

Como é uma intervenção irreversível, os pesquisadores avaliam que não será indicada para todos os pacientes. "É importante frisar que ela será apropriada para aqueles que não tiveram eficácia no tratamento do alcoolismo por outras terapias, como farmacológicas ou cognitivas [psicologia]", disse a pesquisadora.

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