Racismo e falta de acessibilidade afastam negros e pessoas com deficiência da saúde, dizem especialistas

Para gays, lésbicas e transexuais, barreiras têm origem na LGBTfobia, segundo Doutor Maravilha

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São Paulo

A discriminação racial leva homens e mulheres negros a deixar de cuidar de doenças crônicas, que em diversos casos poderiam ser tratadas antes de evoluírem para um problema maior.

Não são raros os casos de pacientes negros que entram e saem de um consultório sem sequer serem tocados pelos médicos, mesmo depois de vestirem suas melhores roupas para irem à consulta, na tentativa de driblar o racismo.

Da esquerda para a direita, os Participates da mesa Aumentando a confiança no sistema: a fisioterapeuta Merllin de Souza, a médica ginecologista e obstetra Larissa Cassiano, a mediadora Victoria Damasceno, da Folha, o infectologista Vinícius Borges, e o coordenador-geral de diversidade e interseccionalidade no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania Raul de Paiva Santos
Da esquerda para a direita, os Participates da mesa Aumentando a confiança no sistema: a fisioterapeuta Merllin de Souza, a médica ginecologista e obstetra Larissa Cassiano, a mediadora Victoria Damasceno, da Folha, o infectologista Vinícius Borges, e o coordenador-geral de diversidade e interseccionalidade no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania Raul de Paiva Santos - Lucas Seixas/Folhapress

O tema foi debatido na quarta-feira (9), durante o seminário Diversidade no Sistema de Saúde, promovido pela Folha com o patrocínio da Sanofi. A mediação foi da editora de Equilíbrio e Saúde Victoria Damasceno.

"Não houve nenhum momento na minha formação em que a diversidade foi abordada. Muitas patologias e questões que deviam ter sido estudadas [porque acometem mais determinada parcela da população] nunca foram vistas", disse Larissa Cassiano, ginecologista e obstetra.

Para a médica, que na graduação foi a única aluna negra entre cem estudantes, o modelo o modelo baseado em metas de atendimento não permite que profissionais realizem consultas direcionadas às necessidades do paciente.

"Quando falamos de mulheres negras, estamos falando de uma população que, muitas vezes, não é vista. Eu faço parte dessa parcela, e consigo olhar para essas mulheres de uma forma diferente."

A especialista disse que o sistema, público ou privado, precisa oferecer local adequado para o exercício da profissão. "Uma cadeira para o paciente sentar, um banheiro que possa ser higienizado"

Ela contou trabalhar em um hospital público onde até a porta do banheiro do consultório ginecológico não fecha. "Enquanto a gente tem situações como essa, o paciente vai sair dali com uma imagem péssima. Por mais que o meu atendimento seja bom, a imagem que ele vai ter do sistema de saúde será muito ruim."

A fisioterapeuta e doutoranda na Faculdade de Medicina da USP Merllin de Souza defendeu a criação de disciplinas obrigatórias que relacionem questões de saúde a marcadores de gênero, raça e deficiência.

Esse seria o primeiro passo para que pessoas negras, que são 56% da população segundo o IBGE, tenham suas necessidades contempladas.

"Nós precisamos ser de fato escutados, de fato representados. E, para falar de acesso e do sentimento de pertencimento, é importante a gente retomar o debate sobre como estamos formando os nossos profissionais de saúde", afirmou ela, que se autodenomina pesquisadora antirracista.



Souza contou só ter aprendido que é uma mulher heterossexual cisgênero durante o doutorado, tendo passado por toda a graduação e cursos de pós que não abordaram questões básicas de sexualidade e gênero.

Isso porque as mais de 20 profissões relacionadas ao setor de saúde do Brasil perpetuam uma mentalidade da década passada, principalmente em relação ao tratamento de pessoas pertencentes a grupos minorizados, afirmou.

Assim, ela defendeu que os comitês de ética de saúde não só fiscalizem, mas afastem aqueles que infringem os direitos humanos e discriminam seus pacientes. Durante o afastamento, esses profissionais deveriam passar por cursos e treinamentos para melhorar o atendimento.

No caso de pacientes LGBTQIA+, essas barreiras têm origem na LGBTfobia, que opera tanto no acesso, quanto no atendimento médico, afirmou o infectologista Vinicius Borges, conhecido nas redes sociais como Doutor Maravilha.

"Quando uma pessoa entra no escritório, está lá o médico carrancudo que supõe que ela é cisgênero e heterossexual. Ele não cogita que seja uma mulher que gosta de outras mulheres ou um homem que gosta de outros homens e, se em algum momento da consulta o paciente deixa isso claro, tem uma grande chance de ser maltratado", disse.

De acordo com ele, o preconceito e a heteronormatividade —na qual orientações sexuais diferentes da heterossexual são marginalizadas, ignoradas ou perseguidas— exclui gays, lésbicas, trans e não binários do sistema de saúde.

O médico defendeu que a equidade pressupõe que pessoas com necessidades diferentes precisam de abordagens diferentes, e é dever dos médicos e das instituições adequarem suas campanhas a cada tipo de público. "É diferente falar de saúde para um homem gay, cis e branco que mora em São Paulo e para uma mulher trans negra que mora no interior", afirmou.

Já pessoas com deficiência enfrentam barreiras físicas que vão desde dificuldades no acesso ao local de atendimento até a falta de acessibilidade em equipamentos para exames, como as balanças ou as máquinas de ressonância.

Para Raul de Paiva Santos, coordenador-geral de diversidade e interseccionalidade no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, falta capacitação dos profissionais de saúde para atender não só as deficiências, mas as individualidades dos pacientes.

Ele defende que médicos e enfermeiros tenham formação obrigatória em libras, para que se comuniquem com pessoas com deficiência auditiva e ofereçam autonomia a esses pacientes.

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