Por que ainda estamos respirando ar contaminado em ambientes fechados

Limpeza de superfícies é vista como prioridade, mas disseminação de vírus como da Covid-19 é feita por via aérea

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The New York Times

No início de 2020, desesperados para evitar a infecção por um novo coronavírus, todos nós esfregávamos superfícies, lavávamos as mãos e espirrávamos cobrindo o nariz e a boca com a manga da camisa (o que é chamado de "espirrar no cotovelo"). Mas a ameaça não estava de fato nas bancadas e maçanetas.

O vírus estava no ar e se disseminava pela tosse, por conversas e até cantando uma música. A pandemia se alastrou por seis meses antes que as autoridades de saúde globais reconhecessem que o vírus era transmitido pelo ar.

Essa revelação desencadeou outra: se a qualidade do ar em ambientes fechados tivesse sido uma prioridade, o impacto da pandemia nos Estados Unidos teria sido menor.

Homem abrindo a janela
Qualidade do ar é mais importante que limpeza de superfícies para evitar disseminação do coronavírus - Michelle Gustafson/The New York Times

Depois de mais de três anos, quase nada mudou. Muitos continuam se amontoando em escritórios, salas de aula, restaurantes e lojas com sistemas de ventilação inadequados e muitas vezes deteriorados, frequentemente em edifícios com janelas fechadas.

Os cientistas concordam que é quase certo que a próxima pandemia também surgirá de um vírus transmitido por via aérea. Mas melhorar a qualidade do ar não é importante só para combater doenças infecciosas: o ar contaminado em ambientes fechados pode prejudicar o coração, os pulmões e o cérebro, diminuindo a expectativa de vida e prejudicando a cognição. Além disso, os incêndios, a poluição do ar exterior e as mudanças climáticas vão tornar ineficazes as soluções paliativas, como abrir as janelas ou trazer ar de fora para dentro dos ambientes.

Em vez disso, teremos que começar a pensar no ar em escolas, restaurantes, escritórios, trens, aeroportos e cinemas, como locais que influenciam a saúde humana. Para melhorar a situação, será preciso dispor de verbas, orientação científica sobre a qualidade do ar e, principalmente, vontade política para mudar.

"A pressão por água limpa é considerada uma das dez maiores conquistas na saúde pública no século passado, e o mesmo tem de ser feito em relação ao ar", diz Linsey Marr, especialista em transmissão de vírus pelo ar da Virginia Tech.

Mudança de paradigma

A discussão sobre a qualidade do ar em ambientes fechados poderia ter ganhado destaque antes se a comunidade médica não tivesse acreditado que doenças respiratórias como a gripe são transmitidas quase exclusivamente mediante gotículas expelidas por tosse ou espirro. A observação de que pessoas mais próximas de doentes pareciam estar mais propensas à infecção pode ter alimentado essa ideia, o que levou os médicos especialistas a recomendar a lavagem das mãos e o distanciamento social como os melhores procedimentos para conter um vírus respiratório.

Mas os cientistas comprovaram há décadas que gotículas grandes podem evaporar e encolher ao ser expelidas, transformando-se em aerossóis minúsculos que permanecem no ar. Ou seja, um paciente gripado não está só expelindo o vírus por meio de grandes gotículas –ele pode exalar, tossir ou espirrar gotículas de vários tamanhos, e as menores vão se espalhar pelo ar e ser inaladas direto para os pulmões– cenário que exige uma prevenção muito diferente de limpar superfícies ou lavar as mãos, segundo Yuguo Li, especialista em qualidade do ar da Universidade de Hong Kong.

Para Li e outros especialistas, desde o início da pandemia era óbvio que o coronavírus era transportado pelo ar. Parente próximo que surgiu na Ásia em 2002, o coronavírus Sars, por exemplo, era transportado dessa maneira. Por que o vírus novo seria diferente?

Alguns cientistas perceberam que as agências de saúde estavam evitando divulgar que a transmissão se dava por aerossóis em ambientes fechados porque isso exigiria máscaras de alta qualidade, filtragem do ar e fechamento de prédios –ou seja, uma reação gigantesca. "Fiquei chocado com a paralisia da comunidade de saúde pública diante da demanda por mais dados conclusivos", afirma William Bahnfleth, especialista em engenharia arquitetônica da Universidade Estadual da Pensilvânia.

O CDC (centros de controle e prevenção de doenças dos EUA) demorou até abril de 2020 para recomendar o uso de máscara e até outubro do mesmo ano para reconhecer a transmissão do coronavírus por aerossóis, e mesmo assim só de forma indireta. Já a OMS (Organização Mundial da Saúde) foi forçada a rever sua orientação em julho de 2020, depois que 239 especialistas demandaram tal posicionamento por meio de uma declaração.

O momento decisivo se deu no outono de 2021, quando três grandes revistas médicas publicaram artigos sobre a transmissão do coronavírus pelo ar. Ainda assim, a OMS não usou a palavra "aerotransportado" para descrever o vírus até dezembro de 2021, e o CDC ainda não o fez. "Trabalhei com eles na edição do resumo científico sobre a transmissão, e ficou evidente que não queriam usar aquela palavra. É uma loucura", afirma Marr sobre o CDC.

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