Descrição de chapéu The New York Times

Segunda pessoa no mundo recebe coração de porco geneticamente modificado

O primeiro paciente a receber um transplante como esse morreu após dois meses

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Roni Caryn Rabin
The New York Times

Cirurgiões em Baltimore transplantaram em um homem o coração de um porco geneticamente modificado. O paciente tinha uma doença cardíaca terminal e não havia outra esperança de tratamento, segundo afirmou o Centro Médico da Universidade de Maryland nesta sexta-feira (22).

Este é o segundo procedimento desse tipo realizado pelos cirurgiões. O primeiro paciente, David Bennett, 57, morreu dois meses após o transplante, mas o coração de porco funcionou bem e não houve sinais de rejeição aguda do órgão, um risco importante nesses procedimentos.

O segundo paciente, Lawrence Faucette, 58, veterano da Marinha e pai de dois filhos em Frederick, Maryland, passou pela cirurgia de transplante na quarta-feira e está "se recuperando bem e se comunicando com seus entes queridos", disse o centro médico em comunicado.

Objetos cirúrgicos, segurados por pessoas; seguram uma parte de um órgão aberto; há um foco de luz sobre o órgão
Xenotransplante com coração de porco que irá para uma pessoa - University of Maryland School of Medicine

Faucette, que tinha doença cardíaca terminal e outras condições médicas complicadoras, estava tão doente que havia sido rejeitado de todos os programas de transplante que usam órgãos de doadores humanos.

"Pelo menos agora tenho esperança e tenho uma chance", disse Faucette antes da cirurgia. "Vou lutar com unhas e dentes por cada respiração que eu puder dar."

O transplante foi realizado pelo por Bartley Griffith, que operou o primeiro paciente. Muhammad Mohiuddin, da Escola de Medicina da Universidade de Maryland, projetou o protocolo.

Bennett, o primeiro pacientes, morreu após múltiplas complicações. Traços de um vírus que infecta porcos foram encontrados em seu novo coração, levantando preocupações de que os chamados xenotransplantes —ou seja, transplantes de órgãos entre espécies, no caso, de animais para pessoas— possam introduzir novos vírus na população humana.

Os funcionários do hospital disseram que testaram repetidamente o porco usado no transplante na semana passada tanto para o vírus, chamado citomegalovírus suíno, quanto para anticorpos usando um novo ensaio que não estava disponível na época do transplante de Bennett.

Antes de passar pelo transplante, Faucette disse que reconhecia que seria um milagre se ele conseguisse sair do hospital e ir para casa, e outro milagre se ele vivesse por meses ou mais um ano.

"Realisticamente, isso está em estágios iniciais de aprendizado", disse ele sobre o procedimento.

Homem de barba branca deitado em cama de hospital tem a mão segurada por uma mulher de máscara
Lawrence Faucette, 58, segundo paciente a receber coração de porco genetifcamente modificado, ao lado de sua esposa Ann - University of Maryland School of Medicine

Nos últimos anos, a ciência da xenotransplantação deu grandes passos com as tecnologias de edição de genes e clonagem projetadas para tornar os órgãos animais menos propensos a serem rejeitados pelo sistema imunológico humano.

Embora os avanços ainda estejam em estágios iniciais, eles oferecem esperança para, no caso dos EUA, onde o procedimento foi feito, os mais de 100 mil americanos que vivem com doenças terminais relacionadas a órgãos, mas enfrentam uma escassez aguda de doadores. A maioria dos que aguardam um órgão precisa de um rim, mas menos de 25 mil transplantes de rim são realizados a cada ano e milhares morrem nas listas de espera.

Cirurgiões especialistas em transplante na Universidade do Alabama em Birmingham e no NYU Langone Health transplantaram rins de porcos geneticamente modificados em pacientes com morte cerebral mantidos em ventiladores, demonstrando que os rins podem produzir urina e realizar outras funções biológicas essenciais sem serem rejeitados.

"Há uma necessidade crescente de órgãos e para pessoas com falência de órgãos em estágio final que estão sem opções", disse Jay Fishman, professor de medicina em Harvard e diretor associado do Centro de Transplantes do Massachusetts General Hospital.

"Embora os ensaios em cadáveres sejam informativos, os transplantes em receptores vivos são, é claro, mais relevantes para avançar o conhecimento no campo", acrescentou Fishman. Ele disse estar otimista de que a cirurgia incentivaria os cientistas a entrar no campo e acelerar o caminho para os ensaios clínicos.

O coração transplantado para Faucette veio de um porco que recebeu dez modificações genéticas. Os cientistas removeram três genes de porco que causam rejeição rápida de órgãos de porco pelo sistema imunológico humano, enquanto inseriram seis genes humanos que permitem que o nosso sistema imunológico aceite o órgão.

Um gene adicional de porco, responsável pelo crescimento do coração, foi desativado para evitar que o órgão se tornasse muito grande.

O porco geneticamente alterado foi fornecido pela Revivicor, uma empresa de medicina regenerativa sediada em Blacksburg, Virgínia, que é uma subsidiária da United Therapeutics Corp. Antes do transplante, o porco foi testado para vírus, bactérias e parasitas.

A FDA (Food and Drug Administration, agência americana que regula alimentos e drogas, tal qual a brasileira Anvisa) concedeu aprovação de emergência para o transplante na semana passada sob um processo de "uso compassivo" que permite a realização de procedimentos experimentais em um único paciente com uma condição que ameaça a vida.

Faucette também está recebendo uma nova terapia experimental com anticorpos desenvolvida pela Eledon Pharmaceuticals chamada tegoprubart, que bloqueia uma proteína envolvida na ativação do sistema imunológico. Outros medicamentos convencionais também estão sendo usados para suprimir seu sistema imunológico e prevenir a rejeição do órgão.

A esposa de Faucette, Ann, disse que os dois estavam mantendo as expectativas baixas e apenas esperando por mais tempo juntos. "Isso pode ser tão simples como sentar na varanda da frente e tomar café juntos", disse ela.

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