Descrição de chapéu Consciência Negra

Raça é fator que interfere acesso à saúde, apontam pesquisas

Envelhecimento pior, casos de discriminação e maior dificuldade de comprar medicamentos são realidades mais vividas por negros

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Madri

O acesso à saúde no Brasil, mesmo que seja um direito universal segundo a Constituição do país, ainda não é igualitário para grupos historicamente marginalizados, como a população negra. A constatação é baseada em diferentes estudos feitos no Brasil, mas é uma realidade também observada em outros países, constatam pesquisadores.

Uma dessas pesquisas nacionais mais recentes e divulgada neste ano foi realizada pelo AfroCebrap, braço do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) voltada a estudos centrados na temática racial. Em 2021, os pesquisadores da instituição coletaram dados por meio de questionário em três grandes cidades brasileiras: São Paulo, Salvador e Porto Alegre. A ideia era entender como se encontra o envelhecimento da população nessas capitais, tendo em vista diferentes fatores, como segurança e saúde, e considerando as desigualdades raciais.

Huri Paz, coordenador institucional do AfroCebrap e um dos responsáveis pela pesquisa, explica que a escolha por essas três cidades têm dois motivos principais: primeiro, elas contam com um alto índice de envelhecimento da população e, em segundo lugar, são os maiores municípios das três regiões em que estão localizadas.

No total, entre 500 e 600 indivíduos com mais de 50 anos foram entrevistados. Foi visto que, em diferentes fatores, as desigualdades no envelhecimento é muito diferente a depender se a pessoa é branca ou negra —sendo pior para essa última parcela da população. Dentre esses aspectos, está a questão de saúde.

Imagens colorida mostra pacientes sentados nas cadeiras da sala de espera da UBS
Sala de espera da UBS/AMA Integrada Jardim Icaraí, na zona sul da capital paulista - Rubens Cavallari - 10.out.23/Folhapress)

Por exemplo, pessoas negras, especificamente homens, têm uma idade média de morte de 60 anos. Para homens brancos, essa média é de 70 anos e, para mulheres brancas, é 80. "Então temos uma escadinha baseada em gênero e raça", resume Paz.

Além da questão de mortalidade, a pesquisa coletou outros dados baseados em perguntas sobre diferentes fatores de saúde, como se os entrevistados acessavam unidades básicas de saúde, se tinham condições financeiras para comprar medicamentos e como era o atendimento médico. A junção dessas informações embasou a criação de um indicador que condensa o tópico de saúde dentro do estudo.

"Nas três capitais, os homens e as mulheres negras apresentam os piores desempenhos nesse indicador de saúde. Então, homens e mulheres negras têm mais dificuldade de acessar medicamento, não se sentem contemplados totalmente com as informações obtidas no atendimento, têm mais dificuldade de acessar serviços preventivos de saúde", continua Paz.

Essas conclusões representam a realidade das três cidades onde a pesquisa foi aplicado –Paz reitera que o estudo não consegue dar conta de toda a realidade do país. No entanto, o pesquisador afirma que esses achados na pesquisa não são muito diferentes daquilo que a literatura sobre desigualdades raciais no Brasil já indicou.

Outra pesquisa que aborda o assunto foi realizada pela farmacêutica Sanofi. O levantamento coletou dados de cinco países, entre eles o Brasil. No caso nacional, o estudo tem amostra representativa do país.

De forma geral, o estudo observou que pessoas em grupos marginalizados, como pessoas negras, tendem a perder a confiança em profissionais e serviços de saúde. Especificamente entre as minorias étnicas, o levantamento observou que eles são os que mais relatam se sentirem incomodados, julgados ou discriminados, mesmo que não intencionalmente, ao procurarem por serviços de saúde.

Problemática, a conclusão já foi vista em outras pesquisas. Rony Coelho, pesquisador do Ieps (Instituto de Estudos para Políticas da Saúde) na Cátedra Çarê-IEPS, voltada para pesquisa da saúde da população negra, explica que "uma vez sofrida a discriminação, principalmente em serviços de saúde, diminui a procura pelo médico e acaba retardando um possível tratamento que poderia estar recebendo".

O pesquisador cita o conceito de concordância racial, que é quando um paciente e um médico são identificados como da mesma raça –por exemplo, durante uma consulta, ambos são negros. Segundo pesquisas já feitas, principalmente nos Estados Unidos, mas também no Brasil, quando existe a concordância racial, as chances do paciente continuar num tratamento ou acompanhamento médico é maior.

Coelho é autor de um dos capítulos do livro "Números da Discriminação Racial", organizado pelos pesquisadores Alysson Portella e Michael França —este último, também colunista da Folha. No levantamento que Coelho assina, foi feita uma compilação de dados da PNS (Política Nacional de Saúde), nas edições de 2013 e 2019, para analisar questões envolvendo a saúde da população negra no Brasil.

Um desses achados, por exemplo, foi que a discriminação racial é relatada principalmente por pessoas pretas, independente de sua renda. No caso de homens pretos, 4,4% dos mais pobres relataram passar por situações de discriminação, enquanto, entre os homens pretos mais ricos, o percentual foi de 6,3%.

Para mulheres pretas, os dados são até maiores, indo de 8,3% entre as mais pobres e 4,6% entre as mais ricas. Enquanto isso, para homens e mulheres brancas, independente da renda, casos de discriminação não ultrapassaram 1% dos relatos.

O caso da saúde da população negra no Brasil também foi objeto de dois boletins divulgados em outubro e produzidos pelo Ministério da Saúde. Entre as conclusões, uma delas indica que a maioria dos óbitos associados a Aids foram registrados entre negros. Em 2011, esse percentual de óbitos relacionados a síndrome da imunodeficiência nessa população era de 52,6% e, em 2021, saltou para 60,5%.

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